segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Meu nome é Ébano - Toninho Vaz

 Meu nome é Ébano - Toninho Vaz

"Merece destaque ... o encontro ... com o poeta Manoel de Barros ... Melodia também fazia versos simples na construção, vasculhando o chão. Ambos tinham dicção poética semelhante, com temáticas ingênuas e desconcertantes pela simplicidade ...

Poesia sempre: E algumas folhas de hortelã ... Depois de homenagear em disco os marginais de sua estima, Luiz Melodia continuava militando na causa dos desvalidos e abandonados pela sorte. Mantinha uma forte cumplicidade com os sacaneados pela sisitema - como ele próprio afirmava. Na virada da década (de 1980), Luiz Melodia estava 'mais São Carlos' do que nunca".

E para Euclides Amaral, pesquisador da MPB, entrevistado por Toninho: "Luiz Melodia é um dos formadores da moderna MPB ... Com sua polivalência, perpetuou-se no cancioneiro popular através de suas composições e também de suas interpretações singulares de clássicos ... Outra característica, pouco comentada em sua obra, é o seu trato com a letra e a poesia nas composições. Ainda que o texto poético tenha, na maioria das vezes, cadência e ritmo próprios, com a música colocada (harmonia, melodia e ritmo), é gerado um terceiro produto - a composição em si -, privilégiando e ressaltando os dois principais códigos da MPB: letra e melodia. Depois, é incorporado o arranjo e, por fim, a interpretação, que leva o produto para outro lado, dependendo do timbre e afinação. Ele era profícuo em versos para as próprias melodias e nos que produzia para violonistas ..., assim como quando musicava letras e poesias ... Luiz Melodia foi mestre em gerar esse terceiro produto, quando compunha (como letrista ou melodista) e quando interpretava outros autores, sendo este o seu legado à MPB." 

Transcrito da biografia "Meu nome é Ébano : a vida e obra de Luiz Melodia", de Toninho Vaz. São Paulo : Tordesilhas, 2020.



Toninho Vaz é jornalista, escritor e biógrafo, que além da obra sobre o Melodia, escreveu biografias do poeta Paulo Leminski, do antropólogo, escritor e politico Darcy Ribeiro, do compositor e cantor Zé Rodrix, dentre outras.  

Na obra em foco, Vaz conta a trajetória do menino do morro de São Carlos, bairro do Estácio no Rio de Janeiro, que conquistou o Brasil com seu talento e músicas. O escritor destaca que a originalidade de Melodia está em sua musicalidade, poética e interpretação.  Toninho ressalta que, apesar da pouca escolaridade, Luiz Melodia tinha um talento natural para letras, como em Juventude Transviada: 

"Lava roupa todo dia, que agonia

Na quebrada da soleira, que chovia

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada

Uma mulher não deve vacilar

Eu entendo a juventude transviada

E o auxílio luxuoso de um pandeiro

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada

Uma mulher não deve vacilar

Cada cara representa uma mentira

Nascimento, vida e morte, quem diria

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada

Uma mulher não deve vacilar

Hoje pode transformar, e o que diria a juventude

Um dia você vai chorar, vejo clara as fantasias."

De uma geração surgida nos tempos sombrios da ditadura militar, Melodia foi vítima contumaz da censura oficial, pois a temática social está muito presente em sua obra. Sobre isto o próprio fala em entrevista de 1996 concedida ao repórter Paulo Vieira do jornal Follha de S. Paulo citada no livro: "Nunca fui ligado nisso, mas decidi falar. Até pelo que está acontecendo. Todos estão vendo: desemprego, política falsa, bala perdida... Essa coisa acaba tendo um lugar só, a desgraça". A realidade brasileira parace que não muda nunca.

Ao traçar a personalidade de Melodia, considerado problemático por ser arredio à ideia de celebridade, o autor não foge de temas delicados como o uso de drogas, alcoolistmo, paternidade involuntária, marginalidade, prisões e episódios de racismo ao longo da vida, ceifada precocemente, do músico.

Melodia deixou um legado musical marcante, numa obra que surge no berço do samba, o morro de São Carlos, e recebe influências da jovem guarda, bossa nova, jazz, blues, rock e outros ritmos que ele soube temperar e harmonizar com letras de sintaxe muito particular. 

Boa leitura.

Por F@bio


sexta-feira, 31 de julho de 2020

Essa Gente - Chico Buarque

"31 de janeiro de 2019
Folheio sem ânimo a política, busco o futebol, o cinema, os classificados, mas no caminho dou com um anúncio fúnebre.
...
2 de julho de 2019
...
A Rebekka não apareceu no dia seguinte, nem no outro, nem no outro, e passada uma semana deixei de ir à casa da Maria Clara, alegando urgência de concluir meu romance. Mentira, porque a escrita, que já vinha rateando havia tempo, agora permanecia em ponto morto. À praia não fui nunca mais, sequer descia à calçada, não ia a lugar algum. Comia qualquer besteira na cozinha e voltava para a cama, dormia, dormia, dormia noite e dia, sonhava com o presidente da República, só tinha pensamentos mórbidos. Tomei enjoo de notícias, desliguei para sempre a televisão e cancelei a assinatura do jornal, que continuavam a me entregar com promessa de descontos e brindes. Vagando morto de sono pelo apartamento, às vezes me pegava a examinar o revólver da Maria Clara, o cano curto, a agulha embutida, o tambor carregado, e foi num dia assim tenebroso que a Rebekka me telefonou."


Trecho do romance Essa Gente, de Chico Buarque, pag. 24 e 170. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Francisco Buarque de Holanda é muito conhecido como compositor e cantor, com uma vasta obra no cancioneiro brasileiro desde os anos 1960 até os dias de hoje. Sensíveis e contundentes suas letras são obra prima da Música Popular Brasileira. Chico nasceu no Rio de Janeiro em 1944, no seio de uma família de intelectuais, filho de Sergio Buarque de Holanda, destacado historiador, jornalista e critico literário. Chico, além das músicas, também escreveu peças, como Gota D'Água (em parceria com Paulo Pontes) e Ópera do Malandro. A partir de 1974 aventurou-se pela ficção, consagrando-se com Budapeste (2003), Leite Derramado (2009) e O irmão alemão (2014). 

Em Essa gente, Chico Buarque é ousado ao ambientar o romance no período super recente, num Rio de Janeiro partido e repartido, nesses tempos de intolerância e sob um governo que defende a ditadura militar e homenageia torturadores. Um governo que promove a liberação de armas e o desmantelamento das políticas trabalhista, ambiental, cultural e educacional que vinham sendo implementadas pelos diversos governos anteriores, inclusive pelos militares.

Narrado sob a forma de um diário, tendo por protagonista um escritor decadente e em crise financeira e afetiva. A cidade a sua volta não se difere do que se passa em sua vida pessoal, também está em colapso financeiro e afetivo, a cidade partida agora não no social, na econômica e na politica, mas também na afetividade e receptividade do carioca. 

Como muito bem analisa o meu xará e critico literário da Veja, Fábio Altman, na "narrativa de Chico há vasta porção de cinza, é tudo mais sutil, mais lírico, costurado por paixões e suspense policial".

Uma ótima leitura, particularmente nesses tempos isolamento e pandemia (na saúde e na política).
Por F@bio

sexta-feira, 12 de junho de 2020

A menina que roubava livros - Markus Zusak

A menina que roubava livros - Markus Zusak

"UMA VERDADEZINHA
Eu não carrego gadanha nem foice.
Só uso um manto preto com capuz quando faz frio.
E não tenho aquelas feições de caveira que vocês
parecem gostar de me atribuir a distância.
Quer saber a minha verdadeira aparência?
Eu ajudo. Procure um espelho enquanto eu continuo."

Trecho do romance A menina que roubava livros, de Markus Zusak (trad. Vera Ribeiro), pag. 271. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

Markus Zusak é escritor e autor de pelo menos cinco livros. Australiano, nascido em 1973, filho de mãe alemã e pai austríaco, mora em Sidney, Austrália.

A veia mestra do livro é a trajetória da menina adolescente Liesel Meminger contada por uma narradora surpreendente revelada no trecho acima transcrito. Essa, ao perceber que a menina lhe escapa, acaba por afeiçoar-se a ela no lapso de tempo de 1939 a 1943, em plena Segunda Guerra Mundial. Liesel é levada, juntamente com o irmão que falece no caminho, para adoção pela mãe  que por ser comunista é perseguida pelo nazismo e não tem mais como cuidar dos filhos. No enterro do irmão, um coveiro deixa cair um livro que é recolhido pela menina, embora não soubesse ler. Ela é entregue pelas autoridades ao casal pobre que, em princípio, resolve adotar a criança para obter o subsídio governamental.

Cria-se logo uma grande empatia com o pai adotivo que a conforta durante os pesadelos que a assombra. Este, vendo o grande interesse da menina pelo livro, um manual de coveiro, começa a lhe ensinar a ler. O afeto cresce entre os três: a garota adotada e os pais adotivos: um pintor de paredes bonachão, que toca acordeon, e a madrasta grosseira, mas protetora. Ao ver uma montanha de livros incendiados pelos nazistas, ela consegue roubar das chamas mais um livro. E ao ser mandada pela madrasta para entregar e recolher roupa lavada e passada, acaba deparando-se com a biblioteca do prefeito e sua calada esposa, da qual rouba alguns livros sob a vista grossa da mulher do prefeito.

No bairro pobre onde vive, após bater num garoto e jogar futebol, Liesel logo conquista amizades. Mas isto não afasta a presença constante da narradora, em um ambiente lamentavelmente muito semelhante ao atual, de fomento ao ódio e a supremacia ariana, o culto ao mito (Hitler) e à ideologia nazista. Um dia os pais adotivos acolhem um judeu fugitivo e o escondem no porão. Cria-se logo uma amizade entre Liesel e Max, esse jovem judeu que adoece e conta com a solidariedade da garota que lê para ele todas as noites. Quando Max se recupera escreve livros artesanais para ela e acaba tendo que fugir novamente ante ao risco de ser descoberto.

A guerra se intensifica e vira em desfavor da Alemanha que começa a ser fortemente bombardeada. E o bairro pobre não foi poupado, especialmente quando ocorre um ataque surpresa que tudo destrói, não dando tempo das pessoas se refugiarem nos abrigos, exceto Liesel que estava no porão iniciando-se na escrita. A narradora, perplexa diante da violência humana, já não precisa exercer seu ofício, apenas recolhe almas vítimas dos homens e, indignada, diz a menina que roubava livros: "os seres humanos me assombram".

Publicado em 2005, foi um enorme sucesso literário de crítica e vendas. Sua versão cinematográfica igualmente foi um sucesso de crítica e público. Assisti primeiro ao filme, mas isso não prejudicou a leitura, pois o livro é muito bem escrito e contagiante, fazendo com que queiramos lê-lo de uma vez só. Aliás, como está diz o slogan do livro "quando a Morte conta uma história, você deve para para ler".
Boa leitura!
Por F@bio

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Baudolino - Umberto Eco

Baudolino - Umberto Eco

"...Quanto a vê-lo ou não, era outra coisa ... o problema da minha vida é que sempre confundi aquilo que via com aquilo que desejava ver..."
"Acontece a muitos..."
"Sim, mas comigo acontecia que mal eu dizia 'vi isto', ou então, 'encontrei essa carta que diz aquilo' (que talvez eu mesmo a tivesse escrito), parecia que os outros não esperassem outra coisa. Sabes, senhor Nicetas, quando se diz uma coisa que se imagina, e os outros dizem que é exatamente assim, acaba-se por acreditar nela, afinal."

Trecho do romance Baudolino, de autoria de Umberto Eco (trad. Marco Lucchesi), pag. 33. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Umberto Eco professor, filósofo, escritor, semiólogo, linguista e bibliógrafo italiano, nascido na cidade de Alexandria, no Piemonte, em 1932 e falecido em 2016, aos 64 anos, em Milão.

Na década de 1980 publicou o seu primeiro romance que obteve grande sucesso, “O Nome da Rosa”, adpatado para o cinema em 1986. Outros de seus romances foram "O Pêndulo de Foucault", "A Ilha do Dia Anterior", “O Cemitério de Praga” e “Número Zero”, uma crítica à manipulação jornalistica.

Publicou diversos artigos e ensaios dedicados a temas variados como: a filosofia da linguagem, a estética e a semiótica.

Um pouco antes de falecer, Eco fez uma dura crítica às Redes Sociais que disseminam informações de amplo alcance, dando voz à uma “Legião de imbecis” que outrora falavam apenas em bares sem prejudicar toda uma coletividade.

O romance Baudolino é situado em Constantinopla no ano 1204. Aqui cabe uma nota para dizer que naquele ano, ocorreu o Cerco de Constantinopla ou a Quarta Cruzada. A capital do Império Bizantino está sendo saqueada, perseguição, destruição, mortes e chamas por toda parte.  A destruiu de partes da cidade e sua tomada pelas forças ocidentais e pelos cruzados venezianos. Após a captura, o Império Latino foi fundado e Balduíno de Flandres foi coroado como imperador latino com o nome de Balduíno I de Constantinopla na Basílica de Santa Sofia.

Voltando ao romance, o historiador bizantino, Nicetas Corniates, está em perigo nas mãos de cruéis saqueadores. Inesperadamente um estranho o salva, era o cristão italiano Baudolino.
Nicetas então torna-se uma espécie de confidente de Baudolino, que lhe conta sua história de vida e que como forma de agradecimento, registrará as memórias de Baudolino. Mas a narrativa e suas peripécias revelam um mentiroso "descarado".
Assim, o romance é desenvolvido como uma narrativa em flashback misturando história e ficção, na forma de fantasia e humor.
Baudolino que se apresenta como filho adotivo do imperador Frederico, o Barba Ruiva, do Santo Império Romano-Germânico, relata uma infinidade de aventuras, tramas, batalhas, acordos, cartas e pergaminhos, reinos e terras distantes, seres fantásticos e relíquias belíssimas, numa profusão de inverdades. Umberto Eco inclui no romance não só o seu imaginário fantástico, como as raízes históricas da Itália contemporânea.
Por F@bio

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Os sonhos não envelhecem- Marcio Borges

"...andava eu próprio meio deprimido e esmorecido, me prometendo fazer mil coisas mas incapaz de sair do lugar, bebendo demais, sufocado dentro de uma revolta que não tinha como exteriorizar diante da gigantesca muralha do medo, dividido entre duas vontades, dois sentimentos contraditórios de missão e predestinação, duas opções abertas naquele momento à frente do jovem homem de 23 anos que eu era: a luta armada e seu consequente purgatório de clandestinidade e tensão ... ou a luta desarmada e seu consequente purgatório de paranóia, sensação de vazio e tédio que vinha a ser a vida de poeta errante, dirigindo shows aqui e fazendo letras acolá, com noitadas nos bares, sessões de ensaio, conversas tensas, especializadas. Pelo  menos não viessem falar de 'mensagens' ...'qual é a mensagem dessa letra?' Como se um poeta pudesse funcionar como cabograma ou sinal de fumaça."

Trecho de "Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina", de Marcio Borges (pág. 214/215), 9ª Ed. São Paulo : Geração Editorial, 2019.

Márcio Hilton Fragoso Borges nascido em Belo Horizonte (MG) em 1946 no seio de uma prole numerosa, 11 irmãos, do casal Salomão Magalhães Borges, jornalista autodidata, e Maria Fragoso Borges, professora primária. Márcio é o segundo de uma família bastante musical: o pai tocava violão e a mãe cantava em corais e tocava piano. Na adolescência, conheceu Milton Nascimento, com o qual desenvolveu uma grande amizade e parceria musical. Amante do cinema e da literatura tornou-se escritor e letrista de grande sucesso. Atualmente reside na cidade de Belo Horizonte e dedica-se à direção do Museu Clube da Esquina, do qual é idealizador.

O livro "Os Sonhos Não Envelhecem" tem por subtítulo "Histórias do Clube da Esquina" indicando assim o tema da narrativa, ou seja, a trajetória dos músicos e compositores mineiros que ocuparam o cenário musical brasileiro nas décadas de 70 e 80.
O assim denominado "Clube da Esquina" também poderia se chamar "A Turma do Levy", enorme edifício da região central de Belo Horizonte para onde a família Borges se mudou em 1963. Foi no quarto dos homens (Marilton, Márcio, Lô, Yé, Nico e Telo Borges) que Milton se tornou o 12º irmão e onde teve início a parceria com Márcio.
Como relata o autor o edifício "Levy era um mundo à parte dentro da cidade: dezessete andares e mais de 100 apartamentos...Tinha uma galeria em ângulo que ligava a avenida Amazonas à rua Curitiba. Sabe-se lá por qual predestinação, no Levy moraram à mesma época pessoas que mais cedo ou mais tarde vieram a se destacar na cena da cultura brasileira; gente como o escritor Júlio Gomide, o psicanalista Chaim Samuel Katz, o ator Jonas Bloch e suas duas filhas, a cantora da Jovem Guarda Martinha, 'O Queijinho de Mina', o maestro Wagner Tiso..." e  os irmãos Borges.
Certo dia Marcio e Milton vão assistir ao filme Jules e Jim, de François Truffault, ficam tão conectados que assistem três sessões seguidas. Quando põem os pés na rua já era noite, mas algo "ainda maior do que aquela transformação do dia em noite se transformara dentre de nós dois e no sentido inverso, pois que ia do obscuro para o iluminado" conta Borges. Compõem então a sua primeira música em parceria "Paz do amor que vem".
Narrado quase na forma de uma conversa com o leitor, toca em temas como a política, movimento cineclubista, trabalho, movimento estudantil, a vida em família, a música, as amizades e os sentimentos de milhares de jovens subjugados pela brutalidade e imbecilidade do regime ditatorial que se abate sobre o Brasil em 1964 e que irá perdurar por 21 anos. Nesse contexto, Borges aborda o surgimento de um gênio da música brasileiro e internacional, Milton Nascimento, o personagem central da obra.
Segundo o editor da Geração Editorial, Luiz Fernando Emediato, a obra é comovente, sensível, capaz de fazer vibrar e chorar: “Márcio Borges nos surpreende com um livro extraordinário, misto de romance de geração e memórias de um Brasil conturbado e trágico, mas culturalmente muito rico”.  O próprio Márcio conta que escreveu o livro para "cumprir um impulso, esvaziar meus escaninhos e recontar para mim mesmo, com os olhos do tempo e da distância, uma história que de qualquer forma já está contada nas músicas que compus".
Trata-se de um livro para quem gosta de história, de ler, sonhar e conhecer um pouco mais sobre a história do músicos do Clube da Esquina.
Por F@bio

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Hereges - Leonardo Padura

"...convenceu-se das razões pelas quais, mesmo numa terra de liberdade, muitos ... preferiam viver mascarados entre segredos, em vez de límpidos entre verdades expostas.
...
E embora lhe parecesse doloroso, teve de aceitar que se sentia mais protegido por um homem de outra fé do que por muitos da sua. Mais acolhido por um estranho tolerante do que por um irmão de sangue, contaminado de fanatismo, de intransigência e, não podia qualificar de outro modo, tomado de ódio".

Trecho do livro Hereges, de Leonardo Padura (pag. 255). São Paulo : Boitempo, 2015,


Leonardo Padura é escritor, ensaísta, roteirista e jornalista cubano, pós-graduado em Literatura Hispano-Americana. Obteve reconhecimento internacional com sua série de romances policiais estrelada pelo detetive Mario Conde e pelo romance "O homem que amava os cachorros". Recebeu os prêmios Nacional de Literatura de Cuba em 2012, o X Internacional de Novela Histórica de Zaragoza em 2014 e o Princesa de Astúrias em 2015, ambos da Espanha.

O livro é um romance histórico e policial, divido em três partes e protagonistas: Daniel, Elias e Judith que têm em comum um quadro de Rembrandt e a busca pela liberdade. O ponto de partida é histórico: o caso do navio Saint Louis que em 1939 leva 937 judeus da Europa para ilha caribenha, mas Cuba tinha um governo corrupto e simpático ao nazismo. Após dias atracado em Havana, o desembarque não é autorizado e o comandante segue para os Estados Unidos e Canadá, onde também é rejeitado e tem que retornar a Europa. Daniel, apenas com oito anos, que veio antes para Cuba e está aos cuidados de um tio, viu sua família partir naquele navio direto para morte.
A narrativa em flashback leva o filho de Daniel a Cuba, anos mais tarde, a procurar o detetive Conde para descobrir o paradeiro do quadro de Rembrandt que esteve na posse de sua família desde o século XVII.
A segunda parte, protagonizada por Elias Ambrosius, no século XVII, um jovem judeu que se tornou discípulo de Rembrandt e teve seu rosto como modelo para o  famoso quadro de Jesus de Nazaré e é condenado por heresia.
A terceira parte, envolve a investigação pelo detetive Conde do desaparecimento de Judith Torres, uma jovem rebelde de dezoito anos.
(leia mais em http://www.poesianaalma.com.br/2018/04/resenha-na-contramao-do-que-esta-fora.html)
Padura usa todo o seu talento literário na composição dessa obra histórico-policial sustentando a relação dos três personagens com a heresia, a liberdade e o sentido da vida.
Por F@bio

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Partir - Paula Parisot

"Ainda que conheça a história, não sei, ainda que diga a verdade, invento. As palavras são ficção, não são as coisas, nem os sentimentos, nem o que dizem ser, posso falar de lugares, fatos, pessoas, lembranças, desejos, posso dizer amei, sofri, mas ao dizer apenas recrio o que vi e vivi, transformando a mim e a minha vida num simulacro".

Trecho do romance Partir, de Paula Parisot (pag. 269). São Paulo: Tordesilhas, 2013


Paula Parisot é escritora e artista nascida no Rio de Janeiro que atualmente vive na cidade de São Paulo. Formada em desenho industrial pela PUC-RJ, foi bolsista da New School University de Nova Iorque, onde cursou Belas Artes. É autora do livro de contos "A dama da solidão", que foi finalista do Prêmio Jabuti, e do romance "Gonzos e parafusos", que inspirou uma performance que durou sete dias e seis noites.

Partir tem como protagonista o narrador, um homem que tem como meta chegar ao Alasca por terra. Saindo do Rio de Janeiro, faz uma peregrinação pela América do Sul (Brasil Região Sul, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Perú, Equador, Colômbia, Venezuela e novamente Brasil, agora pelo Norte e Nordeste). Mas o que conta para ele é o caminho, pois o destino é só um destino, nada mais. Nessa viagem depara-se com uma América Latina particular, com personagens inusitados e quase todos marginais. Ao partir deixa para trás um afeto inusual por um pato chamado Jack Kerouc, não por acaso o nome do autor de "On the road". Por certo um andarilho que, além do próprio pai, inspirou a autora.
No livro, a viagem também é contada pelos desenhos que a autora fez com carvão, grafite e nanquim. “Desenhar é como escrever através de símbolos e hieróglifos que não sei decifrar muito bem. Algo que me permite falar diretamente do inconsciente”, Paula explica (Fonte: http://portalcaneca.com.br/2013/09/lancamento-partir-de-paula-parisot-2/)

Além de um história envolvente, há passagens bastante bem humoradas no livro, como o encontro do narrador com o pato e o afeto que se cria entre os dois.
Por F@bio