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domingo, 21 de junho de 2015

O Chapéu de Vermeer 2 .- Timothy Brook

"Quando ... em 1942, Cristóvão Colombo zarpou rumo a oeste com sua frota de três naviozinhos para atravessar o Atlântico (levando consigo um exemplar das Viagens de Marco Polo), ele já sabia que o mundo era redondo e que navegar para oeste o levaria à Ásia. Sabia o suficiente para achar que alcançaria primeiro o Japão, com a China logo além. Só não sabia quão grande era a distância que separava a Ásia da Europa. E o que não esperava era que houvesse um continente entre elas. Quando voltou à Europa, Colombo disse ao rei Fernando que, ao chegar à ilha de Hispaniola (hoje República Dominicana), "achei que era terra firme, a província de Catai". Não era, e Colombo teve de convencer o rei de que a primeira viagem quase chegara ao destino e que a segunda não deixaria de completar a missão. Se a ilha não era a China nem o Japão, então deveria ser uma ilha ao largo do litoral leste do Japão. As riquezas fabulosas da China, portanto, estavam ao alcance. Enquanto isso, garantiu ele a Fernando, a ilha que descobrira, com certeza, continha ouro, era só seus marinheiros começarem a procurar. Assim, transformou a cartada perdida - Hispaniola não era  Japão nem China - numa jogada vencedora. Mas ele acreditava que a ilha seguinte seria o Japão e, mais além dela, estaria a China.
A riqueza fabulosa da China virou obsessão na Europa, e foi por isso que Fernando concordou em financiar a segunda viagem de Colombo..."

Transcrito de "O Chapéu de Vermeer", de Timothy Brook, pag.56. Rio de Janeiro: Record, 2012.


Já mencionei autor e obra no Cargueiro de Letras. O livro trata das grandes navegações do Sec. XVII e a ascensão econômica e naval da Holanda, no que Brook denomina "a aurora do mundo global". Analisa o período usando a peculiar forma de tomar por base os quadros do pintor holandes Johannes Vermeer.
Quando Marco Polo voltou de sua viagem à China, revelou a Europa uma nação com uma indústria muito mais desenvolvida. O fascínio por conhecer e obter os produtos chineses só fez crescer. Isto estimulou os europeus a se lançarem ao mar para fazer comércio com os asiáticos, sabedores da possibilidade de auferirem grandes lucros na empreitada. Seda, porcelana, especiarias e outros produtos eram importados da Ásia pelos europeus. Em vista dos altos investimentos e lucros, Portugal e Espanha tentaram estabelecer o monopólio das rotas marítimas. Mas a Holanda e Inglaterra impuseram sua maior capacidade econômica e romperam os limites impostos pelos dois países ibéricos.
por F@bio

sexta-feira, 29 de março de 2013

Vista de Delft - Timothy Brook

"Comecemos com Vista de Delft. Esse é um quadro pouco comum na obra de Vermeer. A maioria dos quadros dele mostra o interior de salas decorado de maneira cativante com objetos discretos da vida familiar do artista. Vista de Delft é bem diferente ... É uma vista específica de Delft que se revela de um ponto mais alto logo ao sul da cidade, do outro lado do Kolk, o porto fluvial de Delft, quando se olha para o norte. Diante da superfície triangular da água em primeiro plano, ficam os portões de Schiedam e Roterdã, que flanqueiam a embocadura do Oude Delft, onde se abre no Kolk. Além dos portões, está a cidade propriamente dita. Nossa atenção é atraída para a torre da Igreja Nova, iluminada pelo sol. A torre está visivelmente sem sinos; como se sabe que os sinos começaram a ser montados em maio de 1660, podemos datar a pintura de pouco antes disso. Há outras torres na linha do horizonte. Para a esquerda, vemos a cúpula acima do portão de Schiedam, depois a torre cônica menor da Cervejaria Papagaio (no século XVI, Delft fora um centro de fabricação de cerveja). E, subindo para se mostrar ao lado dela, vemos a ponta da torre da Igreja Velha. Essa é Delft na primavera de 1660."
(...)

"O primeiro lugar onde procuraremos a segunda porta é o porto. O Kolk recebia barcos que viajavam indo e voltando de Delft pelo canal Schie, que corria para o sul até Schiedam e Roterdã, no Reno. Atracada ao cais no primeiro plano, à esquerda, há uma balsa de passageiros. Com formato comprido e estreito para passar com facilidade pelas comportas dos canais, as balsas como essa, puxadas por cavalos, funcionavam com horário fixo e ligavam Delft a cidades pequenas e grandes do sul da Holanda ... Dos outros dois lados do porto, todos os barcos estão ancorados ou fora de serviço. A única indicação de inquietude é o horizonte recortado de prédios e a sombra lançada pelo imenso cúmulo que pende no alto da pintura. Mas o efeito geral é a perfeita tranquilidade de um dia agradável. Há outros barcos atracados no Kolk: pequenos cargueiros abaixo do Portão de Schiedam e outras quatro balsas de passageiros ao lado do Portão de Roterdã. Entretanto, os dois para os quais quero chamar a atenção são as embarcações de fundo largo atracadas uma à outra no lado direito do quadro. Esse trecho do cais diante do Portão de Roterdã era onde ficava o estaleiro de Delft. Essas duas embarcações estão sem os mastros de popa, e os mastros de proa estão em mau estado, o que indica que estão lá para reforma ou conserto. São navios de três mastros construídos para a pesca de arenque no mar do Norte. Eis outra porta para o mundo do século XVII, mas ela exige alguma explicação para se abrir."

Transcrito de "O Chapéu de Vermeer: o século XVII e a aurora do mundo global" de Timothy Brook. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2012.

O autor, Timothy Brook, é canadense, professor da Universidade de Oxford e reitor do Saint John's College da Universidade de Colúmbia Britânica. É estudioso da China e autor de vários livros sobre o tema. No livro "O Chapéu de Vermeer" ele elabora um interessante ensaio sobre as telas do pintor holandês. Com base nos elementos encontrados nos quadros, Brook delineia as rotas de comércio do século XVII, indicando os primórdios da globalização.

O curioso do texto de Brook é a profunda investigação pictórica sobre os quadros do pintor holandês Johannes Vermeer (1632 - 1675), muito conhecido pela tela "Moça com brinco de pérola" que deu nome ao livro e ao filme que contam a vida do pintor. O livro de 1999 é de Tracy Chevalier e o filme de 2003 é de Peter Webbe, tendo como protagonista a estonteante atriz Scarlett Johansson que interpreta Griet, a garota com brinco de pérola.
A partir dos elementos pintados por Vermeer em suas obras, Brook aponta as origens dos produtos, estrutura e métodos negociais, rotas de navegação, lutas políticas e econômicas,  que evidenciam que, já naquela época, o comércio em escala mundial descortinava a globalização hoje tão em voga.
Por F@bio