Santos Revisitado (1927 - 1967) - 1ª parte
Santos! É no Brasil, e faz já quatro vezes dez anos.
Alguém ao meu lado conversa "Pelé é um super-homem",
"Não sou fanático, mas na televisão eu gosto".
Antes era selvático este porto e cheirava
como uma axila do Brasil calorento.
"Caio de Santa Marta". É um navio, e é outro, mil navios!
Agora os frigoríficos estabeleceram catedrais
de belo cinza, e parecem
dados atirados por deuses os brancos edifícios.
O café e o suor cresceram até criar as proas,
o pavimento, as habitações retilíneas:
quantos grãos de café, quantas gotas salobres
de suor? Talvez o mar
se encheria, mas a terra não, nunca a terra, nunca satisfeita,
faminta sempre de café, sedenta
de suor negro! Terra maldita, espero
que arrebentes um dia, de alimentos, de sacos mastigados,
e de eterno suor dos homens que já morreram
e foram substituídos para continuar suando.
Transcrito do livro Esquinas do Mundo - Ensaios sobre História e Literatura a partir do porto de Santos, de Alessandro Atanes, São Paulo: Dobra Editorial, 2013, pág. 16. Nota informa que a tradução é do próprio Alessandro Atanes, a partir de Neruda, Pablo, La Barcarola. Edição e notas de Hernán Loyola. Prólogo de María Gabriela Mizraje. Buenos Aires - Argentina: Debolsillo, 2004.
Pablo Neruda, o grande poeta e diplomata chileno (veja outros textos neste blog), esteve no Brasil algumas vezes participando de encontros políticos e conferências, passando por Santos, porto que homenageia em sua poesia. Tendo a perspectiva de quem chega no estuário, narra a geografia, a atividade e a história do porto, até aquela época (anos 60) ainda muito vinculado ao café, principal produto de exportação do País de então.
Com o olhar para a questão social, Neruda acentua o suor do trabalhador portuário, carregando sacos nas costas no embarque e desembarque dos navios cargueiros. Assinalando a história do porto entre 1927 e 1967 (daí "quatro vezes dez anos"), destaca as transformações ocorridas no porto antes selvático, com milhares de trabalhadores qual formigas carregando seus fardos, exalando seus odores, tornando o cais a axila do Brasil tropical, suarento, calorento, caloroso: "quantos grãos de café, quantas gotas salobres de suor?" indaga o poeta.
Agora industrial, com seus edifícios catedrais, mantem um ritmo frenético (mil navios) para dar conta da fome de consumo do mundo capitalista nunca satisfeito, que para se alimentar explora o trabalhador que verte seu suor e não pode parar. Os que morrem logo são substituídos por outros vindo do exército de reserva para continuar suando, peças de reposição da linha de produção da carga e descarga do cais. Terra maldita, um dia arrebenta!
Por F@bio
A idéia é, como um navio cargueiro, recolher e reunir escritos da literatura que nos encantaram. Que tal navegar comigo, sugerir, criticar, interagir? Poste seu comentário e torne-se um amigo do Blog.
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quarta-feira, 24 de maio de 2017
quinta-feira, 9 de março de 2017
Poema nº 18 - Pablo Neruda
"Aqui te amo.
Nos sombrios pinheiros desenreda-se o
vento.
Brilha a lua sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a se perseguir.
Dissipasse a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata desprende-se do
ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Sozinho.
Às vezes amanheço, e até a alma está
úmida.
Soa, ressoa o mar ao longe.
Este é um porto.
Aqui te amo.
Aqui te amo e em vão te oculta o
horizonte.
Estou te amando mesmo entre estas frias
coisas.
Às vezes vão meus beijos nesses navios
graves,
Que correm pelo mar até onde nunca chegam.
Já me vejo esquecido como estas velhas
âncoras.
São mais tristes os cais quando atraca a
tarde.
Cansa-se minha vida inutilmente faminta.
Amo o que não tenho. Tu estás tão
distante.
Meu tédio luta com os lentos crepúsculos.
Porém a noite chega e começa a cantar-me.
A lua faz girar a sua roda de sonho.
Olham-me com teus olhos as estrelas mais
grandes.
E como eu te amo, os pinheiros no vento,
Querem cantar o teu nome com as folhas de
arame."
"Aquí te amo.
En los oscuros pinos se desenreda el
viento.
Fosforece la luna sobre las aguas
errantes.
Andan días iguales persiguiéndose.
Se desciñe la niebla en danzantes figuras.
Una gaviota de plata se descuelga del
ocaso.
A veces una vela. Altas, altas estrellas.
O la cruz negra de un barco.
Solo.
A veces amanezco, y hasta mi alma esta
húmeda.
Suena, resuena el mar lejano.
Éste es un puerto.
Aquí te amo.
Aquí te amo y en vano te oculta el
horizonte.
Te estoy amando aún entre estas frías
cosas.
A veces van mis besos en esos barcos
graves,
que corren por el mar hacia donde no
llegan.
Ya me veo olvidado como estas viejas
anclas.
Son más tristes los muelles cuando atraca
la tarde.
Se fatiga mi vida inútilmente hambrienta.
Amo lo que no tengo. Estás tú tan
distante.
Mi hastío forcejea con los lentos
crepúsculos.
Pero la noche llega y comienza a cantarme.
La luna hace girar su rodaje de sueño.
Me miran con tus ojos las estrellas más
grandes.
Y como yo te amo, los pinos en el viento,
quieren cantar tu nombre con sus hojas de
alambre."
Obtido
em: http://www.amoremversoeprosa.com/imortais/311poema18.htm e
https://www.vagalume.com.br/joan-manuel-serrat/poema-n-18-de-pablo-neruda.html.
Pablo Neruda é o pseudônimo de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes
Basoalto (1904 - 1973).
Poeta chileno considerado um dos mais importantes do século XX.
Adotou o pseudônimo de Pablo Neruda para homenagear o poeta tcheco Jan
Neruda. Sua obra é lírica, plena de emoção e marcada por um acentuado
humanismo. Em seu livro de estréia, com apenas 20 anos, Crepusculário (1923),
já se assinou Pablo Neruda que, em 1946, passou a usar legalmente. Sua fama
tornou-se maior com a publicação de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção
Desesperada (1924).
Alternando a vida literária com a diplomática, Neruda era o
embaixador chileno na França quando ocorreu o golpe de Estado que depôs o
presidente Salvador Allende e instalou a ditadura do General Augusto Pinochet.
Gravemente enfermo, Neruda é levado de sua casa Isla Negra, em El Quisco, para
Santiago onde vem a falecer e é sepultado em cortejo considerado o primeiro ato
de protesto contra a ditadura de Pinochet. Após o retorno da democracia, em
1992 se cumpre um desejo seu, com os corpos dele e de sua mulher, Matilde Urrutia,
sendo enterrados na casa Isla Negra, na costa do Chile. Em sua obra
destacam-se Residência na Terra (1933), Espanha no Coração (1937, inspirado na
Guerra Civil Espanhola), Canto Geral (1950), Cem Sonetos de Amor (1959),
Memorial de Isla Negra (1964), A Espada Incendiada (1970) e a Autobiografia
póstuma, Confesso que vivi (1974), um emocionante testemunho do tempo e das
emoções de um grande poeta. Em 1971, Neruda recebeu o Prêmio Nobel de
Literatura e o Prêmio Lênin da Paz. Antes havia sido agraciado com o Prêmio
Nacional de Literatura (1945) (leia mais
em https://pensador.uol.com.br/autor/pablo_neruda/biografia/).
Recentemente assisti ao filme Neruda, do diretor Pablo Larraín, no
qual o poeta é mostrado como o "escritor que, em 1948, aos 44 anos, começa
a construir o mito de si mesmo". Eleito senador, critica o Governo no
Congresso e, em decorrência, é perseguido incansavelmente pelo policial
Peluchonneau. Com sua segunda esposa, a argentina Délia del Carril, conhecida
como A Formiguinha (La hormiguita), tenta sem sucesso sair do país. Começa
então a fase de clandestinidade, quando realiza incursões noturnas secretas.
Escreve Canto Geral e seu reconhecimento, que cresce em todo o mundo, faz com que
artistas como Pablo Picasso clamem por sua liberdade internacionalmente. No
filme, "perseguidor e perseguido se fundem, um respira o hálito do outro,
e o autor se reinventa até se tornar o mito literário e político que veio a
ser."
No início de 1949 finalmente cruza a Cordilheira dos Andes e consegue chegar a Argentina, de onde viaja secretamente para a Europa e aparece de surpresa no I Congresso Mundial da Paz, em Paris.
No início de 1949 finalmente cruza a Cordilheira dos Andes e consegue chegar a Argentina, de onde viaja secretamente para a Europa e aparece de surpresa no I Congresso Mundial da Paz, em Paris.
O filme é ambientado em um período pouco explorado da vida de Neruda: "aquele em que
o escritor foi perseguido pelo Governo do chileno Gabriel González Videla, que
decretou em 1948 a chamada Lei Maldita contra os militantes comunistas. Já uma
figura relevante do mundo das letras, foi nessa época que Neruda acabou de dar
forma à personalidade política que marcou os 25 anos seguintes de sua vida até
sua morte em setembro de 1973."
Conforme Larraín, o filme tem "elementos políticos e
poéticos, mas, no fundo, é um filme sobre um policial que dá sentido a sua vida
ao perseguir o poeta”. A obra é uma ficção, que inclui elementos de policial,
comédia e drama. “Neruda entende que, se conseguir escapar, fará com que sua
voz seja mais forte, maior, mais ouvida". Nessa épica escapada, o poeta se transforma em uma lenda e espalha pelo mundo seu canto geral!
Por F@bio
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