sábado, 22 de junho de 2013

Beira-Mar - Manoel de Andrade

Tudo abeirou minha infância
beira do rio, beira-mar
orla branca de esperança
no leste do meu olhar.

Meu batelão emborcado
à beira de me afogar,
eu sobre a ponte abeirado
puxando minhas puçás.

Beirando todas as rotas,
nas asas das gaivotas
meus olhos cruzavam o mar;

sonhava à beira do cais
com um barco, nada mais
e eu no mundo a navegar.

De Manoel de Andrade em Cantares : poemas. São Paulo : Escrituras Editora, 2007

Manoel de Andrade esta em outra postagem do Cargueiro de Letras com Um Homem no Cais, poesia publicada no mesmo livro. Os versos de Beira-Mar me remeteram a minha infância/adolescência em Niterói, quando também vivia abeirado no cais ou na beira-mar. Meu cais era a ponte que leva à ilha da Boa Viagem de onde observava muitos barcos a seguir mar adentro e sonhava com um barco meu, a navegar. Navegava nos sonhos.
Por F@bio

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Do alto de um guindaste - Alberto Martins


7. Do alto de um guindaste

refém
de cargas
e armazéns
de rotas
e promissórias
commodities
extraviadas
e contrabando
sem nota

- aqui eu moro -

entre bandeiras
de diferentes donos
e as grossas placas
de aço do abandono.

Trecho do Poema "Em Torno da Cidade" de Alberto Martins em Cais (pág. 69). São Paulo: Ed. 34, 2002




Alberto Martins lança um olhar sentimental em torno de sua cidade natal, Santos, e nos apresenta uma paisagem singular, muito além do relevo e da geologia. Como ele mesmo nos conta, mora no porto, entre navios e bandeiras de diferentes nacionalidades, acompanhando o vai-e-vem das cargas, legais e ilegais, o vai-e-vem da história e da vida. Augusto Massi destaca que o poeta nos revela Santos como uma cidade que "flutua num enigmático comércio: embarque e desembarque de carga, fluxo e refluxo da memória, subida e descida da serra. As imagens se deslocam com a leveza e velocidade dos guindastes".
Por F@bio



domingo, 21 de abril de 2013

Do Porto - Alberto Martins



cais
onde as coisas ancoram
onde as coisas demoram
algum tempo
antes de partir

lá está o morto
vivendo de uma outra vida
que só diz respeito ao corpo

lá estão seus ossos
pacotes bem embalados
prontos pra subir a bordo

CAFÉ ALUMÍNIO CEVADA
SOJA CIMENTO
CARNE

- mas pra quê tantos guindastes
se o corpo não se move
jamais?


Obtido de: http://wladimircaze.blogspot.com.br/2011/07/trecho-do-poema-em-torno-da-cidade-do.html


Alberto Alexandre Martins é é Mestre em Literatura Brasileira pela USP e doutor em Artes Plásticas na ECA-USP. Poeta e artista plástico nascido em Santos, litoral paulista, reflete em sua obra influências de quem viveu no estuário, entre o Atlântico e a Serra do Mar. Sua obra tem sido reconhecida e premiada.

Porto é ponto de chegada e partida, local de trânsito, é meio e não fim, vai e vem, constante movimento. As coisas, seus corpos, estão no porto de passagem, de lá embarcam para o mar, quem vai, ou para a terra, quem vem, vão se eternizar em outro lugar. Carregar e descarregar, de lá pra cá. Mas o porto que movimenta coisas e gentes está firme, ponto fixo, farol no horizonte, move mas não se move, é porto seguro.
Por F@bio

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Porto - Alexandre Dáskalos




"Havia nos olhos postos o sentido
de não vencerem distancias.
Calados, mudos, de lábios colados no silêncio
os braços cruzados como quem deseja
mas de braços cruzados.

Os navios chegavam ao porto e partiam.
Os carregadores falavam da gente do mar.
A gente do mar dos que ficam em terra.
As mercadorias seguiam.
Os ventos, dispersos na alma do tempo,
traziam as novas das terras longínquas.

Segredavam-se em noites e dias
a todos os homens
em todos os mares
e em todos os portos
num destino comum.

Os navios chegavam ao porto
e partiam..."


Obtido de http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/angola/alexandre-daskalos/porto.html

Alexandre Dáskalos (1924-1961), poeta, nascido em Huambo, Angola, estudou em Lisboa onde ser formou em Medicina Veterinária. Participou ativamente do movimento “Vamos Descobrir Angola” e da Geração da Mensagem, colaborou em O Planalto e em Mensagem (Casa dos Estudantes do Império). Muitos dos seus poemas foram musicados e traduzidos para diversas línguas.

O porto é local seguro, mas os navios partem sempre, levando novidades, gentes, coisas, casos, lembranças, sonhos, desafios, aventuras, bagagens, tristezas, desventuras, saudades...
Por F@bio

sexta-feira, 29 de março de 2013

Vista de Delft - Timothy Brook

"Comecemos com Vista de Delft. Esse é um quadro pouco comum na obra de Vermeer. A maioria dos quadros dele mostra o interior de salas decorado de maneira cativante com objetos discretos da vida familiar do artista. Vista de Delft é bem diferente ... É uma vista específica de Delft que se revela de um ponto mais alto logo ao sul da cidade, do outro lado do Kolk, o porto fluvial de Delft, quando se olha para o norte. Diante da superfície triangular da água em primeiro plano, ficam os portões de Schiedam e Roterdã, que flanqueiam a embocadura do Oude Delft, onde se abre no Kolk. Além dos portões, está a cidade propriamente dita. Nossa atenção é atraída para a torre da Igreja Nova, iluminada pelo sol. A torre está visivelmente sem sinos; como se sabe que os sinos começaram a ser montados em maio de 1660, podemos datar a pintura de pouco antes disso. Há outras torres na linha do horizonte. Para a esquerda, vemos a cúpula acima do portão de Schiedam, depois a torre cônica menor da Cervejaria Papagaio (no século XVI, Delft fora um centro de fabricação de cerveja). E, subindo para se mostrar ao lado dela, vemos a ponta da torre da Igreja Velha. Essa é Delft na primavera de 1660."
(...)

"O primeiro lugar onde procuraremos a segunda porta é o porto. O Kolk recebia barcos que viajavam indo e voltando de Delft pelo canal Schie, que corria para o sul até Schiedam e Roterdã, no Reno. Atracada ao cais no primeiro plano, à esquerda, há uma balsa de passageiros. Com formato comprido e estreito para passar com facilidade pelas comportas dos canais, as balsas como essa, puxadas por cavalos, funcionavam com horário fixo e ligavam Delft a cidades pequenas e grandes do sul da Holanda ... Dos outros dois lados do porto, todos os barcos estão ancorados ou fora de serviço. A única indicação de inquietude é o horizonte recortado de prédios e a sombra lançada pelo imenso cúmulo que pende no alto da pintura. Mas o efeito geral é a perfeita tranquilidade de um dia agradável. Há outros barcos atracados no Kolk: pequenos cargueiros abaixo do Portão de Schiedam e outras quatro balsas de passageiros ao lado do Portão de Roterdã. Entretanto, os dois para os quais quero chamar a atenção são as embarcações de fundo largo atracadas uma à outra no lado direito do quadro. Esse trecho do cais diante do Portão de Roterdã era onde ficava o estaleiro de Delft. Essas duas embarcações estão sem os mastros de popa, e os mastros de proa estão em mau estado, o que indica que estão lá para reforma ou conserto. São navios de três mastros construídos para a pesca de arenque no mar do Norte. Eis outra porta para o mundo do século XVII, mas ela exige alguma explicação para se abrir."

Transcrito de "O Chapéu de Vermeer: o século XVII e a aurora do mundo global" de Timothy Brook. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2012.

O autor, Timothy Brook, é canadense, professor da Universidade de Oxford e reitor do Saint John's College da Universidade de Colúmbia Britânica. É estudioso da China e autor de vários livros sobre o tema. No livro "O Chapéu de Vermeer" ele elabora um interessante ensaio sobre as telas do pintor holandês. Com base nos elementos encontrados nos quadros, Brook delineia as rotas de comércio do século XVII, indicando os primórdios da globalização.

O curioso do texto de Brook é a profunda investigação pictórica sobre os quadros do pintor holandês Johannes Vermeer (1632 - 1675), muito conhecido pela tela "Moça com brinco de pérola" que deu nome ao livro e ao filme que contam a vida do pintor. O livro de 1999 é de Tracy Chevalier e o filme de 2003 é de Peter Webbe, tendo como protagonista a estonteante atriz Scarlett Johansson que interpreta Griet, a garota com brinco de pérola.
A partir dos elementos pintados por Vermeer em suas obras, Brook aponta as origens dos produtos, estrutura e métodos negociais, rotas de navegação, lutas políticas e econômicas,  que evidenciam que, já naquela época, o comércio em escala mundial descortinava a globalização hoje tão em voga.
Por F@bio

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Confidência - Mia Couto


"Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos"

De: Mia Couto, do poema "Confidência".

Obtido de: http://www.elfikurten.com.br/2012/11/mia-couto-o-afinador-de-silencios.html

Antônio Emílio Leite Couto, mais conhecido por Mia Couto, nasceu em 5 de Julho de 1955 na cidade da Beira em Moçambique. É filho de emigrantes portugueses. Jornalista, escritor, poeta, biólogo  e professor da cátedra de ecologia. Em 1992, foi o responsável pela preservação da reserva natural da Ilha de Inhaca. Tem vários livros publicados e é o autor moçambicano mais traduzido. As suas obras foram traduzidas e publicadas em 24 países. Várias das suas obras têm sido adaptadas ao teatro e cinema. Tem recebido vários prêmios nacionais e internacionais, e comparado a Gabriel Garcia Márquez e Guimarães Rosa. Seu romance Terra sonâmbula foi considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Em 1999, o autor recebeu o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra e, em 2007 o prêmio União Latina de Literaturas Românicas.

Sou um admirador da poesia e prosa de Mia Couto. Aliás, sua prosa é pura poesia. Li alguns de seus romances, cuja riqueza literária é apaixonante. Sua obra nos leva para a África, sua cultura e suas crenças. O imaginário e lendas populares afloram no texto e nos envolvem. Conhecido como o "escritor da terra", seu texto nos transporta para o solo africano, cheio de realismo fantástico, neologismos e histórias fantasmagóricas. Mia Couto nos leva pelas raízes africanas, num ambiente social rico e ao mesmo tempo envolvente, misturando realidade e sonho.
Por F@bio

Mar - Rui Teixeira Motta

Deserto impróprio,
Quantos Lawrence marinheiros
te amam desigualmente
na tua espantosa igualdade.
Felino no requebro fácil
mas pensado ...
feminino no movimento
nos redondos do rosto
mas homem no olhar devolvido.
Composto de todas as cores
com todas te fazes
no contraste bárbaro com a talhada de melancia
com os olhos azuis de um filho sonhado, por nascer
começando no fim ...
Transportando no terreiro azul da pele
horas e tempos outra vez horas
que secam nos tombadilhos dos navios
que embatem em horizontes
que jazem nas madrugadas
surpreendidas pelo vento.
Inseguro ao leme, segues um barco a palmilhar-te as léguas
Ondas brancas, porque não verdes?
porque não fracas?

Transcrito de "A Poesia É para Comer - Iguarias para o Corpo e para o Espírito", seleção de poemas por Ana Vidal; coordenação editorial por Renata Lima. São Paulo: Babel, 2011.

Rui Teixeira Motta, português, advogado, membro do Conselho de Opinião da RTP - Radio e Televisão de Portugal, é autor do livro "A construção e o canto: Poesia". Lisboa: Editorial Notícias, 1993.

Sempre gostei de contemplar o mar, vê-lo em sua amplidão, parecendo indomável e ao mesmo tempo dócil, misterioso e ao mesmo tempo cristalino. O mar infinito fundindo-se com o céu no horizonte. De movimento permanente a embalar e acalentar. Observar o mar para refletir e meditar. Olhar o mar a refletir o céu.  O mar para amar e temer, o mar para domar e tremer, o mar a desafiar e inspirar...
Por F@bio