"Aqui ha anos, antes da Grande Guerra, correu os meios inglêses, como exemplo demonstrativo da insinuação comercial alemã, a noticia do caso curioso das "taças de ovos" (egg-cups) que se vendiam na India.
O inglês costuma comer os ovos, a que nós chamamos "quentes", não em copos e partidos, mas em pequenas taças de louça, do feitio de meio ovo, e em que o ovo portanto entra até metade; partem a extremidade livre do ovo, e comem-no assim, com uma colher de chá, depois de lhe ter deitado sal e pimenta. Na India, colonia britânica, assim se comiam, e naturalmente ainda se comem, os ovos "quentes". Como é de supôr, eram casas inglêsas as que, por tradição aparentemente inquebravel, exportam para a India as taças para este fim.
Sucedeu, porêm, que, alguns anos antes da Guerra, as firmas inglêsas exportadoras dêste artigo notaram que a procura dêle na India decrescera quasi até zero. Estranharam o facto, buscaram saber a causa, e não tardou que descobrissem que estavam sendo batidas por casas exportadoras alemãs, que vendiam identico artigo ao mesmo preço.
Se as casas alemãs houvessem entrado no mercado indio com o artigo a preços mais baixos, sem duvida que os agentes dos exportadores inglêses teriam advertido estes sem demora. Mas, como o preço era igual, e a qualidade igual tambem, não era necessário o aviso; nem houve receio senão quando se verificou que havia razão para mais que receio - isto é, quando se verificou que, nestas condições de duvidosa vantagem para um novo concorrente, o artigo alemão vencera por completo.
Feita a averiguação curiosa da causa dêste misterio, não tardou que se descobrisse. Os ovos das galinhas indianas eram - e naturalmente ainda são - ligeiramente maiores que os das galinhas da Europa, ou, pelo menos, das da Grã-Bretanha. Os fabricantes inglêses exportavam as taças de tipo unico que produziam para o consumo domestico. Essas taças, evidentemente, serviam de um modo imperfeito aos ovos das galinhas da India. Os alemães notaram isto, e fizeram taças ligeiramente maiores, proprias para receber esses ovos. Não tinham que alterar qualidade (podiam, até, baixá-la), nem que diminuir preço: tinham certa a victoria por o que em linguagem scientifica se chama a adaptação ao meio. Tinham resolvido, na India e para si, o problema de comer o ovo de Colombo."(sic)
Transcrito do livro "Sociologia do Comércio", de Fernando Pessoa, fac símile de 1997 produzido por JCTM Marketing Industrial Ltda. e VCP - Votorantim Celulose e Papel, a partir da edição original da Editorial Cultura de Lisboa, data provável 1951. O trecho consta do capítulo denominado "A Essência do Comércio", cuja nota bibliográfica indica que a primeira publicação se deu na "Revista de Comércio e Contabilidade" nº 1, de 25 de junho de 1926, Lisboa.
O grande escritor português Fernando Pessoa, uma unanimidade como poeta, não goza da mesma reputação nos textos em que se aventurou por refletir sobre política, sociologia e economia, como é o caso de "Interregno (Defeza e Justificação da Ditadura Militar em Portugal)", cuja primeira edição data de 1928. Ainda que em 1935 tenha publicado o “Interregno-II”, no qual Pessoa admitiu o seu engano: “Escrevi no princípio de 1928 um folheto com o mesmo título que o presente (…). Dou hoje esse título por não escrito; escrevo este para o substituir”.
Em Sociologia do Comércio, Pessoa procura analisar os problemas fundamentais do comércio impregnado pela visão liberal que vigorava no final do Século XIX, ainda que afirme que "seremos, quando possa ser, concretos dentro da abstração natural das teorias e das doutrinas". Mas, deve-se reconhecer, em alguns aspectos de seu estudo, o poeta antecipou linhas mestras atuais da teoria do comércio, como estratégias de marketing e técnicas de vendas. No trecho acima transcrito, cita o curioso caso da exportação de taças de ovos para a Índia, do qual retira ensinamentos muito atuais, como de o comerciante ser um prestador de serviços que deve estar atento aos desejos do consumidor. Para tanto, na opinião de Pessoa, o comerciante ou exportador deve atentar para as condições de aceitação do seu produto e o nível da concorrência, conhecer a psicologia do consumidor e sua sensibilidade ao preço, saber a melhor forma de apresentar o seu produto e averiguar as condições especiais, como moda, cultura, política...
Por F@bio
A idéia é, como um navio cargueiro, recolher e reunir escritos da literatura que nos encantaram. Que tal navegar comigo, sugerir, criticar, interagir? Poste seu comentário e torne-se um amigo do Blog.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Código da Vida - Saulo Ramos
"...Quando fui convidado por Jânio Quadros, para assessorá-lo na Presidência da República e, sobretudo, na política do café, o Brasil tinha tradição de nomear para o IBC - Instituto Brasileiro do Café - os líderes rurais, fazendeiros e produtores ou presidentes de associações cafeeiras. O café era muito importante para o país naquela época. Ainda é. Mas, em 1961, a exportação desse produto representava três bilhões de dólares num total de quatro a cinco bilhões. Recomendei que fosse nomeado para o cargo um diplomata, bom negociador internacional. A política do café tinha de se voltar para a conquista do mercado externo. Com esse perfil, encontramos o ministro de segunda classe do Itamaraty, Sérgio Armando Frazão.
Trabalhamos juntos nos sete meses do Governo Jânio. Fizemos tudo o que era possível. Acabamos com o confisco cambial que pesava sobre a exportação do produto, para felicidade geral da cafeicultura. Criamos incentivos para a produção de qualidade, a fim de enfrentar a concorrência do café colombiano e atender à exigência da maioria dos consumidores de café por esse mundo afora. Provocamos a inclusão dos importadores no acordo internacional do café, para que eles ajudassem a vigiar os exportadores que fraudavam suas cotas fixadas pelo acordo internacional".
Transcrito do livro "Código da Vida", de Saulo Ramos, páginas 48 e 49. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007
Saulo Ramos, advogado e jurista, foi assessor da Presidência da República no Governo de Jânio Quadros e Consultor Geral da República no Governo de José Sarney. O livro Código da Vida é uma autobiografia que tem como pano de fundo um curioso caso de litígio judicial familiar, quase um policial, com lances de drama, suspense, mistério, articulações políticas e fatos históricos.
O autor foi de grande felicidade na forma que encontrou para relatar o caso de contenda judicial em que um pai desesperado procura o seu escritório de advocacia para defendê-lo da acusação efetuada pela ex-mulher de praticar atos obscenos com os próprios filhos menores e, na ação judicial movida contra ele, pede a extinção do seu direito de ver as crianças. Tendo como pano de fundo o desvelamento do caso, Saulo Ramos relata os fatos mais marcantes de sua vida e do país, entre os anos 50 e o início do Século XXI. É uma estimulante leitura sobre o nosso Brasil contemporâneo. Contudo, o leitor deve estar atento para a inevitável parcialidade do autor, que contamina o livro com sua visão política e sua notória falta de modéstia e megalomania, como fica patente no trecho acima transcrito, onde a terceira pessoa utilizada não é suficiente para escamotear a intencionalidade de atribuir a si próprio a autoria dos feitos relatados, ainda que num reconhecido efêmero período de tempo.
Por F@bio
Trabalhamos juntos nos sete meses do Governo Jânio. Fizemos tudo o que era possível. Acabamos com o confisco cambial que pesava sobre a exportação do produto, para felicidade geral da cafeicultura. Criamos incentivos para a produção de qualidade, a fim de enfrentar a concorrência do café colombiano e atender à exigência da maioria dos consumidores de café por esse mundo afora. Provocamos a inclusão dos importadores no acordo internacional do café, para que eles ajudassem a vigiar os exportadores que fraudavam suas cotas fixadas pelo acordo internacional".
Transcrito do livro "Código da Vida", de Saulo Ramos, páginas 48 e 49. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007
Saulo Ramos, advogado e jurista, foi assessor da Presidência da República no Governo de Jânio Quadros e Consultor Geral da República no Governo de José Sarney. O livro Código da Vida é uma autobiografia que tem como pano de fundo um curioso caso de litígio judicial familiar, quase um policial, com lances de drama, suspense, mistério, articulações políticas e fatos históricos.
O autor foi de grande felicidade na forma que encontrou para relatar o caso de contenda judicial em que um pai desesperado procura o seu escritório de advocacia para defendê-lo da acusação efetuada pela ex-mulher de praticar atos obscenos com os próprios filhos menores e, na ação judicial movida contra ele, pede a extinção do seu direito de ver as crianças. Tendo como pano de fundo o desvelamento do caso, Saulo Ramos relata os fatos mais marcantes de sua vida e do país, entre os anos 50 e o início do Século XXI. É uma estimulante leitura sobre o nosso Brasil contemporâneo. Contudo, o leitor deve estar atento para a inevitável parcialidade do autor, que contamina o livro com sua visão política e sua notória falta de modéstia e megalomania, como fica patente no trecho acima transcrito, onde a terceira pessoa utilizada não é suficiente para escamotear a intencionalidade de atribuir a si próprio a autoria dos feitos relatados, ainda que num reconhecido efêmero período de tempo.
Por F@bio
domingo, 1 de dezembro de 2013
1889 - O Império Tropical - Laurentino Gomes
"Capital do Império, com 522.651 habitantes, o Rio de Janeiro aumentara sua população nove vezes desde a chegada de dom João e a família real portuguesa. O porto carioca era o mais movimentado do Brasil. A renda de sua alfândega representava 32% da arrecadação geral do Império. A cidade que mais crescia em 1889, no entanto, era São Paulo, que chegaria a 239.820 habitantes no Censo de 1900. Sua população se multiplicaria por dez em apenas cinquenta anos, impulsionada em grande parte pelos novos imigrantes estrangeiros que chegavam ao Brasil para substituir nas lavouras a recém-abolida mão de obra escrava. Salvador, capital colonial até 1763, tinha 174.412 habitantes e apresentava crescimento estável, enquanto Recife, com 111.556, a população declinava em razão da crise da lavoura açucareira.
(...)
O café produziria uma drástica alteração no eixo econômico do país. Nos duzentos primeiros anos da colonização, a riqueza brasileira se concentrava na região Nordeste, no chamado ciclo do açúcar. Depois migrara para Minas Gerais, na corrida do ouro e do diamante que marcou a primeira metade do século XVIII. Por essa época, Francisco de Melo Palheta, sargento-mor do Pará, contrabandeou de um viveiro de Caiena as primeiras sementes e mudas de café, planta originária das terras altas da Etiópia e até então cultivada em segredo na Guiana Francesa. Depois de aclimatadas em Belém, as mudas logo chegariam ao Vale do Paraíba, entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Começava ali a febre do "Ouro Verde". O produto, que na época da Independência representava apenas 18% do total da pauta de exportações brasileiras, em 1889 já alcançava 68%, ou seja, quase dois terços do total. O número de sacas exportadas saltou de 129 mil em 1820 para 5,5 milhões em 1889."
Transcrito do livro "1889" de Laurentino Gomes.
São Paulo, Globo, 2013.
O jornalista Laurentino Gomes, paranaense de Maringá, notabilizou-se com sua excelente trilogia histórica sobre a formação do Brasil contemporâneo, constituída pelos livros intitulados com datas marcantes: 1808, sobre a chegada da corte portuguesa de dom João VI no Brasil fugindo das tropas napoleônicas; 1822, sobre a independência do Brasil; e 1899, sobre a queda da monarquia e proclamação da república. Neste último, aborda os motivos que levaram à queda do regime imperial e as articulações para a proclamação da república. O livro traz por subtítulo: "Como um imperador cansado [e doente], um marechal vaidoso [e também doente] e um professor injustiçado [e ressentido] contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil". Gomes nos apresenta dom Pedro II como um monarca culto, conciliador e simpático à causa republicana e o marechal Deodoro da Fonseca como um militar vaidoso, arbitrário e monarquista. Ou seja, pelas características dos dois personagens, pareciam estar em lugares trocados nesse importante momento histórico da formação do Brasil de nossos dias.
(...)
O café produziria uma drástica alteração no eixo econômico do país. Nos duzentos primeiros anos da colonização, a riqueza brasileira se concentrava na região Nordeste, no chamado ciclo do açúcar. Depois migrara para Minas Gerais, na corrida do ouro e do diamante que marcou a primeira metade do século XVIII. Por essa época, Francisco de Melo Palheta, sargento-mor do Pará, contrabandeou de um viveiro de Caiena as primeiras sementes e mudas de café, planta originária das terras altas da Etiópia e até então cultivada em segredo na Guiana Francesa. Depois de aclimatadas em Belém, as mudas logo chegariam ao Vale do Paraíba, entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Começava ali a febre do "Ouro Verde". O produto, que na época da Independência representava apenas 18% do total da pauta de exportações brasileiras, em 1889 já alcançava 68%, ou seja, quase dois terços do total. O número de sacas exportadas saltou de 129 mil em 1820 para 5,5 milhões em 1889."
Transcrito do livro "1889" de Laurentino Gomes.
São Paulo, Globo, 2013.
O jornalista Laurentino Gomes, paranaense de Maringá, notabilizou-se com sua excelente trilogia histórica sobre a formação do Brasil contemporâneo, constituída pelos livros intitulados com datas marcantes: 1808, sobre a chegada da corte portuguesa de dom João VI no Brasil fugindo das tropas napoleônicas; 1822, sobre a independência do Brasil; e 1899, sobre a queda da monarquia e proclamação da república. Neste último, aborda os motivos que levaram à queda do regime imperial e as articulações para a proclamação da república. O livro traz por subtítulo: "Como um imperador cansado [e doente], um marechal vaidoso [e também doente] e um professor injustiçado [e ressentido] contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil". Gomes nos apresenta dom Pedro II como um monarca culto, conciliador e simpático à causa republicana e o marechal Deodoro da Fonseca como um militar vaidoso, arbitrário e monarquista. Ou seja, pelas características dos dois personagens, pareciam estar em lugares trocados nesse importante momento histórico da formação do Brasil de nossos dias.
domingo, 22 de setembro de 2013
A Draga - Manoel de Barros
A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, no Porto, como um pé de árvore ou uma duna.
- E que fosse uma casa de peixes?
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferragens.
Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-sapo.
Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um caranguejo trôpego.
À procura de velórios.
Os bolsos de seu casaco andavam estufados de jias.
Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.
Geleia de sapos!
Só as crianças e as putas do jardim entendiam a sua fala de furnas brenhentas.
Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo!
Ai que dor!
Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
Queria captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele...
O literato cujo, se não engano, é hoje senador pelo Estado.
Se não é, merecia.
A vida tem suas descompensações.
Da velha draga
Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria
Que ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda
Para que as registre em seus léxicos
Pois o povo já as registrou.
De Manoel de Barros, em Poesia Completa (pág. 20 e 21). São Paulo: Leya, 2010.
Sentia falta de Manoel de Barros no Cargueiro de Letras, mas precisava encontrar algum texto dele que fizesse uma ponte com a temática geral do blog. O mais próximo que encontrei foi A Draga, que o autor enraizou no Porto. Manuel de Barros é um poeta bastante singular que, como ele mesmo diz, quer "pegar na semente da palavra" e, por não ter "ferramenta de pensar, inventa". Aí está o poeta a inventar expressões e a nos enriquecer com a sensorialidade das frases inventadas.
Por F@abio
- E que fosse uma casa de peixes?
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferragens.
Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-sapo.
Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um caranguejo trôpego.
À procura de velórios.
Os bolsos de seu casaco andavam estufados de jias.
Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.
Geleia de sapos!
Só as crianças e as putas do jardim entendiam a sua fala de furnas brenhentas.
Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo!
Ai que dor!
Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
Queria captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele...
O literato cujo, se não engano, é hoje senador pelo Estado.
Se não é, merecia.
A vida tem suas descompensações.
Da velha draga
Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria
Que ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda
Para que as registre em seus léxicos
Pois o povo já as registrou.
De Manoel de Barros, em Poesia Completa (pág. 20 e 21). São Paulo: Leya, 2010.
Sentia falta de Manoel de Barros no Cargueiro de Letras, mas precisava encontrar algum texto dele que fizesse uma ponte com a temática geral do blog. O mais próximo que encontrei foi A Draga, que o autor enraizou no Porto. Manuel de Barros é um poeta bastante singular que, como ele mesmo diz, quer "pegar na semente da palavra" e, por não ter "ferramenta de pensar, inventa". Aí está o poeta a inventar expressões e a nos enriquecer com a sensorialidade das frases inventadas.
Por F@abio
sábado, 22 de junho de 2013
Beira-Mar - Manoel de Andrade
Tudo abeirou minha infância
beira do rio, beira-mar
orla branca de esperança
no leste do meu olhar.
Meu batelão emborcado
à beira de me afogar,
eu sobre a ponte abeirado
puxando minhas puçás.
Beirando todas as rotas,
nas asas das gaivotas
meus olhos cruzavam o mar;
sonhava à beira do cais
com um barco, nada mais
e eu no mundo a navegar.
De Manoel de Andrade em Cantares : poemas. São Paulo : Escrituras Editora, 2007
Manoel de Andrade esta em outra postagem do Cargueiro de Letras com Um Homem no Cais, poesia publicada no mesmo livro. Os versos de Beira-Mar me remeteram a minha infância/adolescência em Niterói, quando também vivia abeirado no cais ou na beira-mar. Meu cais era a ponte que leva à ilha da Boa Viagem de onde observava muitos barcos a seguir mar adentro e sonhava com um barco meu, a navegar. Navegava nos sonhos.
Por F@bio
beira do rio, beira-mar
orla branca de esperança
no leste do meu olhar.
Meu batelão emborcado
à beira de me afogar,
eu sobre a ponte abeirado
puxando minhas puçás.
Beirando todas as rotas,
nas asas das gaivotas
meus olhos cruzavam o mar;
sonhava à beira do cais
com um barco, nada mais
e eu no mundo a navegar.
De Manoel de Andrade em Cantares : poemas. São Paulo : Escrituras Editora, 2007
Manoel de Andrade esta em outra postagem do Cargueiro de Letras com Um Homem no Cais, poesia publicada no mesmo livro. Os versos de Beira-Mar me remeteram a minha infância/adolescência em Niterói, quando também vivia abeirado no cais ou na beira-mar. Meu cais era a ponte que leva à ilha da Boa Viagem de onde observava muitos barcos a seguir mar adentro e sonhava com um barco meu, a navegar. Navegava nos sonhos.
Por F@bio
quarta-feira, 5 de junho de 2013
Do alto de um guindaste - Alberto Martins
7. Do alto de um guindaste
refém
de cargas
e armazéns
de rotas
e promissórias
commodities
extraviadas
e contrabando
sem nota
- aqui eu moro -
entre bandeiras
de diferentes donos
e as grossas placas
de aço do abandono.
Trecho do Poema "Em Torno da Cidade" de Alberto Martins em Cais (pág. 69). São Paulo: Ed. 34, 2002
Alberto Martins lança um olhar sentimental em torno de sua cidade natal, Santos, e nos apresenta uma paisagem singular, muito além do relevo e da geologia. Como ele mesmo nos conta, mora no porto, entre navios e bandeiras de diferentes nacionalidades, acompanhando o vai-e-vem das cargas, legais e ilegais, o vai-e-vem da história e da vida. Augusto Massi destaca que o poeta nos revela Santos como uma cidade que "flutua num enigmático comércio: embarque e desembarque de carga, fluxo e refluxo da memória, subida e descida da serra. As imagens se deslocam com a leveza e velocidade dos guindastes".
Por F@bio
domingo, 21 de abril de 2013
Do Porto - Alberto Martins
cais
onde as coisas ancoram
onde as coisas demoram
algum tempo
antes de partir
lá está o morto
vivendo de uma outra vida
que só diz respeito ao corpo
lá estão seus ossos
pacotes bem embalados
prontos pra subir a bordo
CAFÉ ALUMÍNIO CEVADA
SOJA CIMENTO
CARNE
- mas pra quê tantos guindastes
se o corpo não se move
jamais?
Obtido de: http://wladimircaze.blogspot.com.br/2011/07/trecho-do-poema-em-torno-da-cidade-do.html
Alberto Alexandre Martins é é Mestre em Literatura Brasileira pela USP e doutor em Artes Plásticas na ECA-USP. Poeta e artista plástico nascido em Santos, litoral paulista, reflete em sua obra influências de quem viveu no estuário, entre o Atlântico e a Serra do Mar. Sua obra tem sido reconhecida e premiada.
Porto é ponto de chegada e partida, local de trânsito, é meio e não fim, vai e vem, constante movimento. As coisas, seus corpos, estão no porto de passagem, de lá embarcam para o mar, quem vai, ou para a terra, quem vem, vão se eternizar em outro lugar. Carregar e descarregar, de lá pra cá. Mas o porto que movimenta coisas e gentes está firme, ponto fixo, farol no horizonte, move mas não se move, é porto seguro.
Por F@bio
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Porto - Alexandre Dáskalos
"Havia nos olhos postos o sentido
de não vencerem distancias.
Calados, mudos, de lábios colados no silêncio
os braços cruzados como quem deseja
mas de braços cruzados.
Os navios chegavam ao porto e partiam.
Os carregadores falavam da gente do mar.
A gente do mar dos que ficam em terra.
As mercadorias seguiam.
Os ventos, dispersos na alma do tempo,
traziam as novas das terras longínquas.
Segredavam-se em noites e dias
a todos os homens
em todos os mares
e em todos os portos
num destino comum.
Os navios chegavam ao porto
e partiam..."
Obtido de http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/angola/alexandre-daskalos/porto.html
Alexandre Dáskalos (1924-1961), poeta, nascido em Huambo, Angola, estudou em Lisboa onde ser formou em Medicina Veterinária. Participou ativamente do movimento “Vamos Descobrir Angola” e da Geração da Mensagem, colaborou em O Planalto e em Mensagem (Casa dos Estudantes do Império). Muitos dos seus poemas foram musicados e traduzidos para diversas línguas.
O porto é local seguro, mas os navios partem sempre, levando novidades, gentes, coisas, casos, lembranças, sonhos, desafios, aventuras, bagagens, tristezas, desventuras, saudades...
Por F@bio
sexta-feira, 29 de março de 2013
Vista de Delft - Timothy Brook
"Comecemos com Vista de Delft. Esse é um quadro pouco comum na obra de Vermeer. A maioria dos quadros dele mostra o interior de salas decorado de maneira cativante com objetos discretos da vida familiar do artista. Vista de Delft é bem diferente ... É uma vista específica de Delft que se revela de um ponto mais alto logo ao sul da cidade, do outro lado do Kolk, o porto fluvial de Delft, quando se olha para o norte. Diante da superfície triangular da água em primeiro plano, ficam os portões de Schiedam e Roterdã, que flanqueiam a embocadura do Oude Delft, onde se abre no Kolk. Além dos portões, está a cidade propriamente dita. Nossa atenção é atraída para a torre da Igreja Nova, iluminada pelo sol. A torre está visivelmente sem sinos; como se sabe que os sinos começaram a ser montados em maio de 1660, podemos datar a pintura de pouco antes disso. Há outras torres na linha do horizonte. Para a esquerda, vemos a cúpula acima do portão de Schiedam, depois a torre cônica menor da Cervejaria Papagaio (no século XVI, Delft fora um centro de fabricação de cerveja). E, subindo para se mostrar ao lado dela, vemos a ponta da torre da Igreja Velha. Essa é Delft na primavera de 1660."
(...)
"O primeiro lugar onde procuraremos a segunda porta é o porto. O Kolk recebia barcos que viajavam indo e voltando de Delft pelo canal Schie, que corria para o sul até Schiedam e Roterdã, no Reno. Atracada ao cais no primeiro plano, à esquerda, há uma balsa de passageiros. Com formato comprido e estreito para passar com facilidade pelas comportas dos canais, as balsas como essa, puxadas por cavalos, funcionavam com horário fixo e ligavam Delft a cidades pequenas e grandes do sul da Holanda ... Dos outros dois lados do porto, todos os barcos estão ancorados ou fora de serviço. A única indicação de inquietude é o horizonte recortado de prédios e a sombra lançada pelo imenso cúmulo que pende no alto da pintura. Mas o efeito geral é a perfeita tranquilidade de um dia agradável. Há outros barcos atracados no Kolk: pequenos cargueiros abaixo do Portão de Schiedam e outras quatro balsas de passageiros ao lado do Portão de Roterdã. Entretanto, os dois para os quais quero chamar a atenção são as embarcações de fundo largo atracadas uma à outra no lado direito do quadro. Esse trecho do cais diante do Portão de Roterdã era onde ficava o estaleiro de Delft. Essas duas embarcações estão sem os mastros de popa, e os mastros de proa estão em mau estado, o que indica que estão lá para reforma ou conserto. São navios de três mastros construídos para a pesca de arenque no mar do Norte. Eis outra porta para o mundo do século XVII, mas ela exige alguma explicação para se abrir."
Transcrito de "O Chapéu de Vermeer: o século XVII e a aurora do mundo global" de Timothy Brook. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2012.
O autor, Timothy Brook, é canadense, professor da Universidade de Oxford e reitor do Saint John's College da Universidade de Colúmbia Britânica. É estudioso da China e autor de vários livros sobre o tema. No livro "O Chapéu de Vermeer" ele elabora um interessante ensaio sobre as telas do pintor holandês. Com base nos elementos encontrados nos quadros, Brook delineia as rotas de comércio do século XVII, indicando os primórdios da globalização.
O curioso do texto de Brook é a profunda investigação pictórica sobre os quadros do pintor holandês Johannes Vermeer (1632 - 1675), muito conhecido pela tela "Moça com brinco de pérola" que deu nome ao livro e ao filme que contam a vida do pintor. O livro de 1999 é de Tracy Chevalier e o filme de 2003 é de Peter Webbe, tendo como protagonista a estonteante atriz Scarlett Johansson que interpreta Griet, a garota com brinco de pérola.
A partir dos elementos pintados por Vermeer em suas obras, Brook aponta as origens dos produtos, estrutura e métodos negociais, rotas de navegação, lutas políticas e econômicas, que evidenciam que, já naquela época, o comércio em escala mundial descortinava a globalização hoje tão em voga.
Por F@bio
(...)
"O primeiro lugar onde procuraremos a segunda porta é o porto. O Kolk recebia barcos que viajavam indo e voltando de Delft pelo canal Schie, que corria para o sul até Schiedam e Roterdã, no Reno. Atracada ao cais no primeiro plano, à esquerda, há uma balsa de passageiros. Com formato comprido e estreito para passar com facilidade pelas comportas dos canais, as balsas como essa, puxadas por cavalos, funcionavam com horário fixo e ligavam Delft a cidades pequenas e grandes do sul da Holanda ... Dos outros dois lados do porto, todos os barcos estão ancorados ou fora de serviço. A única indicação de inquietude é o horizonte recortado de prédios e a sombra lançada pelo imenso cúmulo que pende no alto da pintura. Mas o efeito geral é a perfeita tranquilidade de um dia agradável. Há outros barcos atracados no Kolk: pequenos cargueiros abaixo do Portão de Schiedam e outras quatro balsas de passageiros ao lado do Portão de Roterdã. Entretanto, os dois para os quais quero chamar a atenção são as embarcações de fundo largo atracadas uma à outra no lado direito do quadro. Esse trecho do cais diante do Portão de Roterdã era onde ficava o estaleiro de Delft. Essas duas embarcações estão sem os mastros de popa, e os mastros de proa estão em mau estado, o que indica que estão lá para reforma ou conserto. São navios de três mastros construídos para a pesca de arenque no mar do Norte. Eis outra porta para o mundo do século XVII, mas ela exige alguma explicação para se abrir."
Transcrito de "O Chapéu de Vermeer: o século XVII e a aurora do mundo global" de Timothy Brook. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2012.
O autor, Timothy Brook, é canadense, professor da Universidade de Oxford e reitor do Saint John's College da Universidade de Colúmbia Britânica. É estudioso da China e autor de vários livros sobre o tema. No livro "O Chapéu de Vermeer" ele elabora um interessante ensaio sobre as telas do pintor holandês. Com base nos elementos encontrados nos quadros, Brook delineia as rotas de comércio do século XVII, indicando os primórdios da globalização.
O curioso do texto de Brook é a profunda investigação pictórica sobre os quadros do pintor holandês Johannes Vermeer (1632 - 1675), muito conhecido pela tela "Moça com brinco de pérola" que deu nome ao livro e ao filme que contam a vida do pintor. O livro de 1999 é de Tracy Chevalier e o filme de 2003 é de Peter Webbe, tendo como protagonista a estonteante atriz Scarlett Johansson que interpreta Griet, a garota com brinco de pérola.
A partir dos elementos pintados por Vermeer em suas obras, Brook aponta as origens dos produtos, estrutura e métodos negociais, rotas de navegação, lutas políticas e econômicas, que evidenciam que, já naquela época, o comércio em escala mundial descortinava a globalização hoje tão em voga.
Por F@bio
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Confidência - Mia Couto
"Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos"
De: Mia Couto, do poema "Confidência".
Obtido de: http://www.elfikurten.com.br/2012/11/mia-couto-o-afinador-de-silencios.html
Antônio Emílio Leite Couto, mais conhecido por Mia Couto, nasceu em 5 de Julho de 1955 na cidade da Beira em Moçambique. É filho de emigrantes portugueses. Jornalista, escritor, poeta, biólogo e professor da cátedra de ecologia. Em 1992, foi o responsável pela preservação da reserva natural da Ilha de Inhaca. Tem vários livros publicados e é o autor moçambicano mais traduzido. As suas obras foram traduzidas e publicadas em 24 países. Várias das suas obras têm sido adaptadas ao teatro e cinema. Tem recebido vários prêmios nacionais e internacionais, e comparado a Gabriel Garcia Márquez e Guimarães Rosa. Seu romance Terra sonâmbula foi considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Em 1999, o autor recebeu o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra e, em 2007 o prêmio União Latina de Literaturas Românicas.
Sou um admirador da poesia e prosa de Mia Couto. Aliás, sua prosa é pura poesia. Li alguns de seus romances, cuja riqueza literária é apaixonante. Sua obra nos leva para a África, sua cultura e suas crenças. O imaginário e lendas populares afloram no texto e nos envolvem. Conhecido como o "escritor da terra", seu texto nos transporta para o solo africano, cheio de realismo fantástico, neologismos e histórias fantasmagóricas. Mia Couto nos leva pelas raízes africanas, num ambiente social rico e ao mesmo tempo envolvente, misturando realidade e sonho.
Por F@bio
Mar - Rui Teixeira Motta
Deserto impróprio,
Quantos Lawrence marinheiros
te amam desigualmente
na tua espantosa igualdade.
Felino no requebro fácil
mas pensado ...
feminino no movimento
nos redondos do rosto
mas homem no olhar devolvido.
Composto de todas as cores
com todas te fazes
no contraste bárbaro com a talhada de melancia
com os olhos azuis de um filho sonhado, por nascer
começando no fim ...
Transportando no terreiro azul da pele
horas e tempos outra vez horas
que secam nos tombadilhos dos navios
que embatem em horizontes
que jazem nas madrugadas
surpreendidas pelo vento.
Inseguro ao leme, segues um barco a palmilhar-te as léguas
Ondas brancas, porque não verdes?
porque não fracas?
Transcrito de "A Poesia É para Comer - Iguarias para o Corpo e para o Espírito", seleção de poemas por Ana Vidal; coordenação editorial por Renata Lima. São Paulo: Babel, 2011.
Rui Teixeira Motta, português, advogado, membro do Conselho de Opinião da RTP - Radio e Televisão de Portugal, é autor do livro "A construção e o canto: Poesia". Lisboa: Editorial Notícias, 1993.
Sempre gostei de contemplar o mar, vê-lo em sua amplidão, parecendo indomável e ao mesmo tempo dócil, misterioso e ao mesmo tempo cristalino. O mar infinito fundindo-se com o céu no horizonte. De movimento permanente a embalar e acalentar. Observar o mar para refletir e meditar. Olhar o mar a refletir o céu. O mar para amar e temer, o mar para domar e tremer, o mar a desafiar e inspirar...
Por F@bio
Quantos Lawrence marinheiros
te amam desigualmente
na tua espantosa igualdade.
Felino no requebro fácil
mas pensado ...
feminino no movimento
nos redondos do rosto
mas homem no olhar devolvido.
Composto de todas as cores
com todas te fazes
no contraste bárbaro com a talhada de melancia
com os olhos azuis de um filho sonhado, por nascer
começando no fim ...
Transportando no terreiro azul da pele
horas e tempos outra vez horas
que secam nos tombadilhos dos navios
que embatem em horizontes
que jazem nas madrugadas
surpreendidas pelo vento.
Inseguro ao leme, segues um barco a palmilhar-te as léguas
Ondas brancas, porque não verdes?
porque não fracas?
Transcrito de "A Poesia É para Comer - Iguarias para o Corpo e para o Espírito", seleção de poemas por Ana Vidal; coordenação editorial por Renata Lima. São Paulo: Babel, 2011.
Rui Teixeira Motta, português, advogado, membro do Conselho de Opinião da RTP - Radio e Televisão de Portugal, é autor do livro "A construção e o canto: Poesia". Lisboa: Editorial Notícias, 1993.
Sempre gostei de contemplar o mar, vê-lo em sua amplidão, parecendo indomável e ao mesmo tempo dócil, misterioso e ao mesmo tempo cristalino. O mar infinito fundindo-se com o céu no horizonte. De movimento permanente a embalar e acalentar. Observar o mar para refletir e meditar. Olhar o mar a refletir o céu. O mar para amar e temer, o mar para domar e tremer, o mar a desafiar e inspirar...
Por F@bio
sábado, 5 de janeiro de 2013
Soneto da Enseada - Ledo Ivo
SONETO DA ENSEADA
Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.
De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.
Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.
Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?
Obtido de: http://www.sonetos.com.br/sonetos.php?n=2724
Ledo Ivo está bem presente neste Blog e não poderia deixar de registrar seu falecimento no último dia 23 de dezembro de 2012, aos 88 anos, de infarto. Morreu na encantadora cidade de Sevilha, Espanha, capital da Andaluzia, onde é tão forte a presença moura. Ledo Ivo é considerado um grande artesão da palavra, um poeta inspirado e de uma "acidez cômica", nas palavras do acadêmico Marcos Villaça, seu colega de ABL. Fez a travessia entre o aquém e o além de que fala no soneto. Partiu de si mesmo, qual navio a desbravar outros mares, outros aléns...
por F@bio
Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.
De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.
Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.
Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?
Obtido de: http://www.sonetos.com.br/sonetos.php?n=2724
Ledo Ivo está bem presente neste Blog e não poderia deixar de registrar seu falecimento no último dia 23 de dezembro de 2012, aos 88 anos, de infarto. Morreu na encantadora cidade de Sevilha, Espanha, capital da Andaluzia, onde é tão forte a presença moura. Ledo Ivo é considerado um grande artesão da palavra, um poeta inspirado e de uma "acidez cômica", nas palavras do acadêmico Marcos Villaça, seu colega de ABL. Fez a travessia entre o aquém e o além de que fala no soneto. Partiu de si mesmo, qual navio a desbravar outros mares, outros aléns...
por F@bio
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