"Tomou para Canudos onde era ansiosamente esperada...A marcha foi difícil e morosa. Desde Queimadas lutava-se com dificuldades sérias de transporte. Os cargueiros, animais imprestáveis, velhos e cansados, muares refugados das carroças da Bahia e tropeiros improvisados - rengueavam, tropeçando pelos caminhos, imobilizando os batalhões, e remorando a avançada.
Chegou desse modo a Aracati, onde lhe foi entregue um comboio que devia guarnecer até Canudos".
Obtido de Os Sertões - A Campanha de Canudos, de Euclides da Cunha, edição original de 1902 Edição digital, Coleção Clássicos da Língua Portuguesa, Montecristo Editora, Volume 1
Euclides Rodrigues da Cunha (1866 - 1909), fluminense de Cantagalo - RJ, positivista e republicano, foi escritor, engenheiro, poeta, sociólogo, geólogo, militar, jornalista e historiador, dentre outras atividades. Tornou-se internacionalmente conhecido após a publicação do livro Os Sertões, que trata da Guerra de Canudos, onde esteve como repórter do jornal O Estado de São Paulo. O livro foi dividido em três partes, assim denominadas: A terra, O homem e A luta. Na obra, Euclides faz uma ampla analise das características geológicas, botânicas, hidrológicas, zoológicas e sociológicas do sertão nordestino - a caatinga - abordando a vida, costumes e religiosidade do sertanejo, que levaram à constituição do arraial de Canudos e à liderança de Antônio Conselheiro. A contenda é retratada a partir do olhar de um correspondente de guerra que descreve com minucias e emoção os embates de soldados despreparados e "jagunços" maltrapilhos.
Os cargueiros mencionados por Euclides da Cunha eram formados por tropas de muares (mulas e burros) que, na época, eram importantes meios de transporte de cargas diversas, permitindo que as mercadorias fossem levadas dos portos e regiões produtoras até os mais distantes rincões do Brasil. O ouro, extraído em Minas Gerais, e depois o café produzido no Vale do Paraíba do Rio de Janeiro e São Paulo, eram transportados em tropas de mulas até os portos de Paraty e Rio de Janeiro.
Segundo informa o site "Caminho Paulista das Tropas", uma Tropa Cargueira de muares era constituída por lotes formados por 8 a 12 animais, cada animal carregando cerca de 150 quilos de mercadoria. Burro no masculino, mula no feminino, este era o animal mais resistente para as tropas cargueiras. Mais forte e resistente do que os equídeos, tanto para carregar cargas pesadas, como para vencer grandes distância e trabalhar com a mesma eficiência nos terrenos íngremes e montanhosos. Acomodada em dois cestos ou balaios, um de cada lado, um burro chega a transportar de 120 a 150 quilos. Estas qualidades explicam porque o burro é preferido para o transporte de carga.
As tropas percorriam, em média, 20 a 22 quilômetros por dia, com uma parada no meio do percurso.
Nos trajetos mais longos, as tropas eram compostas por 4 ou 8 lotes de cargueiros, cada lote com 10 muares. Assim, uma grande tropa cargueira poderia ter até 80 animais, transportando um total de 12 toneladas de mercadorias. Já a comitiva era formada por um madrinheiro, que fazia também as funções de cozinheiro. um peão para cada lote, um arrieiro (um tipo de faz-tudo, que cuidava da saúde dos animais e da manutenção das tralhas), o capataz e o tropeiro patrão. Quando a tropa tinha cozinheiro e madrinheiro, este último era sempre um menino de mais 12 anos. O madrinheiro ia à frente tocando a égua madrinha com o seu cincerro e em seguida, também equipada de cincerros, vinha a besta dianteira. Depois em fila indiana, as mulas cargueiras e fechando o lote, a mula culatreira, que além da carga, levava também as tralhas da cozinha.
Nos primeiros anos. os pousos eram ao relento, debaixo de uma árvore, com os tropeiros protegidos por ponches, cobertores ou pelo ligal, que podia ser usado como cama ou coberta. Ligal era uma manta grande de couro cru, utilizada para cobrir a carga das mulas, protegendo-a do sol, da chuva e da poeira. Mais tarde, com o aumento e regularidade das tropas cargueiras nos percursos, surgiram os pousos para tropeiros, constituídos de ranchos abertos e cobertos de sapé, que ofereciam alguma proteção aos peões e a carga. Ao redor desses pousos surgiram centenas de cidades brasileiras, como a minha cidade natal no Estado do Rio de Janeiro: Varre-Sai, que segundo consta ganhou esse nome pelo fato de ter sido colocado um aviso no pouso solicitando aos tropeiros varrer o local antes de sair.
Leia mais: http://www.caminhopaulistadastropas.com.br/news/entendimento-sobre-o-tropeirismo/
Por F@abio
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