Nós falamos, você falou da beleza do hotel Roches Noires.
Depois ficou silencioso, como se procurasse a forma de dizer o que tinha a me dizer. Você não ouvia a calma crescente que vinha com a noite, tão profunda que fui à varanda para vê-la. De tempos em tempos, automóveis passavam diante de Roches Noires, iam para Honfleur ou para o Havre. O Havre, como todas as noites, estava iluminado como para um festa, e o céu ficava por cima da cidade, nu, e entre o céu e o farol de Sainte-Adresse havia o negro cortejo dos petroleiros, que desciam, como de hábito, para os portos da França e do Sul da Europa.
Você se levantou. Olhou-me através das vidraças. Continuava com aquele ar de profunda distração."
Transcrito do livro "Yann Andréa Steiner" (pags. 18 e 19), de Marguerite Duras, tradução de Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1993.
Marguerite Duras, pseudônimo de Marguerite Donnadieu, nasceu em 1914, na cidade de Saigon (atual Cidade de Ho Chi Minh) e faleceu em Paris, em 1996. Um dos mais importantes nomes da literatura francesa do Século XX, foi romancista, novelista, roteirista, poetisa, diretora de cinema e dramaturga. Viveu no Vietnã até 1932 quando mudou-se para Paris. Durante a 2ª Guerra Mundial engajou-se na Resistência Francesa. Estudou Direito, mas tornou-se escritora e obteve fama mundial com o romance "O Amante", com o qual ganhou o prêmio Goncourt de 1984. É autora de diversas peças de teatro, novelas, filmes e contos. Foi associada ao movimento chamado nouveau roman (novo romance) e com o existencialismo. Além O Amante, outros livros de destaque foram A Dor, O Amante da China do Norte e O Deslumbramento. Ficou também conhecida como a roteirista do filme "Hiroshima, meu amor", dirigido por Alain Resnais. Mas dirigiu filmes próprios, inclusive o conceituado "India Song" de 1976, porém sem o renome alcançado na carreira literária.
No trecho reproduzido do livro Yann Andréa Steiner, Duras faz referência ao porto de Havre, iluminado pelos navios petroleiros. O romance que prima pela linguagem coloquial que marcou a obra de Duras, traz uma narrativa fragmentada, num ritmo quase cinematográfico. O texto é bastante poético e com forte carga emocional, com frases curtas e diálogos desconcertantes, possíveis referências autobiográficas e ambientação cambiante.
Sobre seu ofício, Duras escreveu: "Por que algumas pessoas têm necessidade de viver duas vezes? Uma quando vivem, a outras quando escrevem? E por que a segunda vez é a mais importante? Isso é tão mais misterioso como concluir que as horas de sono e de sonho são mais importantes que as de vigília ... O dia é legível, a noite ilegível. O escritor é aquele que pode ler a noite. A gente nunca sabe aonde um bom escritor quer nos levar..."
Por F@bio
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