Varre-Sai – Os Italianos no Noroeste Fluminense - Rosane Aparecida Bartholazzi
"... o tropeiro foi o elo rudimentar mais
eficiente de um processo que unia a fazenda ao mercado internacional e
transformava um sistema irracional e primitivo num protagonista do comércio
mundial. No noroeste fluminense, os caminhos traçados pelos tropeiros e sua
tropas contribuíram decisivamente para a articulação do comércio entre Minas
Gerais e Rio de Janeiro, alcançando lugar de destaque da economia cafeeira.”
“Por ser
uma região de fronteira e por estar em processo de ocupação, as redes de comunicação
para o transporte de mercadorias eram inexistentes. Dessa forma, os tropeiros
tinham um papel fundamental: a eles era confiado o carregamento da produção.
Eles faziam a mediação entre o interior e o litoral, entre as zonas produtoras
e as litorâneas, constituindo o elemento de ligação da unidade econômica do
país.
...
Nas
regiões fronteiriças, como é o caso do noroeste [fluminense], especialmente
Varre-Sai, a movimentação dos tropeiros era intensa, situação que, segundo a
memória oficial do lugar, justifica a denominação do distrito. O nome Varre-Sai
estaria associado a um rancho ali existente, onde os tropeiros pernoitavam.
Supostamente,
este rancho estaria ligado a algum fazendeiro, pois o pernoite era gratuito.
Por não pagarem, deveriam pelo menos manter o local sempre limpo, varrendo a sujeira feita pelos burros
antes de sair. Dessa forma teria
surgido a denominação popular de ‘Rancho de Varre e Sahe’ e, posteriormente,
Varre-Sai."
Transcrito de "Os Italianos no Noroeste Fluminense: estratégias familiares e mobilidade social
1897 – 1950" (p.135 e 136), de Rosane Aparecida Bartholazzi. Rio de Janeiro :
Garamond, 2013.
Rosane A.
Bartholazzi é natural de Bom Jesus do Itabapoana – RJ. Graduada em Ciências
Sociais pela Fundação São José de Itaperuna – RJ, com Mestrado em História
Social pela Universidade Severino Sombra – RJ e Doutorado em História pela
Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói - RJ. O livro foi fruto da tese
de doutorado que contou com a orientação da brilhante professora Ismênia de
Lima Martins. Nos meus tempos de UFF tive a honra de ser aluno dela, que não
dava aulas mas verdadeiras conferências. Bartholazzi faz um estudo primoroso
sobre a emigração italiana para o noroeste fluminense, especialmente Varre-Sai.
Nasci lá e também tenho ascendência italiana de bisavós do lado materno. Quando pequeno lembro-me de cruzar com algumas tropas remanescentes nas estradas de terra de então.
As tropas de
muares (mulas e burros) foram importantes meios de transporte de cargas
diversas favorecendo que as mercadorias fossem levadas dos portos e regiões
produtoras até os mais distantes rincões do Brasil e vice-versa. O ouro, extraído em Minas
Gerais, e depois o café produzido no Vale do Paraíba do Rio de Janeiro, eram
transportados em tropas de mulas até os portos de Paraty e Rio de Janeiro.
Normalmente a Tropa Cargueira de
muares era constituída por lotes formados por 8 a 12 animais. Burro no
masculino, mula no feminino, estes eram os animais mais resistente para as
tropas cargueiras. Mais forte e
resistente do que os equídeos, tanto para carregar cargas pesadas, como para
vencer grandes distâncias e trabalhar com a mesma eficiência nos terrenos
íngremes e montanhosos. Acomodada em dois cestos ou balaios (ou broaca), um de cada lado,
um muar transporta entre 120 e 150 quilos, motivando a preferência por esse
tipo de animal para o transporte de carga.
Malotagem eram os apetrechos e arreios necessários de cada animal e
acondicionamento da carga
As tropas
percorriam, em média, 20 a 22 quilômetros por dia, com uma parada no meio do
percurso. Nos trajetos mais longos, as tropas eram compostas por 4 ou 8 lotes
de cargueiros, cada lote com 10 muares. Assim, uma grande tropa cargueira
poderia ter até 80 animais, transportando um total de 12 toneladas de
mercadorias. Já a comitiva era formada
por um madrinheiro, que fazia também as funções de cozinheiro, um peão para
cada lote, um arrieiro (um tipo de faz-tudo, que cuidava da saúde dos animais e
da manutenção das tralhas), o capataz e o tropeiro patrão. Quando a tropa tinha cozinheiro e
madrinheiro, este último geralmente era sempre um menino. O madrinheiro ia à frente tocando a égua
madrinha com o seu cincerro e em seguida, também equipada de cincerros, vinha a
besta dianteira. Depois em fila indiana,
as mulas cargueiras e fechando o lote, a mula culatreira, que além da carga,
levava também as tralhas da cozinha.
Além de seu
importante papel na economia, o tropeiro teve importância cultural relevante
como veiculador de ideias e notícias entre as aldeias e comunidades, numa época em que não existiam estradas no Brasil. Em torno dessa
atividade surgiram várias profissões e indústrias.
O tropeiro deveria ser capaz de resolver inúmeros problemas durante a viagem. As longas jornadas exigiam que ele fosse médico, soldado, artesão, caçador, pescador, cozinheiro, veterinário, negociante, mensageiro e agricultor. Tantos ofícios exigiam um arsenal variado de instrumentos e ferramentas.
A profissão
de ferrador também foi criada pelas necessidades desse fenômeno
econômico-social, consistindo ela em pregar as ferraduras nos animais das
tropas e acumulando geralmente a profissão de aveitar ou veterinário.
Nos primeiros
anos os pousos eram ao relento, normalmente debaixo de uma árvore, com os tropeiros
protegidos por ponches ou cobertores que podiam ser usados como cama
ou coberta. Ligal era uma manta grande de couro cru, utilizada para cobrir a
carga das mulas, protegendo-a do sol, da chuva e da poeira. Mais tarde, com o
aumento e regularidade das tropas cargueiras nos percursos, surgiram os pousos
para tropas, constituídos de ranchos abertos e cobertos de sapé, que
ofereciam alguma proteção aos peões e à carga. O rancheiro e seu rancho ou
alojamento geralmente não cobrava pela hospedagem, cobrando apenas o
milho e o pasto consumidos pelos animais, porque os tropeiros conduziam
cozinhas próprias.
Ao redor
desses pousos surgiram centenas de cidades brasileiras, como é o caso de
Varre-Sai, originalmente São Sebastião do Varre e Sahe. Como informa
Bartholazzi, a tradição oral do lugar relata que ganhou esse nome pelo fato de
ter sido colocado um aviso no pouso solicitando aos tropeiros varrer o local
antes de sair.
A lavoura de
café continua a ser a principal atividade econômica do município de Varre-Sai,
maior produtor de café do Estado do Rio de Janeiro. O italianos que lá chegaram
na virada do século XIX para XX deixaram muitos descendentes e tradições. Por
não contar com produção de uva, os italianos inovaram e produziram o vinho de
jabuticaba, característico do lugar. Essa atividade deu origem ao Festival do
Vinho realizado no último final de semana do mês julho de cada ano.
Por F@bio
Leia mais em:
http://caminhosdastropas-com-br.webnode.com/news/entendimento-sobre-o-tropeirismo/
http://caminhopaulistadastropas.webnode.com.br/sobre-nos/
http://www.tropeirosdasgerais.com.br/historia2.htm
http://www.jumentosemuaresonline.com.br/blog/categoria/artigo/o-tropeiro-2014-08-29-2237570000-tropeiro
http://radionajua.com.br/noticia/irati-de-todos-nos/materias/na-trilha-das-tropas/4882/ (também fonte da foto de comitiva)