sábado, 26 de maio de 2012

Os Velhos Marinheiros - Jorge Amado

Os Velhos Marinheiros - Jorge Amado

"Com a luneta ao olho examinou a cidade, as casas de azulejos portugueses, a pitoresca agitação do mercado Ver-o-Peso, o ancoradouro do Port-of-Pará, onde ia encostar o Ita. Os oficiais de bordo estavam todos na ponte, mesmo o Comissário. O Imediato ditava ordens. O navio aproximava-se. Vasco detinha-se nas bandeiras dos cargueiros e paquetes ancorados: ia o Ita, segundo tudo indicava, ficar ao lado de um cargueiro inglês, mais adiante estava um pequeno navio do Lloyd Brasileiro, um iate vindo da Guiana Francesa, além das gaiolas numerosas. Do barco inglês, marujos loiros saudavam com a mão. O Comandante pensou que sua missão estava finda, pois as máquinas reduziam o ritmo, quase deixando de trabalhar. O navio chegava ao seu destino. (...) Carregadores ofereciam seus serviços, mostravam os números no peito. Tudo correra bem, pensou o Comandante. Foi nesse momento, quando um sorriso de perfeita satisfação abriu-se em seus lábios, que ressoou aos seus ouvidos a voz do Imediato, cercado por todos os oficiais de bordo, o Comissário inclusive:
- Comandante!"

Transcrito de "A Completa Verdade sobre as Discutidas Aventuras do Comandante Vasco Moscoso de Aragão, Capitão de Longo Curso" em Os Velhos Marinheiros, de Jorge Amado (pág. 283). Romance. 23a. Ed. São Paulo: Martins, 1970.

Jorge Amando tem sido a mais rica fonte para este modesto blog, um Cargueiro que navega na rede e tem a pretensão de levar as letras aos internautas. Como o objetivo é que as citações literárias tenham algum elo com o comércio exterior, grande parte delas retratam o universo dos portos e da navegação. O livro Os Velhos Marinheiros tem o subtitulo "duas histórias do cais da Bahia". São duas histórias deliciosas, a do Comandante de Longo Curos citada e Quincas Berro D'Água. As histórias têm como protagonistas duas figuras características do universo ficcional de Jorge Amado, que não abrem mão do direito de comandar seus destinos na terra, sem abdicar do direito de sonhar. O romance alia humor, drama, ternura e sobretudo poesia. Ao final, o narrador indaga aos leitores onde está a verdade: "está naquilo que sucede todos os dias, nos quotidianos acontecimentos, na mesquinhez e chatice da vida da imensa maioria dos homens ou reside a verdade no sonho que nos é dado sonhar para fugir da nossa triste condição? Como se elevou o homem em sua caminhada pelo mundo: através do dia a dia de miséria e futricas, ou pelo livre sonho, sem fronteiras nem limitações?" Esse é o grande Jorge Amado a nos provocar e incentivar a ter um vida menos mesquinha. Salve Jorge!!
Por F@bio

domingo, 13 de maio de 2012

Dois Irmãos - Milton Hatoum

"Uma tarde de domingo, minha mãe me convidou para passear na praça da Matriz. Perto dali, atracados no Manaus Harbour, os grande cargueiros achatavam barcos e canoas, ocultando o horizonte da floresta. No centro da praça não havia mais a multidão de pássaros que encantava as crianças. Agora o aviário que tanto me fascinara estava silencioso. Sentados na escadaria da igreja, índios e migrantes do interior do Amazonas esmolavam. Domingas trocou palavras com uma índia e não entendi a conversa; as duas se benzeram quando os sinos deram seis badaladas. Minha mãe se despediu da mulher, entrou sozinha na igreja, rezou. Depois nós entramos no Manaus Harbour, fomos até a extremidade do trapiche. O porto flutuante estava movimentado, com seus estivadores, guindastes e empilhadeiras. Um homem que andava por ali nos reconheceu e acenou. Era o Calisto, um dos vizinhos do cortiço. Descalço, só de calção, ele esperava uma ordem para descarregar caixas de produtos eletrônicos. Eu não sabia que ele trabalhava aos domingos no porto. Calisto se livrara das garras de Estelita Reinoso, mas agora tinha de agüentar outro peso".

Transcrito de "Dois Irmãos", romance de Milton Hatoum (pág. 240). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Milton Hatoum é amazonense de Manaus. Professor de literatura na Universidade do Amazonas e na Universidade da Califórnia (Berkeley). Dois Irmãos é seu segundo romance, ganhador do Premio Jabuti, como o primeiro "Relato de um certo Oriente".

Dois irmãos é a história de gêmeos que, qual Caim e Abel, se digladiam, enquanto o narrador busca sua identidade no seio de uma familia de imigrantes árabes - sírios para ser mais preciso. Os amores e conflitos familiares são o veio de um narrador que busca sua identidade.

O romance tem também, como pano de fundo, o cenário de uma cidade formada por imigrantes, no meio da floresta amazônica, em processo de transformação. A arquitetura e modo de vida iniciado no ciclo da borracha dá lugar ao polo que se industrializa.

Hatoum constrói um texto envolvente com uma escrita prazeirosa e de textura delicada, quase poética. Um texto tão intenso quanto as relações afetivas que situa no coração de uma família de imigrantes.
Por F@bio

domingo, 8 de abril de 2012

Porto - Eduardo Júlio

Porto

"Diante da eternidade deste cais

O silêncio é sobra do abandono


A ausência tem cor azul e dói

Como se não fosse céu

Aquele mar que pretendíamos


O próximo silêncio parece leve

Mas por instantes

Cala uma cumplicidade."


(Poema do livro de poesia Alguma Trilha Além, Edição Secma, 2006, reproduzido em Suplemento Cultural & Literário JP Guesa Errante Anuário, São Luis (MA), n.7, 2009).

Eduardo Júlio, maranhense, poeta e jornalista, nos fala do silêncio que dói em nossos corações, um porto abandonado, sonhos partidos, cais de eternas partidas, amores compartidos, cúmplices...
Por F@bio

domingo, 1 de abril de 2012

A Grande Viagem - Paulo Cesar Pinheiro

O mar tem muito mistério,
A vida muito segredo.
O mar às vezes assusta,
A vida às vezes dá medo.

A gente é só marinheiro,
A vida é como oceano.
No mar tem barco-fantasma,
Na vida tem desengano.

O mar é pura aventura,
A vida é a grande viagem.
Por isso o mar tem quimera
E tem a vida miragem.

O mar é estrada comprida,
A vida é um barco no mar.
O mar vai dar em que vida?
E a vida onde é que vai dar?



Do  livro "Clave de Sal", Editora Griphus. Recolhidos dos sites "releituras" e "sopa de poesia".
Obtido de http://quintalvelho.blogspot.com.br/2011/05/poesia-de-paulo-cesar-pinheiro.html

Paulo César Francisco Pinheiro, carioca, compositor e poeta brasileiro. Já no final da década de 1960, começou a destacar-se como letrista estabelecendo parcerias com Baden Powell, principalmente na voz de Elis Regina. Seu disco de estreia - Paulo César Pinheiro - foi lançado em 1974 e muitos outros trabalhos vieram depois.
A grande viagem é o caminho da vida, que nossos corpos feito navios vão singrando, levados pelo vento, sina ou designo. Se há desengano, medo, susto e segredo, há aventura, descoberta, prazer e alegria. O mar e o amar, viajar levado pela briza do amor....
por F@bio

domingo, 25 de março de 2012

O Captain! My Captain! - Walt Whitman

O Captain! My Captain!

O Captain! my Captain! our
fearful trip is done,
The ship has weather'd every
rack, the prize we sought is won,
The port is near, the bells I hear,
the people all exulting,
While follow eyes the steady keel,
the vessel grim and daring;
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.


O Captain! my Captain! rise up
and hear the bells;
Rise up--for you the flag is flung--
for you the bugle trills,
For you bouquets and ribbon'd
wreaths--for you the shores a-
crowding,
For you they call, the swaying
mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head!
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his
lips are pale and still,
My father does not feel my arm,
he has no pulse nor will,
The ship is anchor'd safe and
sound, its voyage closed and done,
From fearful trip the victor ship
comes in with object won;
Exult O shores, and ring O bells!
But I with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

Oh Capitão! Meu Capitão

Oh capitão! Meu capitão! Nossa
viagem cheia de medo está acabada;
O navio resistiu a cada tormenta,
o preço que pagamos é a vitória;
O porto está perto, os sinos eu ouço,
as pessoas todas exaltadas,
Enquanto olhos seguem a firme quilha,
o barco sinistro e ousado;
Mas oh coração! coração! coração!
Oh o sangue escorrendo vermelho,
Onde no deck meu capitão jaz,
Abatido frio e morto.

Oh capitão! Meu capitão! Levante
e ouça os sinos;
Levante, para você a bandeira flamula,
para você a corneta soa;
Para você ramalhetes e faixas adornam,
por você as praias estão enchendo;
Por você eles chamam,
a oscilante massa, suas faces ambiciosas mudando;
Aqui capitão! Querido Pai!
Esse braço envolvendo sua cabeça;
Será um sonho?
Você abatido frio e morto.

Meu capitão não responde,
seus lábios estão pálidos e imóveis;
Meu pai não sente meu braço,
ele não tem pulso nem vontade;
O navio está ancorado a salvo e saudável,
a viagem está terminada e feita;
De uma viagem cheia de temores, o navio vitorioso,
adentra com sua missão cumprida;
Exaltem, Oh praia, e toquem, Oh sinos!
Mas eu, com triste passadas,
Ando no deck em que meu capitão jaz,
Abatido frio e morto.

Tradução: Leonardo Meimes


Walt Whitman, nascido em Long Island, Estados Unidos, a 31 de Maio de 1819, foi um poeta, ensaísta, jornalista e humanista estadunidense. Considerado por muitos o maior poeta dos Estados Unidos, é visto como o primeiro poeta urbano. Ninguém como ele até então enalteceu, com versos soberbos, o regime dos Estados Unidos da América, além de ter iniciado a emancipação da literatura do seus país do costume de imitar os europeus.

Obtido de: http://www.miniweb.com.br/Literatura/Artigos/walt_whitman.html

Nestes versos ao feito de capitão libertador, já se vê a semente do tão forte sentimento de americanidade dos nascidos nos EUA. Versos que enaltecem quem deu a própria vida para alcançar a vitória. Lembram o hino nacional brasileiro "ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil!" A nau que alcançou o porto íntegra, já não pode mais contar com seu capitão. Venceu-se a tormenta e a nau é saudada no porto, mas a carga que chega a seu destino é pesada demais, pois nela se encontra o corpo defunto do seu capitão. Essa a beleza lírica de Whitman.
Por
F@bio

domingo, 4 de março de 2012

Cais - Sophia Andresen


"Para um nocturno mar partem navios,
Para um nocturno mar intenso e azul
Como um coração de medusa
Como um interior de anémona.
Naturalmente
Simplesmente
Sem destruição e sem poemas,
Para um nocturno mar roxo de peixes
Sem destruição e sem poemas
Assombrados por miríades de luzes
Para um nocturno mar vão os navios.
Vão
O seu rouco grito é de quem fica
No cais dividido e mutilado
E destruído entre poemas pasma."


Obtido de: http://www.maricell.com.br/sophiandresen/sophia13.htm


Poetisa e contista portuguesa, nasceu no Porto, de família aristocrática, onde viveu até aos dez anos, quando se mudou para Lisboa. De origem dinamarquesa por parte do pai, a sua educação decorreu num ambiente católico e culturalmente privilegiado que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, não tendo todavia chegado a concluí-lo.

Teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores.

O mar noturno de Sophia Andresen era o regime de Salazar, que entrevou Portugal. Ela foi a luz, com sua poesia delicada e seu ativismo decidido. Portugal, onde os assombrados pelo obscuro regime lançavam-se ao mar também turvo, no cais ficavam os gritos roucos dos que enfrentaram a medusa. Talvez divididos, certamente mutilados. Poemas destruidos.
Por
F@bio







sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Cais - Narciso de Andrade

De: Narciso de Andrade

"1.

Com tanto navio para partir
minha saudade não sabe onde embarcar…

2.

A água comove a pedra
que parece fremir levemente.
Na oscilação breve das marolas
Há homens malogrando olhares
vagos, indecisos, alongados.

3.

(Completa ausência de tempo.
O calendário se desfaz
nas sombras, na brisa e na anatomia
recortada do estuário…).


Cambía todos os tons
esta angústia à flor da água.


4.

Não há gaivotas nem quaisquer
outros pássaros oceânicos.
Todavia, aquela espuma brilhante
sugere o roçar logo de algum.

5.

Vem do passado a romântica
sugestão de velas pandas.
Itinerários de descobertas,
roteiros de constelações,
ilhas remotas habitadas
por estranhos povos inocentes
--- pele morena, olhos ariscos,
porte severo, movimentos puros
de corpos ao vento e ao sol.


6.

Sirene arrepiando
a epiderme do meio-dia.


7.

Silenciosamente pesados
firmam-se nas horas os navios,
fortuitos donos do porto,
transitórios proprietários
de metros de alvenaria
que fazem maior a tristeza
da imensa nostalgia portuária.


Ah! receber todos os adeuses,
todos os abraços, todos os olhares
de ida e volta e permanecer
ancorado na paisagem imutável."



Narciso de Andrade jornalista, advogado e poeta, nascido em São Paulo, mas santista por adoção e adoração. Trabalhou no Diário e em A Tribuna, como jornalista e colaborador. Foi também da Light e Eletropaulo, nesta como advogado. Participou do grupo de poetas chamado "pesquisistas" que tudo investigava sobre literatura e poesia. Foi auto intitulado poetirmão de Roldão Mendes Rosa.
Em seu magnífico poema Cais sentimos vontade de embarcar na poesia de Narciso, ainda hoje inédita em livro. Seus versos são nostálgicos e de uma beleza lírica impar, especialmente revelada em: "Com tanto navio para partir /minha saudade não sabe onde embarcar…"
Por