segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A morte na mala - Boris Fausto

"A MORTE NA MALA. Ciúme, intriga e assassinato nas comunidades imigrantes de São Paulo nas primeiras décadas do século XX.

Aquele 7 de outubro de 1928 era um dia rotineiro no porto de Santos. Uma chuva miúda caía sobre o cais, enquanto alguns navios embarcavam cargas e passageiros. Um guindaste içava as bagagens do vapor de bandeira francesa Massilia, com destino a Bordeaux. De repente, nessa operação, várias malas e um baú se soltaram do guindaste e se estatelaram nas pedras do cais, diante do armazém nº 13.

Pelo forte cheiro que exalava, o baú despertou suspeitas. Trancado a sete chaves e amarrado por uma corda de juta, trazia indicações de que viera de São Paulo pela SPR – a Inglesa, como era conhecida a ferrovia que ligava São Paulo a Santos. Policiais se aproximaram, abrindo caminho entre os curiosos que começavam a se aglomerar. Rompida a fechadura, cortada a corda que envolvia o baú, surgiu o corpo despedaçado de uma mulher clara, delgada, coberta com partes de um vestido. Alguns objetos prosaicos acompanhavam os despojos. Entre eles, uma caixinha de pó de arroz Coty, um frasco de pastilhas para a garganta, outro de perfume e um missal impresso em italiano.

A notícia lúgubre espalhou-se de boca em boca, antes mesmo de sair nos jornais. Nessas primeiras horas de incerteza, muita gente especulava se, pelas circunstâncias do crime, o autor daquela barbaridade não seria Michel Trad, de regresso ao Brasil."

Parte de um artigo de autoria de Boris Fausto publicado na Revista Piauí, nº 95, agosto de 2014. (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-morte-na-mala/)

Boris Fausto nascido em São Paulo (1930) é historiador, cientista político e escritor. Graduado em Direito e História pela Universidade de São Paulo (USP), na qual lecionou ciência política. Na USP também obteve os títulos de doutor em História e livre docência em Ciência Política. É membro da Academia Brasileira de Ciências.

No artigo publicado na Piauí, o autor relata dois crimes macabros nos quais mulheres foram assassinadas, esquartejadas e seus corpos acondicionados em malas despachadas como bagagem, com destino à Europa, por dois imigrantes, um sírio e outro italiano. Nos dois casos, os criminosos foram desmascarados e condenados, tendo cumprido longas penas de reclusão.

Boris Fausto tratou também de um outro crime bárbaro no livro "O crime do restaurante chinês: Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30", editado pela  Companhia das Letras, 2009.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Bairro do Recife: Adolescência - Gastão de Holanda

BAIRRO DO RECIFE: ADOLESCÊNCIA

De Gastão de Holanda

"Zona portuária, espectro de blenorragia
                              e cargueiros.
A puta se mira no espelho
mão no queixo, como se perguntasse:
          — Que meios, para atravessá-lo?
Eu responderia:
          — Mil vezes, o outro lado.
Ela sorri pelo canto amargo da boca
e desaparece atrás do biombo chinês.
Ouço o chocalhar das abluções
          como as mareias no casco do cargueiro.
Considero o toucador colorido,
espectro de enormes vidros de loção.
Estou nu como uma garrafa,
nudez de vidro,
                        o quarto é o Éden."


Obtido de: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/pernambuco/gastao_de_holanda.html



Gastão de Holanda foi advogado, jornalista, professor, poeta, contista, editor, designer gráfico brasileiro. Nascido no Recife em 11 de fevereiro de 1919. Quando estudante universitário pela Faculdade de Direito de Recife, pela qual se formou em 1951, participou do Teatro do Estudante de Pernambuco. Foi professor de História do Teatro Brasileiro e Artes gráficas na Escola de Belas Artes do Recife e História da Arte no Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Pernambuco.

Em 1954 fundou no Recife a editora O Gráfico Amador, juntamente com Aloísio Magalhães, José Laurenio de Melo, Orlando da Costa Ferreira e Ariano Suassuna, em cujas oficinas foram impressos e editados livros de Carlos Pena Filho, Mauro Mota, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Hermilo Borba Filho, Francisco Brennand entre outros. Ressalte-se que na época o design era insipiente no Brasil, sendo ainda maior o pioneirismo de Gastão de Holanda e Aloísio Magalhães, este que veio a se tornar um dos maiores nomes do design brasileiro, criador de logomarcas de destaque com as do Banco do Brasil, Banco Central, Souza Cruz, Light, Petrobras.


Em  1972 mudou-se para  o Rio de Janeiro, cidade na qual também exerceu a função de editor e onde veio a falecer em 11 de junho de 1997.


Região portuária e degradação parecem sempre estar associadas, em que pese revitalizações ocorridas nas principais cidades costeiras do mundo. Mas o cenário decadente serve bem aos poetas e escritores em geral. Ambientes sujos, escuros, abandonados, sucateados, blenorrágicos, bem distante do Éden paradisíaco das religiões. Nele o Éden está do outro lado, o do prazer mundano da carne, do ópio, do álcool, do fumo, onde um sorriso amargo pode surpreender e eventualmente deixar marcas de batom no espelho carcomido.
Por F@bio

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Trem de ferro - Manuel Bandeira

Trem de ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virgem Maria que foi isto maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Café com pão
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô..
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
Que vontade
De cantar!
Oô…
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficia
Ôo…
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Ôo…
Vou mimbora voou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Ôo…
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente…


Obtido de: http://eraumavezuem.blogspot.com.br/2012/12/viajando-no-trem-de-ferro-de-manuel.html


Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, nasceu em Recife, dia 19 de abril de 1886 e morreu aos 82 anos, no Rio de Janeiro, no dia 13 de outubro de 1968. Um dos maiores poetas do Brasil, foi também crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Escreveu alguns poemas que também encantam as crianças, como Trem de Ferro e A Onda (veja postagem neste blog).

Interessante como Bandeira elaborou o poema para que sua leitura remetesse a imagens acústicas que lembram os sons produzidos por um trem em movimento, particularmente o trem a vapor, conhecido como Maria Fumaça no Brasil. A musicalidade está presente na obra de Bandeira e Trem de Ferro faz "a alegórica da cadência do trem em diferentes velocidades".

O trem teve grande importância na formação econômica do Brasil, que contou com uma das maiores malhas ferroviárias do mundo no início do século XX. Ocorre que houve uma grande guinada em meados do século passado em favor da indústria automotiva: "Governar é abrir estradas" foi o lema do governo Washington Luiz. Essa indústria passou a ter
importância fundamental nas políticas econômicas implementadas pelos diferentes governos nacionais desde então. Com isso, deu-se o sucateamento da malha ferroviária que não se recuperou até os dias de hoje, mesmo após ser privatizada, diferentemente dos principais países do mundo que contam com relevante participação desse modal no transporte de cargas.

Ao observar a rede de linhas férreas do Brasil, verifica-se que quase todas tinham como destino final um porto, para onde levavam cargas de exportação, particularmente de produtos agrícolas e minerais, e no retorno traziam cargas de importação, geralmente produtos manufaturados e combustíveis.

O poema de Bandeira nem precisava ser musicado, mas o foi magistral e deliciosamente pelo maestro Tom Jobim em 1986.



Ô trem bão sô!
Por F@bio

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Pralapracá - Cassiano Ricardo

Pralapracá


E começa a longa história
do navio que ia e vinha
pela estrada azul do Atlântico:

Ia, levando pau-brasil
e homens cor da manhã, filhos do mato,
cheios de sol e de inocência;
vinha trazendo degredados...

Ia, levando uma esperança;
vinha trazendo foragidos de outras pátrias
para a ilha da Bem-aventurança.

Ia levando um grito de surpresa,
da terra criança;
e vinha abarrotado de saudade
portuguesa ...


Obtido do site da Fundação Cultural Cassiano Ricardo: http://www.fccr.sp.gov.br/index.php/institucional/151-cassiano-ricardo/577-livro-08?showall=1

Jornalista, poeta e ensaísta nascido em São José dos Campos - SP (1895). Estudou em São Paulo e Rio de Janeiro. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Transitou do simbolismo ao modernismo e concretismo. Foi um ativista incansável. No modernismo participou dos grupos "Verde Amarelo" e "Anta". Trabalhou nos jornais Correio Paulistando (SP) e A Manhã (RJ). Fundou as revistas: Novíssima e Planalto. Presidiu o Clube da Poesia em São Paulo. Foi das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Letras.
Pralapracá  é a síntese do comércio exterior. Carga vai carga vem. Mas também vai esperança e volta saudade. Neste blog foi publicada a poesia "Céu e Mar" de Cassiano Ricardo. Salve o grande poeta sãojoanense.
Por F@bio