“Com 19 anos e ideia fixa em cinema, Glauber se sentia pronto para fazer o seu primeiro filme. O curta seria uma experiência narrativa radical. Sem narrativa. Sem palavras nem música. Sem histórias nem símbolos. Sem razões nem sentimentos. Sem literatura nem psicologia. Influenciado apenas pela poesia concreta, Glauber desenvolveu o roteiro de Pátio imaginando apenas formas e movimentos, luzes e sombras, pretos e brancos. Na trilha sonora, só ruídos, sons eletroconcretistas.
O filme seria estrelada por Helena Ignez, contracenando com o belo Solon, da Escola de Teatro, e filmado em um lindíssimo pátio de um velho casarão na Ladeira Mauá, com piso de cerâmica em preto e branco, como um grande tabuleiro de xadrez cercado de árvores e sombras. E ao fundo o mar da Bahia brilhando ao sol.
Para Glauber, além de cinema poético concretista, Pátio era um filme de amor, para Helena. Para revelar sua beleza e sua presença de atriz.”
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“No Rio de Janeiro, Glauber fez a montagem definitiva e acrescentou a trilha sonora ... Pátio foi exibido junto com Caminhos, o primeiro curta do amigo Saraceni, em concorrida sessão-dupla na casa da artista plástica Lígia Pape, com a presença do grande crítico de arte Mário Pedrosa, o artista de vanguarda Hélio Oiticica, o poeta Ferreira Gullar, o escultor Amílcar de Castro e boa parte dos editores do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB), que era o grande palco, vitrine e tribuna da poesia concreta. Além de muitos artistas e jornalistas, belas mulheres e alguns penetras.
Os dois filmes foram recebidos com grande entusiasmo pelos convidados. Mas ninguém fez mais sucesso do que a exuberante Helena Ignez, a mais festejada da noite, deixando Glauber de olho vivo, faro fino e orelha em pé. Era uma perfeita festa carioca, movida a uíque, jazz e bossa nova, cheia de conquistadores e de mulheres liberais, com pequenos grupos discutindo cultura e política.”
Trechos do livro “A primavera do Dragão – A juventude de Glauber Rocha”, de Nelson Motta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. Pags: 160 a 163
Como está na orelha do livro, “Nelson Motta é fascinado por personagens anárquicos, radicais, doidões com causa, artistas notáveis que perseguem seu sonho com potência criativa. Depois de Vale Tudo, a biografia eletrizante de Tim Maia, o jornalista, escritor e produtor musical reconstitui a juventude do cineasta Glauber Rocha, ícone de uma geração excepcional”.
O livro é de fato uma ótima leitura, narrando a infância e juventude de Glauber Rocha, num Brasil que se transformava a passos largos e num ambiente de efervescência política e cultural. Uma época de expansão criativa: bossa nova, cinema novo, poesia concreta, teatro do oprimido e de arena, e diversos outros movimentos de cultura popular. Mas também de carência de recursos e pleno de improvisações, tanto que o lema do cinema novo era “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
Glauber propõe uma nova forma de fazer cinema: nada de cenários e medalões. Inspirado no realismo italiano, usa locações do mundo real que retrata. Valoriza a dramaturgia, o argumento e personagens do povo. E foi com muita garra, improvisação e parcos recursos que conseguiu levar o seu Deus e o Diabo na Terra do Sol para o Festival de Cannes, um dos mais notáveis palcos do cinema no planeta, onde se consagrou.
Nelson Motta fez inúmeras entrevistas e acessou preciosos arquivos de amigos e familiares de Glauber. Escreveu o livro com seu jeito dinâmico e fluido de narrar, com humor e maestria. O livro, mais do que uma biografia, é um retrato de uma época onde o sonho embalou corações e mentes. Uma biografia em ritmo de romance, fazendo um recorte da vida de Glauber, partindo do seu nascimento, passando pela infância e juventude, até o seu desabrochar como vulcão criativo, falastrão e libertário, que muito contribuiu para moldar a cultura brasileira.
Boa leitura e diversão!
Por F@bio