sábado, 7 de maio de 2011

Viver para contar - Gabriel García Márquez

"Os ventos alísios estavam tão bravos naquela noite que no porto fluvial tive muito trabalho em convencer minha mãe a embarcar. Não lhe faltava razão. As barcaças eram imitações reduzidas de barcos a vapor de Nova Orleans, mas com motores a gasolina que transmitiam um tremor de febre malsã a tudo que estivesse a bordo. Tinham um salãozinho com forquilhas para dependurar redes em diferentes alturas, e bancos de madeira onde cada um se acomodava a cotoveladas e do jeito que desse com suas bagagens excessivas, seus fardos de mercadorias, os engradados de galinhas e até porcos vivos. Havia uns poucos camarotes sufocantes com dois beliches de quartel, quase sempre ocupados por umas pobres putinhas mal-ajambradas que ofereciam serviços de emergência durante a viagem. Como à última hora não encontramos nenhum camarote livre, nem tínhamos redes, minha mãe e eu tomamos de assalto duas cadeiras de ferro do corredor central e nelas nos dispusemos a passar a noite".



Transcrito de "Viver para Contar" (pag. 10), de Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno. Biografia. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Record, 2003.
Foto de Gabriel aos 5 anos em Aracataca obtida em http://www.bbc.co.uk/spanish/seriemilenio03fotos.htm


Quando comecei a ler a autobiografia de Garcia Marquez, li de uma carreira só, pois a história de vida do grande romancista colombiano me contagiou. Encontrei nela muitas semelhanças com minha própria história de vida, embora saiba que muito do contado o foi como guardamos na memória, um relato muito mais daquilo que sentimos do que dos fatos realmente ocorridos. Aliás, o próprio Garcia Marquez cota no início da obra: "A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como a recorda para contá-la". E ele inicia sua história contando a viagem que fez com sua mãe à cidade, ou melhor, ao povoado de Aracataca, onde viveu sua infância e fonte de inspiração de seus principais romances.
Por vezes também fui com minha mãe ao povoado onde nasci, Varre-Sai - RJ, que poderia ter inspirado muitas histórias de realismo mágico, lá tivesse nascido um escritor da verve do romancista colombiano.
Conta Garcia Marquez que sua mãe envelheceu rápido, tendo somado onze partos, havia passado quase dez anos grávida e pelo menos outros tantos amamentando seus filhos.  Minha mãe teve oito filhos e ainda criou outros três. Também ficou grisalha muito nova, antes dos quarenta. Igualmente usava óculos e qual Luisa Santiaga, conservou uma "beleza romana dignificada por uma aura outonal".
Aproveitando que amanhã é dia das mães, deixo aqui o registro dessa história de mães generosas e parideiras, Luisa e Maria Ignez, que souberam tão bem arar seus jardins para depositar sementes, depois cuidar de suas plantas, germinadas de muito amor e tratadas com muito carinho.
Por
F@bio

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