segunda-feira, 1 de maio de 2017

Mucuripe - Belchior

"As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou mandar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar

Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou mandar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar

Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo inda era flor

Sob o meu chapéu quebrado
Um sorriso ingênuo e franco
De um rapaz novo encantado
Com vinte anos de amor

Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui
Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui

As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou levar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar

Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo inda era flor

Sob o meu chapéu quebrado
Um sorriso ingênuo e franco
De um rapaz moço encantado
Com vinte anos de amor

Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui
Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui"

A poesia de Mucuripe é de Belchior que havia composto também uma melodia. Porém, quando mostrou a letra para Fagner, companheiro do coletivo Pessoal do Ceará, este fez outra melodia que o próprio Belchior reconheceu como melhor. O compositor nascido em Sobral, Ceará, fez sua passagem em Santa Cruz do Sul (RS), aos 70 anos. Sua poesia é reconhecida como refinada e de crítica arguta à veneração capitalista do consumo e do vil metal, como queriam nossos pais, que marcou profundamente a juventude brasileira dos anos 70/80/90. Um poeta filosofo que com suas letras faz uma crônica da sociedade brasileira daqueles anos na qual a luta pela liberdade, anunciada como "uma calça velha azul e desbotada", era a grande bandeira da sociedade civil. Nos anos 70, em pleno regime militar, Belchior foi capaz de dar sentido ao fim do sonho pacifista de liberdade dos hippies, já anunciado por Lennon ("o sonho acabou"), denunciando o aburguesamento da "juventude que queria tomar o poder": “Já faz tempo / eu vi você na rua / cabelo ao vento / gente jovem reunida / na parede da memória / esta lembrança é o quadro que dói mais / minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo o que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos / como os nossos pais / (…) e hoje eu sei / que quem me deu a ideia / de uma nova consciência e juventude / está em casa guardado por Deus / contando seus metais”, letra de Como Nossos Pais, musica lançada em 1976 e consagrada na voz de Elis Regina. "O homem que virou suco": foi exatamente com essa música contundente que Belchior alcançou a fama e o sucesso no mercado fonográfico.

Nas palavras de Alberto Sartorelli (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/09/belchior-critica-vulgar.html) o "radicalismo político de Belchior tem seu principal fundamento na crítica do dinheiro em si e do trabalho alienado, uma crítica mais profunda do que a mera crítica do capitalismo. O dinheiro é tratado enquanto fetiche e abstração, mas também enquanto necessidade material e fonte da corrupção moral. “Tudo poderia ter mudado, sim / pelo trabalho que fizemos – tu e eu / mas o dinheiro é cruel / e um vento forte levou os amigos / para longe das conversas / dos cafés e dos abrigos / e nossa esperança de jovens / não aconteceu”, letra de Não Leve Flores, de 1976.
Que o eterno rapaz latino americano descanse em paz!
Por F@bio



sexta-feira, 7 de abril de 2017

O Livreiro de Santiago - Carlos George Nascimento

«Um belo dia - conta Carlos George Nascimento - apareceu-me lá na editora um jovem poeta alto e magro, muito tímido que dava pelo nome de Ricardo Neftali Reyes. Pediu-me que lesse um rascunho do seu livro de poemas Crepusculário. Respondi-lhe que não poderia editar o livro, que naquela altura estava mais vocacionado para editar ficção e livros didáticos - as minhas anteriores edições de poesia tinham sido, sob o ponto de vista financeiro, um desastre.

Não resistindo à insistência do jovem poeta levei o manuscrito para casa e pedi a Rosa Elena, minha esposa e principal conselheira, que o lesse. Algumas horas depois, num sobressalto, Rosa Elena dizia-me: «Tens de editar este rapaz! Tens de editar este rapaz!»

Li o rascunho de Crepusculário com grande emoção e a edição do pequeno livro de poemas transformou-se numa urgência. Tempos depois editei do mesmo autor Vinte poemas de amor y una canción desesperada e o jovem poeta passou a ser conhecido nas 7 partidas do mundo pelo pseudônimo de Pablo Neruda...

Filho e neto de baleeiros, Carlos George Nascimento - «co-arquiteto das letras chilenas» - nasceu na ilha do Corvo em 1885 [Situada nos Açores - Portugal]. Com familiares espalhados pelos quatro cantos do mundo, o jovem corvino emigra, aos 20 anos, para New-Bedford, Massachusetts [Estados Unidos da América].

Protegido pelo irmão Francisco, Capelão dos baleeiros, vai vivendo de pequenos trabalhos em restaurantes e tavernas. O irmão padre oferece-lhe então o Moby Dick de Melville - Literatura e Baleação, e aqui em New Bedford se vão tecendo os fados do futuro editor.

Inquieto e alumbrado Carlos apanha um «Cavalo de Fogo» e entre nevões e desertos, índios e cow-boys atravessa a América do Norte rumo à Califórnia, tentando fazer vida em São Francisco. Como se assaltado por uma estranha premonição, abala de São Francisco 3 dias antes do brutal terramoto/incêndio que dizima a cidade em 1906, reduzindo-a a cinzas. Embarca então num cargueiro rumo a Valparaíso, no Chile, onde é roubado, sobrevivendo durante algum tempo com a roupa que traz no corpo.

Segue para Santiago em busca de um tio, Juan Nascimento, dono de uma livraria - (a emigração de corvinos para o Chile tem origem no périplo de antigos baleeiros que passando pela «Tierra Del Fuego» rumavam em direção às cidades do Pacífico).

A Livraria de Juan Nascimento é um caos onde a poeira se amontoa sobre uma montanha de livros.
Celibatário e misantropo o velho livreiro recebe Carlos com indiferença e antipatia. O nosso herói abandona Santiago e segue rumo a Concepcion, pequena cidade onde consegue sobreviver como trabalhador estudante. Aí conhece a jovem Rosa Elena com quem vem a casar.

Pouco tempo depois morre-lhe o tio misantropo. A Livraria é entretanto legada a Carlos Nascimento que, aos poucos, a transforma num lugar dinâmico, espaço privilegiado para tertúlias de escritores e intelectuais. Publica uma grandiosa História Chilena, edita escritores chilenos e descobre alguns que se tornam figuras lendárias: Gabriela Mistral que viria a ser prémio Nobel e com que tem um violento conflito relacionado com direitos autorais e Pablo Neruda. Deste publica vários livros e descobre-o para o país e para o mundo.

Em 1948, Carlos regressa ao Corvo, sua ilha bem amada reencontrando familiares e velhos amigos. Morre em Santiago em 1966, pouco tempo antes da eleição de Salvador Allende como presidente do Chile."

Obtido de http://www.bnportugal.pt/

A resenha do filme é para divulgar sua exibição no âmbito da exposição "Nascimento: de mar a mar, uma odisseia editorial" ocorrida na Biblioteca Nacional de Portugal em 2016. O filme «O Livreiro de Santiago», com realização, argumento e música de José Medeiros, sobre o editor chileno Carlos George Nascimento (1885-1966), que lançou dois dos mais proeminente poetas do Chile, Gabriel Mistral e Pablo Neruda, ambos ganhadores de prêmios Nobel.

Minha intenção ao reproduzir a resenha do filme neste Blog foi completar a postagem anterior sobre Pablo Neruda.
Por F@bio


quinta-feira, 9 de março de 2017

Poema nº 18 - Pablo Neruda

"Aqui te amo.

Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento.

Brilha a lua sobre as águas errantes.

Andam dias iguais a se perseguir.

Dissipasse a névoa em dançantes figuras.

Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.

Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.

Ou a cruz negra de um barco.

Sozinho.

Às vezes amanheço, e até a alma está úmida.

Soa, ressoa o mar ao longe.

Este é um porto.

Aqui te amo.

Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.

Estou te amando mesmo entre estas frias coisas.

Às vezes vão meus beijos nesses navios graves,

Que correm pelo mar até onde nunca chegam.

Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.

São mais tristes os cais quando atraca a tarde.

Cansa-se minha vida inutilmente faminta.

Amo o que não tenho. Tu estás tão distante.

Meu tédio luta com os lentos crepúsculos.

Porém a noite chega e começa a cantar-me.

A lua faz girar a sua roda de sonho.

Olham-me com teus olhos as estrelas mais grandes.

E como eu te amo, os pinheiros no vento,

Querem cantar o teu nome com as folhas de arame."

"Aquí te amo.
En los oscuros pinos se desenreda el viento.
Fosforece la luna sobre las aguas errantes.
Andan días iguales persiguiéndose.

Se desciñe la niebla en danzantes figuras.
Una gaviota de plata se descuelga del ocaso.
A veces una vela. Altas, altas estrellas.

O la cruz negra de un barco.
Solo.
A veces amanezco, y hasta mi alma esta húmeda.
Suena, resuena el mar lejano.
Éste es un puerto.
Aquí te amo.
Aquí te amo y en vano te oculta el horizonte.
Te estoy amando aún entre estas frías cosas.
A veces van mis besos en esos barcos graves,
que corren por el mar hacia donde no llegan.

Ya me veo olvidado como estas viejas anclas.
Son más tristes los muelles cuando atraca la tarde.
Se fatiga mi vida inútilmente hambrienta.
Amo lo que no tengo. Estás tú tan distante.

Mi hastío forcejea con los lentos crepúsculos.
Pero la noche llega y comienza a cantarme.
La luna hace girar su rodaje de sueño.

Me miran con tus ojos las estrellas más grandes.
Y como yo te amo, los pinos en el viento,
quieren cantar tu nombre con sus hojas de alambre."

Obtido em: http://www.amoremversoeprosa.com/imortais/311poema18.htm e
https://www.vagalume.com.br/joan-manuel-serrat/poema-n-18-de-pablo-neruda.html.

Pablo Neruda é o pseudônimo de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto (1904 - 1973). 
Poeta chileno considerado um dos mais importantes do século XX. Adotou o pseudônimo de Pablo Neruda para homenagear o poeta tcheco Jan Neruda. Sua obra é lírica, plena de emoção e marcada por um acentuado humanismo. Em seu livro de estréia, com apenas 20 anos, Crepusculário (1923), já se assinou Pablo Neruda que, em 1946, passou a usar legalmente. Sua fama tornou-se maior com a publicação de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (1924).

Alternando a vida literária com a diplomática, Neruda era o embaixador chileno na França quando ocorreu o golpe de Estado que depôs o presidente Salvador Allende e instalou a ditadura do General Augusto Pinochet. Gravemente enfermo, Neruda é levado de sua casa Isla Negra, em El Quisco, para Santiago onde vem a falecer e é sepultado em cortejo considerado o primeiro ato de protesto contra a ditadura de Pinochet. Após o retorno da democracia, em 1992 se cumpre um desejo seu, com os corpos dele e de sua mulher, Matilde Urrutia, sendo enterrados na casa Isla Negra, na costa do Chile. Em sua obra destacam-se Residência na Terra (1933), Espanha no Coração (1937, inspirado na Guerra Civil Espanhola), Canto Geral (1950), Cem Sonetos de Amor (1959), Memorial de Isla Negra (1964), A Espada Incendiada (1970) e a Autobiografia póstuma, Confesso que vivi (1974), um emocionante testemunho do tempo e das emoções de um grande poeta. Em 1971, Neruda recebeu o Prêmio Nobel de Literatura e o Prêmio Lênin da Paz. Antes havia sido agraciado com o Prêmio Nacional de Literatura (1945) (leia mais em https://pensador.uol.com.br/autor/pablo_neruda/biografia/).



Recentemente assisti ao filme Neruda, do diretor Pablo Larraín, no qual o poeta é mostrado como o "escritor que, em 1948, aos 44 anos, começa a construir o mito de si mesmo". Eleito senador, critica o Governo no Congresso e, em decorrência, é perseguido incansavelmente pelo policial Peluchonneau. Com sua segunda esposa, a argentina Délia del Carril, conhecida como A Formiguinha (La hormiguita), tenta sem sucesso sair do país. Começa então a fase de clandestinidade, quando realiza incursões noturnas secretas. Escreve Canto Geral e seu reconhecimento, que cresce em todo o mundo, faz com que artistas como Pablo Picasso clamem por sua liberdade internacionalmente. No filme, "perseguidor e perseguido se fundem, um respira o hálito do outro, e o autor se reinventa até se tornar o mito literário e político que veio a ser."

No início de 1949 finalmente cruza a Cordilheira dos Andes e consegue chegar a Argentina, de onde viaja secretamente para a Europa e aparece de surpresa no I Congresso Mundial da Paz, em Paris.

O filme é ambientado em um período pouco explorado da vida de Neruda: "aquele em que o escritor foi perseguido pelo Governo do chileno Gabriel González Videla, que decretou em 1948 a chamada Lei Maldita contra os militantes comunistas. Já uma figura relevante do mundo das letras, foi nessa época que Neruda acabou de dar forma à personalidade política que marcou os 25 anos seguintes de sua vida até sua morte em setembro de 1973." 

Conforme Larraín, o filme tem "elementos políticos e poéticos, mas, no fundo, é um filme sobre um policial que dá sentido a sua vida ao perseguir o poeta”. A obra é uma ficção, que inclui elementos de policial, comédia e drama. “Neruda entende que, se conseguir escapar, fará com que sua voz seja mais forte, maior, mais ouvida". Nessa épica escapada, o poeta se transforma em uma lenda e espalha pelo mundo seu canto geral!

Por F@bio

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A morte na mala - Boris Fausto

"A MORTE NA MALA. Ciúme, intriga e assassinato nas comunidades imigrantes de São Paulo nas primeiras décadas do século XX.

Aquele 7 de outubro de 1928 era um dia rotineiro no porto de Santos. Uma chuva miúda caía sobre o cais, enquanto alguns navios embarcavam cargas e passageiros. Um guindaste içava as bagagens do vapor de bandeira francesa Massilia, com destino a Bordeaux. De repente, nessa operação, várias malas e um baú se soltaram do guindaste e se estatelaram nas pedras do cais, diante do armazém nº 13.

Pelo forte cheiro que exalava, o baú despertou suspeitas. Trancado a sete chaves e amarrado por uma corda de juta, trazia indicações de que viera de São Paulo pela SPR – a Inglesa, como era conhecida a ferrovia que ligava São Paulo a Santos. Policiais se aproximaram, abrindo caminho entre os curiosos que começavam a se aglomerar. Rompida a fechadura, cortada a corda que envolvia o baú, surgiu o corpo despedaçado de uma mulher clara, delgada, coberta com partes de um vestido. Alguns objetos prosaicos acompanhavam os despojos. Entre eles, uma caixinha de pó de arroz Coty, um frasco de pastilhas para a garganta, outro de perfume e um missal impresso em italiano.

A notícia lúgubre espalhou-se de boca em boca, antes mesmo de sair nos jornais. Nessas primeiras horas de incerteza, muita gente especulava se, pelas circunstâncias do crime, o autor daquela barbaridade não seria Michel Trad, de regresso ao Brasil."

Parte de um artigo de autoria de Boris Fausto publicado na Revista Piauí, nº 95, agosto de 2014. (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-morte-na-mala/)

Boris Fausto nascido em São Paulo (1930) é historiador, cientista político e escritor. Graduado em Direito e História pela Universidade de São Paulo (USP), na qual lecionou ciência política. Na USP também obteve os títulos de doutor em História e livre docência em Ciência Política. É membro da Academia Brasileira de Ciências.

No artigo publicado na Piauí, o autor relata dois crimes macabros nos quais mulheres foram assassinadas, esquartejadas e seus corpos acondicionados em malas despachadas como bagagem, com destino à Europa, por dois imigrantes, um sírio e outro italiano. Nos dois casos, os criminosos foram desmascarados e condenados, tendo cumprido longas penas de reclusão.

Boris Fausto tratou também de um outro crime bárbaro no livro "O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30", editado pela  Companhia das Letras, 2009.