"A MORTE NA MALA. Ciúme, intriga e assassinato nas comunidades imigrantes de São Paulo nas primeiras décadas do século XX.
Aquele 7 de outubro de 1928 era um dia rotineiro no porto de Santos. Uma chuva miúda caía sobre o cais, enquanto alguns navios embarcavam cargas e passageiros. Um guindaste içava as bagagens do vapor de bandeira francesa Massilia, com destino a Bordeaux. De repente, nessa operação, várias malas e um baú se soltaram do guindaste e se estatelaram nas pedras do cais, diante do armazém nº 13.
Pelo forte cheiro que exalava, o baú despertou suspeitas. Trancado a sete chaves e amarrado por uma corda de juta, trazia indicações de que viera de São Paulo pela SPR – a Inglesa, como era conhecida a ferrovia que ligava São Paulo a Santos. Policiais se aproximaram, abrindo caminho entre os curiosos que começavam a se aglomerar. Rompida a fechadura, cortada a corda que envolvia o baú, surgiu o corpo despedaçado de uma mulher clara, delgada, coberta com partes de um vestido. Alguns objetos prosaicos acompanhavam os despojos. Entre eles, uma caixinha de pó de arroz Coty, um frasco de pastilhas para a garganta, outro de perfume e um missal impresso em italiano.
A notícia lúgubre espalhou-se de boca em boca, antes mesmo de sair nos jornais. Nessas primeiras horas de incerteza, muita gente especulava se, pelas circunstâncias do crime, o autor daquela barbaridade não seria Michel Trad, de regresso ao Brasil."
Parte de um artigo de autoria de Boris Fausto publicado na Revista Piauí, nº 95, agosto de 2014. (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-morte-na-mala/)
Boris Fausto nascido em São Paulo (1930) é historiador, cientista político e escritor. Graduado em Direito e História pela Universidade de São Paulo (USP), na qual lecionou ciência política. Na USP também obteve os títulos de doutor em História e livre docência em Ciência Política. É membro da Academia Brasileira de Ciências.
No artigo publicado na Piauí, o autor relata dois crimes macabros nos quais mulheres foram assassinadas, esquartejadas e seus corpos acondicionados em malas despachadas como bagagem, com destino à Europa, por dois imigrantes, um sírio e outro italiano. Nos dois casos, os criminosos foram desmascarados e condenados, tendo cumprido longas penas de reclusão.
Boris Fausto tratou também de um outro crime bárbaro no livro "O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30", editado pela Companhia das Letras, 2009.