De: Gilberto Gil
Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha
Vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo merece
Consideração
Considere, rapaz
A possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão
Pela curiosidade de ver
Onde o sol se esconde
Vê se compreende
Pela simples razão de que tudo depende
De determinação
Determine, rapaz
Onde vai ser seu curso de pós-graduação
Se oriente, rapaz
Pela rotação da Terra em torno do Sol
Sorridente, rapaz
Pela continuidade do sonho de Adão
Obtido de: letras.terra.com.br/gilberto-gil/376449/
Gilberto Gil, um musico e compositor que muito admiro. Nesta letra de métrica tão sutil e sofisticada, ele nos fala de Oriente e oriente, num jogo de sentidos e metáforas. O marinheiro se orienta pelas constelações. Aqueles que levam cargas pro e do oriente, desde as primitivas rotas da seda, orientam-se. O cargueiro que leva mil coisas em seu porão, leva também o rapaz que busca a continuidade do sonho de Adão...proliferação. E quais povos seguem com vigor esse sonho? Os que estão no Oriente, certamente.
A letra de Gil fala do "cargueiro do Loyd", a empresa de navegação estatal que deixou sua marca no Sec. XX. Vários autores romanceiam histórias nos navios do Loyd. Tive a oportunidade de visitar um, no porto de Ilhéus. Era o Loyd Pacífico lá pelos anos 80, mas que já tinha a cabine de comando toda informatizada, uma jóia, que foi sucateado em razão dos problemas de gestão enfrentados pelas empresa. Falta de consideração...
Por
F@bio
A idéia é, como um navio cargueiro, recolher e reunir escritos da literatura que nos encantaram. Que tal navegar comigo, sugerir, criticar, interagir? Poste seu comentário e torne-se um amigo do Blog.
sábado, 9 de julho de 2011
sábado, 2 de julho de 2011
Antielegia às crianças velhas - Carlos Nejar
De: Carlos Nejar
crianças carregando fardos,
entre adultos, carregando
a fonética dor de ir cedo
ou sem murmúrio,
envelhecendo.
do que a dor.
Que piedade tem
a pobreza, que
misericórdia
no trabalho?
E andarão,
meninos, com
cargueiros
vergando o peito
cândido. Atrás
de uma rua,
uma casa
na infância.
Cada passo,
um navio
que transporta
pedras e açucenas.
Cada passo, porta
que fermenta
surdos ossos, fuzis.
"Todos podem ver o amor
e o amor não vê no caiscrianças carregando fardos,
entre adultos, carregando
a fonética dor de ir cedo
ou sem murmúrio,
envelhecendo.
E no orfanato o sonho
é bem menos exatodo que a dor.
Que piedade tem
a pobreza, que
misericórdia
no trabalho?
E andarão,
meninos, com
cargueiros
vergando o peito
cândido. Atrás
de uma rua,
uma casa
na infância.
Cada passo
é um túnel.Cada passo,
um navio
que transporta
pedras e açucenas.
Cada passo, porta
que fermenta
surdos ossos, fuzis.
Cada porta, é a criança
chorando atrás da porta.
Cada lágrima
é a noite que rebenta."
Obtido de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/2421/1895
Carlos Nejar (Luiz C. Verzoni N.), advogado, professor e poeta, nasceu em Porto Alegre, RS, em 11 de janeiro de 1939. Além dos títulos de romancista, contista, dramaturgo, filósofo e historiador da literatura, Nejar é também chamado de "o poeta do pampa brasileiro".
Nos versos acima, Nejar nos brinda com esses versos cheios de lirismo e dor. Um retrato poético desse nosso país cheio de desigualdades, que ninguém vê, ou não quer ver. Cegos e surdos no amor. Não há sonho, não há misericódia, só meninos invisíveis carregando seu pesado fardo de dor, vergados pela carga do descaso.
By
F@bio
é a noite que rebenta."
Obtido de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/2421/1895
Carlos Nejar (Luiz C. Verzoni N.), advogado, professor e poeta, nasceu em Porto Alegre, RS, em 11 de janeiro de 1939. Além dos títulos de romancista, contista, dramaturgo, filósofo e historiador da literatura, Nejar é também chamado de "o poeta do pampa brasileiro".
Nos versos acima, Nejar nos brinda com esses versos cheios de lirismo e dor. Um retrato poético desse nosso país cheio de desigualdades, que ninguém vê, ou não quer ver. Cegos e surdos no amor. Não há sonho, não há misericódia, só meninos invisíveis carregando seu pesado fardo de dor, vergados pela carga do descaso.
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F@bio
domingo, 29 de maio de 2011
Poesia Entre o Cais e o Hospital - Adalgisa Nery
De: Adalgisa Nery
"Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar."
Poesia e biografia obtida em http://www.revista.agulha.nom.br/adn.html#bio
Foto obtida em http://inspiracoesreunidas.blogspot.com/p/adalgisa-nery.html
Adalgisa Nery, foi poeta, jornalista, prosadora e política. Nasceu no Rio de Janeiro, filha de um funcionário municipal. Órfã de mãe desde os 8 anos, estudou como interna num colégio de freiras. Aos 16 anos, casou-se com o pintor paraense Ismael Nery, um dos precursores do modernismo. O casamento durou até a morte de Ismael, em 1934.
Lançou seu primeiro livro de poemas em 1937. Casou-se em segundas nupcias com o diretor do DIP no estado novo e desfrutou da vida diplomática, vijando pelo mundo.
Separada, dedicou-se ao jornalismo e passou a militante política. Foi deputada três vezes pela legenda do Partido Socialista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, filiou-se ao MDB e foi cassada em 1969.
Em 1976, Adalgisa recolheu-se a uma clínica para idosos, no Rio. Um ano depois, sofreu um acidente vascular que a deixou hemiplégica. Morreu em 1980.
Autora de poemas, contos, crônicas e romances, Adalgisa teve seus dias de glória. Viúva aos 29 anos e dona de um perfil de mulher fatal, consta que ela destroçava corações. "Acho que todos nós a amávamos, mesmo sem saber que se tratava de amor", escreveu Carlos Drummond de Andrade após a morte dela. Também se sabe que o poeta Murilo Mendes foi perdidamente apaixonado por Adalgisa.
Em "Poesia entre o cais e o hospital" Adalgisa traça um paralelo entre o homem recolhido ao leito hospitalar e o velho navio cargueiro atracado no cais. Ambos moribundos pelo corrosão do tempo. Gemem e rangem nos seus estertores. O começo do fim da longa vida. A espera no cais - leito, gritos ecoam de suas bocas chaminés. No infindo mar-céu, aproxima-se o rochedo que porá fim às suas jornadas.
Por
F@bio
"Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar."
Poesia e biografia obtida em http://www.revista.agulha.nom.br/adn.html#bio
Foto obtida em http://inspiracoesreunidas.blogspot.com/p/adalgisa-nery.html
Adalgisa Nery, foi poeta, jornalista, prosadora e política. Nasceu no Rio de Janeiro, filha de um funcionário municipal. Órfã de mãe desde os 8 anos, estudou como interna num colégio de freiras. Aos 16 anos, casou-se com o pintor paraense Ismael Nery, um dos precursores do modernismo. O casamento durou até a morte de Ismael, em 1934.
Lançou seu primeiro livro de poemas em 1937. Casou-se em segundas nupcias com o diretor do DIP no estado novo e desfrutou da vida diplomática, vijando pelo mundo.
Separada, dedicou-se ao jornalismo e passou a militante política. Foi deputada três vezes pela legenda do Partido Socialista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, filiou-se ao MDB e foi cassada em 1969.
Em 1976, Adalgisa recolheu-se a uma clínica para idosos, no Rio. Um ano depois, sofreu um acidente vascular que a deixou hemiplégica. Morreu em 1980.
Autora de poemas, contos, crônicas e romances, Adalgisa teve seus dias de glória. Viúva aos 29 anos e dona de um perfil de mulher fatal, consta que ela destroçava corações. "Acho que todos nós a amávamos, mesmo sem saber que se tratava de amor", escreveu Carlos Drummond de Andrade após a morte dela. Também se sabe que o poeta Murilo Mendes foi perdidamente apaixonado por Adalgisa.
Em "Poesia entre o cais e o hospital" Adalgisa traça um paralelo entre o homem recolhido ao leito hospitalar e o velho navio cargueiro atracado no cais. Ambos moribundos pelo corrosão do tempo. Gemem e rangem nos seus estertores. O começo do fim da longa vida. A espera no cais - leito, gritos ecoam de suas bocas chaminés. No infindo mar-céu, aproxima-se o rochedo que porá fim às suas jornadas.
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F@bio
sábado, 7 de maio de 2011
Viver para contar - Gabriel García Márquez
"Os ventos alísios estavam tão bravos naquela noite que no porto fluvial tive muito trabalho em convencer minha mãe a embarcar. Não lhe faltava razão. As barcaças eram imitações reduzidas de barcos a vapor de Nova Orleans, mas com motores a gasolina que transmitiam um tremor de febre malsã a tudo que estivesse a bordo. Tinham um salãozinho com forquilhas para dependurar redes em diferentes alturas, e bancos de madeira onde cada um se acomodava a cotoveladas e do jeito que desse com suas bagagens excessivas, seus fardos de mercadorias, os engradados de galinhas e até porcos vivos. Havia uns poucos camarotes sufocantes com dois beliches de quartel, quase sempre ocupados por umas pobres putinhas mal-ajambradas que ofereciam serviços de emergência durante a viagem. Como à última hora não encontramos nenhum camarote livre, nem tínhamos redes, minha mãe e eu tomamos de assalto duas cadeiras de ferro do corredor central e nelas nos dispusemos a passar a noite".
Transcrito de "Viver para Contar" (pag. 10), de Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno. Biografia. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Record, 2003.
Foto de Gabriel aos 5 anos em Aracataca obtida em http://www.bbc.co.uk/spanish/seriemilenio03fotos.htm
Quando comecei a ler a autobiografia de Garcia Marquez, li de uma carreira só, pois a história de vida do grande romancista colombiano me contagiou. Encontrei nela muitas semelhanças com minha própria história de vida, embora saiba que muito do contado o foi como guardamos na memória, um relato muito mais daquilo que sentimos do que dos fatos realmente ocorridos. Aliás, o próprio Garcia Marquez cota no início da obra: "A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como a recorda para contá-la". E ele inicia sua história contando a viagem que fez com sua mãe à cidade, ou melhor, ao povoado de Aracataca, onde viveu sua infância e fonte de inspiração de seus principais romances.
Por vezes também fui com minha mãe ao povoado onde nasci, Varre-Sai - RJ, que poderia ter inspirado muitas histórias de realismo mágico, lá tivesse nascido um escritor da verve do romancista colombiano.
Conta Garcia Marquez que sua mãe envelheceu rápido, tendo somado onze partos, havia passado quase dez anos grávida e pelo menos outros tantos amamentando seus filhos. Minha mãe teve oito filhos e ainda criou outros três. Também ficou grisalha muito nova, antes dos quarenta. Igualmente usava óculos e qual Luisa Santiaga, conservou uma "beleza romana dignificada por uma aura outonal".
Aproveitando que amanhã é dia das mães, deixo aqui o registro dessa história de mães generosas e parideiras, Luisa e Maria Ignez, que souberam tão bem arar seus jardins para depositar sementes, depois cuidar de suas plantas, germinadas de muito amor e tratadas com muito carinho.
Por
F@bio
Transcrito de "Viver para Contar" (pag. 10), de Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno. Biografia. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Record, 2003.
Foto de Gabriel aos 5 anos em Aracataca obtida em http://www.bbc.co.uk/spanish/seriemilenio03fotos.htm
Quando comecei a ler a autobiografia de Garcia Marquez, li de uma carreira só, pois a história de vida do grande romancista colombiano me contagiou. Encontrei nela muitas semelhanças com minha própria história de vida, embora saiba que muito do contado o foi como guardamos na memória, um relato muito mais daquilo que sentimos do que dos fatos realmente ocorridos. Aliás, o próprio Garcia Marquez cota no início da obra: "A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como a recorda para contá-la". E ele inicia sua história contando a viagem que fez com sua mãe à cidade, ou melhor, ao povoado de Aracataca, onde viveu sua infância e fonte de inspiração de seus principais romances.
Por vezes também fui com minha mãe ao povoado onde nasci, Varre-Sai - RJ, que poderia ter inspirado muitas histórias de realismo mágico, lá tivesse nascido um escritor da verve do romancista colombiano.
Conta Garcia Marquez que sua mãe envelheceu rápido, tendo somado onze partos, havia passado quase dez anos grávida e pelo menos outros tantos amamentando seus filhos. Minha mãe teve oito filhos e ainda criou outros três. Também ficou grisalha muito nova, antes dos quarenta. Igualmente usava óculos e qual Luisa Santiaga, conservou uma "beleza romana dignificada por uma aura outonal".
Aproveitando que amanhã é dia das mães, deixo aqui o registro dessa história de mães generosas e parideiras, Luisa e Maria Ignez, que souberam tão bem arar seus jardins para depositar sementes, depois cuidar de suas plantas, germinadas de muito amor e tratadas com muito carinho.
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F@bio
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Marinheiro Triste - Manuel Bandeira
De: Manuel Bandeira
"Marinheiro triste
Que voltas para bordo
Que pensamentos são
Esses que te ocupam?
Alguma melhor
Amante de passagem
Que deixaste longe
Num porto de escala?
Ou tua amargura
Tem outras raízes
Largas fraternais
Mais nobres mais fundas?
Marinheiro triste
De um país distante
Passaste por mim
Tão alheio a tudo
Que nem pressentiste
Marinheiro triste
A onda viril
De fraterno afeto
Em que te envolvi.
Ia triste e lúcido
Antes melhor fora
Que voltasses bêbedo
Marinheiro triste!
E eu que para casa
Vou como tu vais
Para o teu navio
Feroz casco sujo
Amarrado ao cais,
Também como tu
Marinheiro triste
Vou lúcido e triste.
Amanhã terás
Depois que partistes
O vento do largo
O horizonte imenso
O sal do mar alto!
Mas eu, marinheiro?
- Antes melhor fora
Que voltasse bêbedo."
Obtido de: http://books.google.com.br/books?id=bOnlcOoMNowC&pg=PA65&lpg=PA65&dq=poesia+%2B+porto+%2B+cais+%2B+navio+%2B+manuel+bandeira&source=bl&ots=WyeKiNUic2&sig=5iFAwy89yyShU-iE6HsxDfwHlj8&hl=pt-BR&ei=RuiXTcvlNKWx0QHV8IHlCw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CDQQ6AEwBA#v=onepage&q&f=false
Manuel Bandeira mestre da poesia aqui nos fala do marinheiro, o homem do mar, que deixa a terra firme (??) para se lançar ao mar, solitário. Ficam pra trás a amante, os amigos, a casa, o cais...
Vai descortinar o largo horizonte, desbravar o mar, encontrar outros amigos, amantes, casa e cais.
Marinheiro alheio que sempre volta pra bordo, suas raízes não estão aqui, mas em todo lugar, no mar, em outras terras, será?
Por isso o poeta o prefere bêbado, para sem lucidez alguma não partir o coração de quem fica.
Por
F@bio
"Marinheiro triste
Que voltas para bordo
Que pensamentos são
Esses que te ocupam?
Alguma melhor
Amante de passagem
Que deixaste longe
Num porto de escala?
Ou tua amargura
Tem outras raízes
Largas fraternais
Mais nobres mais fundas?
Marinheiro triste
De um país distante
Passaste por mim
Tão alheio a tudo
Que nem pressentiste
Marinheiro triste
A onda viril
De fraterno afeto
Em que te envolvi.
Ia triste e lúcido
Antes melhor fora
Que voltasses bêbedo
Marinheiro triste!
E eu que para casa
Vou como tu vais
Para o teu navio
Feroz casco sujo
Amarrado ao cais,
Também como tu
Marinheiro triste
Vou lúcido e triste.
Amanhã terás
Depois que partistes
O vento do largo
O horizonte imenso
O sal do mar alto!
Mas eu, marinheiro?
- Antes melhor fora
Que voltasse bêbedo."
Obtido de: http://books.google.com.br/books?id=bOnlcOoMNowC&pg=PA65&lpg=PA65&dq=poesia+%2B+porto+%2B+cais+%2B+navio+%2B+manuel+bandeira&source=bl&ots=WyeKiNUic2&sig=5iFAwy89yyShU-iE6HsxDfwHlj8&hl=pt-BR&ei=RuiXTcvlNKWx0QHV8IHlCw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CDQQ6AEwBA#v=onepage&q&f=false
Manuel Bandeira mestre da poesia aqui nos fala do marinheiro, o homem do mar, que deixa a terra firme (??) para se lançar ao mar, solitário. Ficam pra trás a amante, os amigos, a casa, o cais...
Vai descortinar o largo horizonte, desbravar o mar, encontrar outros amigos, amantes, casa e cais.
Marinheiro alheio que sempre volta pra bordo, suas raízes não estão aqui, mas em todo lugar, no mar, em outras terras, será?
Por isso o poeta o prefere bêbado, para sem lucidez alguma não partir o coração de quem fica.
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F@bio
sábado, 2 de abril de 2011
Os voluntários - Moacyr Scliar
De: Moacyr Scliar
"Este barco - veleiro, ou lancha a motor, ou velho navio, qualquer coisa, este barco era o meu sonho. Me via descendo o Guaíba, passando Itapuã, navegando na lagoa, chegando ao mar, à África. Só em sonhos: barco era coisa proibida. Meu pai, homem habitualmente tolerante, era taxativo nessa exigência. Este rio é muito traiçoeiro, argumentava, e de fato, não era raro que cadáveres aparecessem boiando nas águas barrentas. Ao mesmo tempo me consolava: quando cresceres, poderás ter o teu veleiro. Primeiro trata de terminar o ginásio".
Transcrito de "Os Voluntários" (págs. 25 e 26). Romance. Porto Alegre: LP&M, 2001.
Esta é a homenagem do Cargueiro de Letras ao grande escritor brasileiro Moacyr Scliar, gaúcho de Porto Alegre, médico sanitarista e autor de mais de setenta livros, passando pela ficção, ensaio, crônica e literatura infantojuvenil. Scliar, falecido no último dia 27 de fevereiro de 2011, era membro do ABL e colunista do Zero Hora e Folha de S.Paulo. Em Os Voluntários temos uma história densa de amizade e companherismo que leva os amigos a tentarem realizar um sonho acalentado por uma amigo moribundo, o de conhecer Jerusalém. Acabam por se lançar numa louca e frustrada aventura pelo Guaíba. Num velho e maltratado rebocador deixam o cais de Porto Alegre rumo ao porto de Haifa em Israel. Na tripulação: quatro homens, uma mulher e um moribundo. Os voluntários na viagem são pessoas cuja amizade foi construída na Rua Voluntários da Pátria, pitoresca e barulhenta artéria da região portuária da capital do RS. Tive a oportunidade de conhece-la, mas não foi possível reconhecer o ambiente, casas e comércio citados no livro. Talvez só tenham existido na ficção de Scliar.
Nasci numa fazenda que tinha um açude, construído para represar água com o objetivo de mover moinhos (de milho e mandioca) e um gerador. Me lembro que meu pai não permitia que fossemos ao açude e muito menos navegássemos no bote que lá existia. Uma vez, devia ter 5 ou 6 anos, fui ao açude com algumas pessoas. Na volta levei uma surra de cinto do meu pai. Ele também era taxativo nessa exigência: ir ao açude era proibido.
Por
F@bio
P.S.: Nas fotos ao lado direito, pode-se ver um belo por do sol visto do cais do porto de Porto Alegre. Há outras do mesmo porto.
"Este barco - veleiro, ou lancha a motor, ou velho navio, qualquer coisa, este barco era o meu sonho. Me via descendo o Guaíba, passando Itapuã, navegando na lagoa, chegando ao mar, à África. Só em sonhos: barco era coisa proibida. Meu pai, homem habitualmente tolerante, era taxativo nessa exigência. Este rio é muito traiçoeiro, argumentava, e de fato, não era raro que cadáveres aparecessem boiando nas águas barrentas. Ao mesmo tempo me consolava: quando cresceres, poderás ter o teu veleiro. Primeiro trata de terminar o ginásio".
Transcrito de "Os Voluntários" (págs. 25 e 26). Romance. Porto Alegre: LP&M, 2001.
Esta é a homenagem do Cargueiro de Letras ao grande escritor brasileiro Moacyr Scliar, gaúcho de Porto Alegre, médico sanitarista e autor de mais de setenta livros, passando pela ficção, ensaio, crônica e literatura infantojuvenil. Scliar, falecido no último dia 27 de fevereiro de 2011, era membro do ABL e colunista do Zero Hora e Folha de S.Paulo. Em Os Voluntários temos uma história densa de amizade e companherismo que leva os amigos a tentarem realizar um sonho acalentado por uma amigo moribundo, o de conhecer Jerusalém. Acabam por se lançar numa louca e frustrada aventura pelo Guaíba. Num velho e maltratado rebocador deixam o cais de Porto Alegre rumo ao porto de Haifa em Israel. Na tripulação: quatro homens, uma mulher e um moribundo. Os voluntários na viagem são pessoas cuja amizade foi construída na Rua Voluntários da Pátria, pitoresca e barulhenta artéria da região portuária da capital do RS. Tive a oportunidade de conhece-la, mas não foi possível reconhecer o ambiente, casas e comércio citados no livro. Talvez só tenham existido na ficção de Scliar.
Nasci numa fazenda que tinha um açude, construído para represar água com o objetivo de mover moinhos (de milho e mandioca) e um gerador. Me lembro que meu pai não permitia que fossemos ao açude e muito menos navegássemos no bote que lá existia. Uma vez, devia ter 5 ou 6 anos, fui ao açude com algumas pessoas. Na volta levei uma surra de cinto do meu pai. Ele também era taxativo nessa exigência: ir ao açude era proibido.
Por
F@bio
P.S.: Nas fotos ao lado direito, pode-se ver um belo por do sol visto do cais do porto de Porto Alegre. Há outras do mesmo porto.
sábado, 12 de março de 2011
Haicai
De: Carlos Seabra
"rochedo no mar
barco afundado
olhos a chorar"
Obtido de http://haicaisequetais.blogspot.com/
Sobre a arte do haicai, trata-se de uma forma poética que tem uma métrica de três versos, de 5-7-5 sílabas, que surgiu no Japão no século 16. Não há rimas, mas deve-se fazer referência a uma estação do ano, elemento básico de sua ligação com a natureza. No século 20, o haicai disseminou-se pelo mundo. Sua maior expressão é Matsuo Bashô (1644-1694), poeta japonês criador do mais famoso de todos os haicais: "velho lago / mergulha a rã / fragor d'água".
Por
F@bio
quarta-feira, 9 de março de 2011
A Hora da Estrela - Clarice Lispector
De Clarice Lispector
"O quarto ficava num velho sobrado colonial da áspera rua do Acre entre prostitutas que serviam a marinheiros, depósitos de carvão e de cimento em pó, não longe do cais do porto. O cais imundo dava-lhe saudade do futuro. (O que é que há? Pois estou como que ouvindo acordes de piano alegre - será isto o símbolo de que a vida da moça iria ter um futuro esplendoroso? Estou contente com essa possibilidade e farei tudo para que esta se torne real.)
Rua do Acre. Mas que lugar. Os gordos ratos da rua do Acre. Lá é que não piso pois tenho terror sem nenhuma vergonha do pardo pedaço de vida imunda.
Uma vez por outra tinha a sorte de ouvir de madrugada um galo cantar a vida e ela se lembrava nostálgica do sertão. Onde caberia um galo a cocoricar naquelas paragens ressequidas de artigos por atacado de exportação e importação? (Se o leitor possui alguma riqueza e vida bem acomodada, sairá de si para ver como é às vezes o outro. Se é pobre, não estará me lendo porque ler-me é supérfluo para quem tem uma leve fome permanente. Faço aqui o papel de vossa válvula de escape e da vida massacrante da média burguesia. Bem sei que é assustardor sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta. Embora a moça anônima da história seja tão antiga que podia ser uma figura bíblica. Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim).
Dos verões sufocantes da abafada rua do Acre ela sentia o suor, um suor que cheirava mal. Esse suor me parece de má origem. Não sei se estava tuberculosa, acho que não. No escuro da noite um homem assobiando e passos pesados, o uivo do vira-lata abandonado. Enquanto isso - as constelações silenciosas e o espaço que é tempo que nada tem a ver com ela e conosco. Pois assim se passavam os dias. O cantar de galo na aurora sanguinolenta dava um sentido fresco à sua vida murcha. Havia de madrugada uma passarinhada buliçosa na rua do Acre: é que a vida brotava no chão, alegre por entre pedras.
Rua do Acre para morar, rua do Lavradio para trabalhar, cais do porto para ir espiar no domingo, um ou outro prolongado apito de navio cargueiro que não se sabe por que dava aperto no coração, um ou outro delicioso embora um pouco doloroso cantar de galo. Era do nunca que vinha o galo. Vinha do infinito até a sua cama, dando-lhe gratidão..."
Transcrito de "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, Novela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Faço aqui minha homenagem ao dia da mulher. Clarice é uma das maiores escritoras da lingua portuguesa. Essa Ucraniana de nascença, brasileira por adoção, cujo texto conheci no saudoso Jornal do Brasil que lia nos tempos de adolescência e juventude. A Hora da Estrela é, segundo José Castello, "o livro mais surpreendente que escreveu" e põe surpreendente nisso. Nele Clarice cria um falso autor, seu alter ego, e escreve um texto rico de emoções, entre o delírio e a realidade, numa abordagem impregnada de uma visão social e existencialista. Como conclui Castello, o livro "é um romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues".
A hora da estrela é uma obra-prima da literatura brasileira, trazendo, via recurso metalingüístico, reflexões do autor sobre o ato de escrever, no caso o falso autor Rodrigo S.M., por meio das quais dialoga com o leitor, e reflexões sobre sua própria vida e da anti-heroína Macabéa.
Na telona, Marcélia Cartaxo deu corpo a uma Macabéa extremamente fiel ao texto de Clarice, dirigida por Suzana Amaral (1985), pelo qual ganhou o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlin de 1986.
Por
F@bio
"O quarto ficava num velho sobrado colonial da áspera rua do Acre entre prostitutas que serviam a marinheiros, depósitos de carvão e de cimento em pó, não longe do cais do porto. O cais imundo dava-lhe saudade do futuro. (O que é que há? Pois estou como que ouvindo acordes de piano alegre - será isto o símbolo de que a vida da moça iria ter um futuro esplendoroso? Estou contente com essa possibilidade e farei tudo para que esta se torne real.)
Rua do Acre. Mas que lugar. Os gordos ratos da rua do Acre. Lá é que não piso pois tenho terror sem nenhuma vergonha do pardo pedaço de vida imunda.
Uma vez por outra tinha a sorte de ouvir de madrugada um galo cantar a vida e ela se lembrava nostálgica do sertão. Onde caberia um galo a cocoricar naquelas paragens ressequidas de artigos por atacado de exportação e importação? (Se o leitor possui alguma riqueza e vida bem acomodada, sairá de si para ver como é às vezes o outro. Se é pobre, não estará me lendo porque ler-me é supérfluo para quem tem uma leve fome permanente. Faço aqui o papel de vossa válvula de escape e da vida massacrante da média burguesia. Bem sei que é assustardor sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta. Embora a moça anônima da história seja tão antiga que podia ser uma figura bíblica. Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim).
Dos verões sufocantes da abafada rua do Acre ela sentia o suor, um suor que cheirava mal. Esse suor me parece de má origem. Não sei se estava tuberculosa, acho que não. No escuro da noite um homem assobiando e passos pesados, o uivo do vira-lata abandonado. Enquanto isso - as constelações silenciosas e o espaço que é tempo que nada tem a ver com ela e conosco. Pois assim se passavam os dias. O cantar de galo na aurora sanguinolenta dava um sentido fresco à sua vida murcha. Havia de madrugada uma passarinhada buliçosa na rua do Acre: é que a vida brotava no chão, alegre por entre pedras.
Rua do Acre para morar, rua do Lavradio para trabalhar, cais do porto para ir espiar no domingo, um ou outro prolongado apito de navio cargueiro que não se sabe por que dava aperto no coração, um ou outro delicioso embora um pouco doloroso cantar de galo. Era do nunca que vinha o galo. Vinha do infinito até a sua cama, dando-lhe gratidão..."
Transcrito de "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, Novela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Faço aqui minha homenagem ao dia da mulher. Clarice é uma das maiores escritoras da lingua portuguesa. Essa Ucraniana de nascença, brasileira por adoção, cujo texto conheci no saudoso Jornal do Brasil que lia nos tempos de adolescência e juventude. A Hora da Estrela é, segundo José Castello, "o livro mais surpreendente que escreveu" e põe surpreendente nisso. Nele Clarice cria um falso autor, seu alter ego, e escreve um texto rico de emoções, entre o delírio e a realidade, numa abordagem impregnada de uma visão social e existencialista. Como conclui Castello, o livro "é um romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues".
A hora da estrela é uma obra-prima da literatura brasileira, trazendo, via recurso metalingüístico, reflexões do autor sobre o ato de escrever, no caso o falso autor Rodrigo S.M., por meio das quais dialoga com o leitor, e reflexões sobre sua própria vida e da anti-heroína Macabéa.
Na telona, Marcélia Cartaxo deu corpo a uma Macabéa extremamente fiel ao texto de Clarice, dirigida por Suzana Amaral (1985), pelo qual ganhou o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlin de 1986.
Por
F@bio
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Agonia da Noite - Jorge Amado
De: Jorge Amado
"Ia o negro Doroteu, com sua negra Inácia, pela beira do cais. Era o cais de Santos, os armazéns das docas a se perderem de vista, repletos de sacos de café, de cachos de bananas, de fardos de algodão. Trilhos, automóveis, geladeiras, rádios, máquinas estranhas, conservas e frutas desciam nos guindastes, trazidos do bojo profundo dos porões escuros dos negros cargueiros ancorados no porto. Um cheiro doce de maçãs maduras se misturava ao salgado odor do mar, na lânguida noite tropical, envolvente e morna, cortado por um vento fino chegado de distantes paragens. Também a melodia melancólica de uma canção marítima se mesclava ao barulho ensurdece dor dos guindastes, dos gritos de marinheiros e estivadores, dos apitos saudosos dos navios abandonando a orla do cais em busca do maroceano mais além do porto. De quando em vez, uma nota mais alta da canção se sobrepunha a todo o ruído e vibrava no ar, fazendo mais ligeira a carga nos ombros dos doqueiros. Era uma canção em língua estranha, impossível entender o que ela dizia, mesmo se pudessem distintamente ouvir todas as suas palavras, mas cada um sabia - os doqueiros, os marinheiros de diversas raças, os ensacadores, mesmo os empregados da Alfândega - tratar-se de uma canção de amor, feita de distância e de aflito anelo. Mais que todos o adivinhava o negro Doroteu, andando ao lado de sua negra Inácia. Para ele, as canções não tinham segredos, ele podia penetrar-lhes o sentido mais misterioso mesmo quando não entendia a língua do marinheiro improvisado em cantor, desabafando para as luzes da cidade de Santos a sua saudade da mulher um dia encontrada e logo perdida em Changai ou Constanza, em Nova Iorque ou Guaiaquil em Amsterdã ou Stambul. Dele era o sábio conhecimento das canções do mar, das bandeiras dos navios e da variada cor das águas no correr do dia. Desses mistérios falava o negro Doroteu à sua negra Inácia quando juntos, nas noites sem trabalho, atravessavam o cais imenso, trocando juras de amor, contando e ouvindo histórias, assoviando canções, rindo para todos, pois rir era o maior prazer tanto do negro Doroteu quanto da sua negra Inácia."
Extraído de "Agonia da Noite", que juntamente com "Os Ásperos Tempos” e “A Luz no Túnel”, formam a trilogia de Jorge Amado sob o título geral de “Os Subterrâneos da Liberdade”, na qual buscou traçar um panorama da vida política brasileira nos anos do Estado Novo. Editora Martins Fontes, sem data.
Jorge Amado é um romancista de mão cheia. Subterrâneos da Liberdade li quando estávamos sobre a ditadura militar no Brasil, nos anos 70 do século passado. Li num fôlego só, pois o romance parecia um retrato dos dias de então. Repressão, prisões políticas, greves proibidas, perseguição, partidos clandestinos, movimento estudantil. Eram tempos difíceis e eu estava lá, no movimento, lutando por remover aquele véu negro que nos amordaçava e retirava a liberdade. Parecido com o que os povos estão fazendo hoje no norte da África e Oriente Médio. Lutando pela democracia em passeatas, greves e manifestações. Lutando pela liberdade. Jorge Amado não esconde a sua militância de esquerda, nem eu.
Por
F@bio
"Ia o negro Doroteu, com sua negra Inácia, pela beira do cais. Era o cais de Santos, os armazéns das docas a se perderem de vista, repletos de sacos de café, de cachos de bananas, de fardos de algodão. Trilhos, automóveis, geladeiras, rádios, máquinas estranhas, conservas e frutas desciam nos guindastes, trazidos do bojo profundo dos porões escuros dos negros cargueiros ancorados no porto. Um cheiro doce de maçãs maduras se misturava ao salgado odor do mar, na lânguida noite tropical, envolvente e morna, cortado por um vento fino chegado de distantes paragens. Também a melodia melancólica de uma canção marítima se mesclava ao barulho ensurdece dor dos guindastes, dos gritos de marinheiros e estivadores, dos apitos saudosos dos navios abandonando a orla do cais em busca do maroceano mais além do porto. De quando em vez, uma nota mais alta da canção se sobrepunha a todo o ruído e vibrava no ar, fazendo mais ligeira a carga nos ombros dos doqueiros. Era uma canção em língua estranha, impossível entender o que ela dizia, mesmo se pudessem distintamente ouvir todas as suas palavras, mas cada um sabia - os doqueiros, os marinheiros de diversas raças, os ensacadores, mesmo os empregados da Alfândega - tratar-se de uma canção de amor, feita de distância e de aflito anelo. Mais que todos o adivinhava o negro Doroteu, andando ao lado de sua negra Inácia. Para ele, as canções não tinham segredos, ele podia penetrar-lhes o sentido mais misterioso mesmo quando não entendia a língua do marinheiro improvisado em cantor, desabafando para as luzes da cidade de Santos a sua saudade da mulher um dia encontrada e logo perdida em Changai ou Constanza, em Nova Iorque ou Guaiaquil em Amsterdã ou Stambul. Dele era o sábio conhecimento das canções do mar, das bandeiras dos navios e da variada cor das águas no correr do dia. Desses mistérios falava o negro Doroteu à sua negra Inácia quando juntos, nas noites sem trabalho, atravessavam o cais imenso, trocando juras de amor, contando e ouvindo histórias, assoviando canções, rindo para todos, pois rir era o maior prazer tanto do negro Doroteu quanto da sua negra Inácia."
Extraído de "Agonia da Noite", que juntamente com "Os Ásperos Tempos” e “A Luz no Túnel”, formam a trilogia de Jorge Amado sob o título geral de “Os Subterrâneos da Liberdade”, na qual buscou traçar um panorama da vida política brasileira nos anos do Estado Novo. Editora Martins Fontes, sem data.
Jorge Amado é um romancista de mão cheia. Subterrâneos da Liberdade li quando estávamos sobre a ditadura militar no Brasil, nos anos 70 do século passado. Li num fôlego só, pois o romance parecia um retrato dos dias de então. Repressão, prisões políticas, greves proibidas, perseguição, partidos clandestinos, movimento estudantil. Eram tempos difíceis e eu estava lá, no movimento, lutando por remover aquele véu negro que nos amordaçava e retirava a liberdade. Parecido com o que os povos estão fazendo hoje no norte da África e Oriente Médio. Lutando pela democracia em passeatas, greves e manifestações. Lutando pela liberdade. Jorge Amado não esconde a sua militância de esquerda, nem eu.
Por
F@bio
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Roteiro - Albano Martins
De: Albano Martins
"Desenho no mapa o teu perfil
de caravela cósmica. Viajo
por hemisférios tácteis ao encontro
do lastro puro, do contraste
que me revele
e justifique
e baste."
(in «Coração de Bússola», 1967)
Albano Martins, nascido em 1930, em Portugal, formado em filologia, foi professor.
O poeta foi um dos fundadores da revista Árvore e colaborador da Colóquio-Letras e Nova Renascença.
A caravela cósmica navega oceanos siderais, tateando estrelas, na busca do ponto de encontro, na dialética
do desencontro. O amor localizado pela bússola que há em cada coração, que dispara quando encontra, mas também soluça quando desencontra.
Será que isto basta?
Por
F@bio
"Desenho no mapa o teu perfil
de caravela cósmica. Viajo
por hemisférios tácteis ao encontro
do lastro puro, do contraste
que me revele
e justifique
e baste."
(in «Coração de Bússola», 1967)
Albano Martins, nascido em 1930, em Portugal, formado em filologia, foi professor.
O poeta foi um dos fundadores da revista Árvore e colaborador da Colóquio-Letras e Nova Renascença.
A caravela cósmica navega oceanos siderais, tateando estrelas, na busca do ponto de encontro, na dialética
do desencontro. O amor localizado pela bússola que há em cada coração, que dispara quando encontra, mas também soluça quando desencontra.
Será que isto basta?
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F@bio
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