“Os escritórios da C.F.C. estavam desde a fundação diante do cais fluvial, sem nada em comum com o porto dos transatlânticos no lado oposto da baía, nem com o atracadouro do mercado na baía das Ânimas. Era um edifício de madeira com telhado de zinco de duas águas, um único balcão grande com colunas na fachada e várias janelas com telas de arame nos quatro costados, das quais se viam completos os navios no cais, com quadros pendurados na parede. Quando o construíram, os precursores alemães pintaram de vermelho o zinco dos telhados e de branco brilhante os tabiques de madeira, de maneira que o próprio edifício tinha algo de navio fluvial. Mais tarde pintaram-no todo de azul, e pelos tempos em que Florentino Ariza começou a trabalhar na empresa era um galpão poeirento sem cor definida, e nos telhados oxidados havia emendas de folhas de zinco novas sobre as folhas originais. Por trás do edifício, num pátio de caliça cercado de tela de galinheiro, havia dois armazéns amplos de construção mais recente, e no fundo havia um desaguadouro fechado, sujo e fedorento, onde apodreciam os despejos de meio século de navegação fluvial: escombros de navios históricos, desde os primitivos de uma só chaminé, inaugurados por Simão Bolívar, até alguns tão recentes que já tinham ventiladores elétricos nos camarotes. Tinham sido em sua maioria desmantelados para a utilização dos materiais em outros navios, mas muitos estavam em tão bom estado que parecia possível dar-lhes uma mão de pintura e botá-los para navegar, sem espantar as iguanas nem derrubar as árvores de grandes flores amarelas que os faziam mais nostálgicos.”
Transcrito de “O Amor nos Tempos do Cólera” (pag. 228). Autor Gabriel Garcia Marquez. Tradução de Antônio Callado. Romance. Rio de Janeiro: Editora Record, 1985.
Caricatura de Garcia Marquez obtida de: http://gm54.files.wordpress.com/2009/04/gabriel-garcia-marquez-caricatura.jpg
Sou um grande apreciador do texto de Garcia Marquez e O Amor nos Tempos do Cólera é para mim um de seus melhores livros. O trecho acima retrata de forma peculiar o cenário de um porto fluvial. A Companhia Fluvial do Caribe transporta mercadorias, animais e passageiros e deu “um impulso novo à navegação a vapor no rio Madalena” (pag.71). Não se trata propriamente de uma empresa de comércio exterior. Mas a cena descrita pelo autor é fiel a um porto nos primórdios do Séc. XX. Armazéns de madeira e telhados de zinco oxidados. Navios ancorados e naus abandonadas. Cais, pátios, tonéis e cercas de madeira. Galpões poeirentos, sujos e malcheirosos. Baía com vários atracadouros. Marinheiros, sacos, barris, trapiches, docas, caixotes, contrabandistas, estivadores, bares, prostíbulos, alfândega, carregadores, barcos, guindastes... A navegação interior encontra a navegação internacional. Como a cabotagem, a abastece e leva suas cargas para distribuir aos rincões continente adentro.
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