Apenas
um navio
No ano de meia
quatro,
no meio do estuário
em frente ao porto de Santos,
o porto de minha infância,
no meio do estuário
em frente ao porto de Santos,
o porto de minha infância,
Das barcas e das
catraias,
dos navios e rebocadores,
dos navios e rebocadores,
Dos trens e dos
armazéns,
onde os botos,
às cinco e meia da tarde,
viraram cambalhotas
enquanto as gaivotas
fisgavam peixes no mar,
avistava-se um navio
velho, preto,
ancorado
próximo à Ilha Barnabé,
que os menos informados
confundiam com um navio comum.
Mas eu e muitas crianças,
que ansiavam
para verem os pais
(confinados),
sabíamos que ele era bem mais
que um navio qualquer
e o culpávamos
pela ausência paterna
nos almoços de domingo,
pela angústia disfarçada nos olhos de nossas mães,
pela melancolia que abraçava
todas nossas brincadeiras,
pela vontade de chorar
sem saber bem o porquê.
Nós já sentíamos tudo
e éramos tão crianças!
Só o que não entendíamos
é que o Raul Soares
era apenas um navio
e não tinha culpa de nada.
onde os botos,
às cinco e meia da tarde,
viraram cambalhotas
enquanto as gaivotas
fisgavam peixes no mar,
avistava-se um navio
velho, preto,
ancorado
próximo à Ilha Barnabé,
que os menos informados
confundiam com um navio comum.
Mas eu e muitas crianças,
que ansiavam
para verem os pais
(confinados),
sabíamos que ele era bem mais
que um navio qualquer
e o culpávamos
pela ausência paterna
nos almoços de domingo,
pela angústia disfarçada nos olhos de nossas mães,
pela melancolia que abraçava
todas nossas brincadeiras,
pela vontade de chorar
sem saber bem o porquê.
Nós já sentíamos tudo
e éramos tão crianças!
Só o que não entendíamos
é que o Raul Soares
era apenas um navio
e não tinha culpa de nada.
Não tinha culpa de
ter virado
instrumento repressivo
no ano de meia quatro.
instrumento repressivo
no ano de meia quatro.
Lídia Maria de Melo. Raul Soares: Um navio tatuado
em nós. São Paulo / Santos: Pioneira / Universidade Santa Cecília,
1995. Baixado em 07/10/2012 de: http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=69655
Alessandro
Atanes tem sido uma boa fonte para o Cargueiro. Poeta e jornalista, com ampla
pesquisa sobre a literatura santista. No artigo "Golpe: poesia da
exceção", Atanes nos apresenta o poema de Lídia Maria de Melo e informa
que “Apenas
um navio” foi escrito em 1982, na fase
final da ditadura. O poema evoca a infância da escritora e "remete a um
clima inicial de nostalgia, logo cortado pelo trauma, pela chaga no cais, a
presença do navio-presídio Raul Soares no estuário, próximo à Ilha
Barnabé... No poema de Lídia não é desolação que presenciamos, e sim a
incerteza do Estado de Exceção após o golpe".
Navios
foram concebidos como meio de transporte de pessoas e cargas, mas alguns
tiveram sina terrível, como os negreiros a transportar escravos e os navios
presídios, onde muitos foram confinados, maltratados e mortos. O Raul Soares
era um navio misto, de carga e passageiros, de origem alemã que foi incorporado ao
Lloyd Brasileiro, utilizado na navegação de cabotagem antes de virar prisão, seu
triste fim. (vide “Raul Soares – Tempos de Gloria”, de Humberto de Lima Moraes em
http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=4824)
Olá. Você pode conhecer mais sobre o livro "Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós" na página da autora, no site da UBE: http://www.ube.org.br/espaco-do-autor-detalhe.asp?ID=668
ResponderExcluirou ainda no blog: http://lidiamariademelo.blogspot.com.br/