De: Alessandro Atanes
"Duas coisas que devem ser ditas sobre esta pequena história dos portos como cenário na representação artística. A primeira é que o conteúdo histórico das obras não se restringe somente aos fatos: os temas e as formas também evoluem, dialogam com o tempo em que foram criadas e com os seguintes. Isso é o que talvez explique a semelhança temática entre cenas do romance "Navios Iluminados", do escritor Ranulpho Prata, e detalhes das pinturas de Quinquela Martin, sobre o porto de Buenos Aires.
A outra é que – de forma simplificada, mas válida – se o historiador do porto deve ler as estatísticas, é pela imersão no imaginário artistico que ele capta os temores dos indivíduos, ainda que os personagens do romance estejam no bairro do Macuco das décadas de 20 e 30 ou sejam trabalhadores sem rosto nas imagens da Boca, o bairro portuário de Buenos Aires, que no mesmo período foram pintados por Quinquela.
Essas imagens revelam desses objetos mecânicos imensos um aspecto monstruoso comum nos temas portuários de Quinquela, assim como em Mortona, do santista Athayde Lopes. Em Navios Iluminados, publicado em 1937 (portanto, contemporâneo de Quinquela), Ranulpho Prata descreve o primeiro dia de funcionamento de uma grab. A história se passa entre o final da década de 20 e início da seguinte, momento de expansão do porto.
O [guindaste] palmeira botou toda sua eletricidade, esticou o rabo possante e levantou a grab que lá se foi pelos ares, como uma aranha descomunal, em procura do porão do cargueiro inglês Amberton, que trazia carvão de Cardiff.
O barco vinha de barriga cheia, a carga beijando a boca da escotilha. A máquina escancarou as mandíbulas medonhas, enterrou os dentes na massa negra e derramou na galera três toneladas de carvão de uma so vez. Chegara recentemente e eram as primeiras experiências que faziam. O pessoal da turma [de estivadores] 65 espiava, curioso, o manejo da bicha.
As obras de Prata e Quinquela registram a mesma realidade. Para descrevê-lo, recorrem ao expressionismo da prosopopéia, aquela figura de linguagem dos seres inanimados – no caso, guindastes e navios – representados como animais. É no próprio campo da arte, no exagero das tintas e na distribuição das cores, que as obras conversam. Mais que cenário social, essa é a história que têm em comum.
Isolamento - As obras tamém se parecem pela forma como isolam o bairro portuário do resto da cidade, distanciando o cais e a vida urbana: físico, no caso da pintura tendo as fábricas urbanas como fundo; ou econômico, como as limitações de transporte do personagem do romance.
O protagonista de Navios Iluminados, José Severino de Jesus, só deixa o bairro portuário em situações especificas e sobre as quais a narrativa geralmente se encolhe em passagens bem ligeiras. Na obra de Prata, o bairro portuário é o exclusivo universo de Severino e de outros milhares de trabalhadores do porto que compartilham aquele bairro “de chalés de madeira muito parecidos uns com os outros, como gente da mesma familia”.
Ao concentrar a ação no Macuco, o autor estabelece uma oposição entre o bairro e o resto da cidade, desconhecido e inóspito. Em Santos não são longas as distâncias físicas e o restante da cidade – suas praias, seus cassinos, suas avenidas – não fazia parte da vida de Severino, totalmente voltada ao trabalho e à tentativa de deixar a miséria para trás.
O isolamento é semelhante nas pinturas de Quinquela. O resto de Buenos Aires só é indicado pelas chaminés no horizonte, cuspindo fumaça, também nos informando sobre o desconhecido e o inóspito.
Com as cores de suas pinturas na memória, a poeta Júlia Prilutzki Farny escreveu o seguinte sobre o bairro portuário e seu contraste com o resto da cidade no ensaio biográfico sobre o artista:
“Sim, claro que a Boca é diferente. Não só representa a melhor linhagem do nosso portismo [porteñismo], senão talvez – e sim talvez – o único lugar da cidade com vida própria. Com fascinação própria. Onde as cinzas que nivelam nossa visão citadina das coisas e dos homens se incendeiam em cores vibrantes e violentas: vermelho, verde, amarelo, azul. (...) A Boca é, talvez, nossa única esperança de cor. E de calor.”
O expressionismo da prosopopéia e o isolamento geográfico dessas duas representações artísticas são rastros que permitem um entendimento do espaço portuário além dos fatos. Se, como dizem alguns críticos, o horror é uma sensação própria do mundo atual, as obras de Prata e Quinquela contribuem de forma privilegiada para seu entendimento.
Quinquela
Quinquela Martin (1890-1977) é filho adotivo de um carvoeiro do bairro da Boca. Nos primeiros anos do século XX, chegou à adolescência no turbilhão político das greves do período. Passa a frequentar a Sociedade União da Boca, onde recebe aulas de desenho e pintura. Em 1916, já era assunto das resenhas críticas e das revistas de arte. Começa a expor pelo país e, em 1920, faz sua primeira exposição internacional, no Rio de Janeiro. Após anos de viagens, volta para o bairro portuário e dali não sairia mais. O amor e o sentimento de pertencer ao seu bairro foram materializados em doações de bens que construíram escolas e teatros, numa espécie de retribuição do pintor. Crepúsculo no Estaleiro, um óleo sobre tecido pintado em 1924, é a obra de que mais gostava e até hoje está na Boca. (Na reprodução ao lado, fragmento da tela Descarga de carbon con Grampas, de 1928)
Athayde
Nascido em Santos, Athayde Lopes tem hoje 74 anos. Desde o início de seus estudos, nos anos 40 e 50, o porto tem sido um tema recorrente em sua obra, mais conhecida fora da cidade e no exterior. Nova York, por exemplo. Conta que o porto era seu lugar favorito para armar o cavalete, “era tudo aberto, não havia restrições, a gente ia onde queria”. As cores, as dimensões dos aparelhos e navios, os guindastes laranjas, as massas escuras, os tons vigorosos do cais forjaram sua pintura — “são coisas que dão muitos elementos criativos, além de ser ambiente que está impregnado na alma dos santistas”. Apesar das exposições em salões, prêmios, muitas mostras individuais (ele inaugurou, por exemplo, a antiga galeria do Banco do Brasil) não vivia de pintura, o que só foi fazer após aposentar-se como publicitário. “Foi quando passei a lidar com marchands e exibir em galerias, o que sempre relutei em fazer no passado”, conta. E ainda sobra tempo para o pintor, que se considera um impressionista, dar aulas de pintura, “mas agora só para dez alunos, não mais que isso”. (A reprodução que abre a matéria é da tela Mortona, de 1999.)
Prata
Em 1937, quando publicou Navios Iluminados, Ranulpho Prata (1896-1942) já era um escritor experiente. Estudou medicina em Salvador e no Rio de Janeiro onde se torna amigo de Lima Barreto e Jackson de Figueiredo. Em 1927 Prata consegue uma vaga na Santa Casa de Santos e trabalha também na CDS. Considerava a literatura seu ofício e já tinha livros publicados reconhecidos. De sua experiência na cidade resultou Navios Iluminados, romance que marca o fim da literatura proletária com a emergência, em 1937, do Estado Novo. Premiado pela Academia Brasileira de Letras, Navios Iluminados foi traduzido para o espanhol (Vapores iluminados, 1940) e reeditado outras três vezes no Brasil: Clube do Livro (1946), Edições O Cruzeiro (1959) e Prefeitura de Santos com a editora Scritta (1996)."
Obtido de http://www.jornaldaorla.com.br/noticias_integra.asp?cd_noticia=2492
Estava buscando um texto que fizesse a ponte entre a literatura e as artes plásticas, eis que me deparei com a resenha de Alessandro Atanes, com o sugestivo título "Os belos horrores dos portos", publicada no Jornal da Orla, coluna Porto Cidade, em 27/07/2008. Alguns textos postados neste blog fazem uma descrição da realidade portuária com uma visão que remete a filme de horror: monstros devoradores gigantes e trabalhadores vergados pela pesada carga de trabalho. Algumas telas postadas também remetem a esse imaginário. Alessandro Atanes escreve uma bela crônica sobre dois grandes artistas plásticos, um portenho outro santista, e um escritor santista e nos desperta o desejo de conhecer mais de suas obras, além dos fragmentos que nos apresenta, aqui reproduzidos.
Leia entrevista com Alessandro Atanes em http://cinezencultural.com.br/site/2009/04/16/entrevista-alessandro-atanes/
Por
F@bio
A idéia é, como um navio cargueiro, recolher e reunir escritos da literatura que nos encantaram. Que tal navegar comigo, sugerir, criticar, interagir? Poste seu comentário e torne-se um amigo do Blog.
domingo, 9 de janeiro de 2011
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Cais - J.G. de Araújo Jorge
De: J.G. de Araújo Jorge
Cid Silveira - 1910
"Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,
a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.
Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.
O ar empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.
E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.
Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.
Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heróica a existência dos homens do povo,
os trabalhadores das docas de Santos."
(Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )
Obtido de http://www.jgaraujo.com.br/antologia/ci_cais.htm
Para falar de JG de Araújo Jorge, além do que já escrevi na primeira postagem de 12 de fevereiro de 2010, recorro agora a uma crítica literária de Carlos de POVINA CAVALCANTI que diz: "José Guilherme de Araújo Jorge. 19 anos de idade. Tez pálida. Fronte larga. Olhar inquieto. Movimentos nervosos. Ar de abstração e de sonho.Com essa ficha, o adolescente autor deste livro ("Meu céu interiror" - 1a. edição- Setembro de 1934) seria identificado em qualquer porto literário, aonde os bons ventos da imaginação o levassem, velejando com a alma da poesia".
Cais é um poema que retrata a realidade dura do trabalho da estiva no porto de Santos, no terminal de enxofre, pó amarelo que tinge e corroi os homens, minério que simboliza o inferno, qual o cenário do porto apresentado por Jorge.
Por F@bio
Cid Silveira - 1910
"Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,
a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.
Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.
O ar empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.
E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.
Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.
Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heróica a existência dos homens do povo,
os trabalhadores das docas de Santos."
(Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )
Obtido de http://www.jgaraujo.com.br/antologia/ci_cais.htm
Para falar de JG de Araújo Jorge, além do que já escrevi na primeira postagem de 12 de fevereiro de 2010, recorro agora a uma crítica literária de Carlos de POVINA CAVALCANTI que diz: "José Guilherme de Araújo Jorge. 19 anos de idade. Tez pálida. Fronte larga. Olhar inquieto. Movimentos nervosos. Ar de abstração e de sonho.Com essa ficha, o adolescente autor deste livro ("Meu céu interiror" - 1a. edição- Setembro de 1934) seria identificado em qualquer porto literário, aonde os bons ventos da imaginação o levassem, velejando com a alma da poesia".
Cais é um poema que retrata a realidade dura do trabalho da estiva no porto de Santos, no terminal de enxofre, pó amarelo que tinge e corroi os homens, minério que simboliza o inferno, qual o cenário do porto apresentado por Jorge.
Por F@bio
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Cais do Corpo - Mônica Salmaso
De: Mônica Salmaso
"Era uma rua estreita, barulhenta
com gente andando por todo canto
ele pensou sonhar estar num cais
no cais do porto de Santos
Luminosos em neon colorido
piscavam nos hotéis, bares
restaurantes, boates
dizendo nomes dos mares
Mas viu que era real
que as mulheres o chamavam
oferecendo o seu corpo
cais do porto, cais do porto
De repente a voz
de uma mulher, Maria
que parada à sua frente
uma mesma frase repetia
Maria fazia poesia sem pensar
ser poesia o que queria dizer
na cama para os fregueses
para si mesma sem querer
Maria inventava coisas lindas
com as quais encobria
o nome dos sexos
e o que se fazia com eles todos os dias
Ficou famosa por inventar
ser seu sexo um cais
o doce cais do seu corpo
onde o sexo dos machos podia vir atracar
Ela via naquele homem
com o olhar perdido
vagando, sem a ver
tanto pedido de prazer
E lhe dizia, e repetia
cais do corpo, cais do corpo
O encontro dos dois
apagou as ruas, os hotéis
calou os luminosos
as boates, os bordéis
Tudo vinha em ondas
arrepios, explodindo em gozo
um dentro do outro
no cais do corpo, no cais do corpo
Como vem do mar
o barco navegante
no cais do porto atracar
Vem vindo do amor
o barco do amante
no cais do corpo atracar."
Obtido de letras.com.br em 17 de novembro de 2010.
Cais do porto metaforico se transforma em cais do corpo. Monica Salmaso fala do porto dos amantes, dos bordeis, boates, dos encontros amorosos de marinheiros solitarios, sendentos do corpo feminino. Aconchego encontrado no corpo das mulheres da vida do cais. Mulheres-cais onde atracar o sexo, aplacar o desejo do gozo. Porto de amantes passageiros...
Monica Salmaso é cantora e tem discos com musicas de Baden e Vinicius, Tom e Vinicius, e muitos outros trabalhos que podem ser conhecidos no site: monicasalmaso.mus.br.
Por F@bio
"Era uma rua estreita, barulhenta
com gente andando por todo canto
ele pensou sonhar estar num cais
no cais do porto de Santos
Luminosos em neon colorido
piscavam nos hotéis, bares
restaurantes, boates
dizendo nomes dos mares
Mas viu que era real
que as mulheres o chamavam
oferecendo o seu corpo
cais do porto, cais do porto
De repente a voz
de uma mulher, Maria
que parada à sua frente
uma mesma frase repetia
Maria fazia poesia sem pensar
ser poesia o que queria dizer
na cama para os fregueses
para si mesma sem querer
Maria inventava coisas lindas
com as quais encobria
o nome dos sexos
e o que se fazia com eles todos os dias
Ficou famosa por inventar
ser seu sexo um cais
o doce cais do seu corpo
onde o sexo dos machos podia vir atracar
Ela via naquele homem
com o olhar perdido
vagando, sem a ver
tanto pedido de prazer
E lhe dizia, e repetia
cais do corpo, cais do corpo
O encontro dos dois
apagou as ruas, os hotéis
calou os luminosos
as boates, os bordéis
Tudo vinha em ondas
arrepios, explodindo em gozo
um dentro do outro
no cais do corpo, no cais do corpo
Como vem do mar
o barco navegante
no cais do porto atracar
Vem vindo do amor
o barco do amante
no cais do corpo atracar."
Obtido de letras.com.br em 17 de novembro de 2010.
Cais do porto metaforico se transforma em cais do corpo. Monica Salmaso fala do porto dos amantes, dos bordeis, boates, dos encontros amorosos de marinheiros solitarios, sendentos do corpo feminino. Aconchego encontrado no corpo das mulheres da vida do cais. Mulheres-cais onde atracar o sexo, aplacar o desejo do gozo. Porto de amantes passageiros...
Monica Salmaso é cantora e tem discos com musicas de Baden e Vinicius, Tom e Vinicius, e muitos outros trabalhos que podem ser conhecidos no site: monicasalmaso.mus.br.
Por F@bio
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Marinheiro Só - Caetano Veloso
Marinheiro Só
(domínio público)
"Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da Bahia
Marinheiro só
De São Salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só
Todo de branco
Marinheiro só
Com seu bonezinho
Marinheiro só
Ô, marinheiro, marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só"
Essa música é do folclore popular, mas foi Caetano Veloso quem a resgatou e a fez conhecida de todos nós. Dia 13 de dezembro é o dia do Marinheiro e o Cargueiro de Letras não poderia deixar de registrar e prestar homenagem àqueles que se lançam no mar, em cargueiros mercantes, em transatlânticos de turismo ou em navios das marinhas. Enfrentando vagas enormes, ventos violentos, angústia, doenças do corpo e da mente, tempestades e raios, saudade, nostalgia, solidão, incertezas da viagem, o desconhecido, o imprevisto, o Monstrengo dos mares, na figura criada por Fernando Pessoa.
A gravação de Caetano é muito vibrante, com um coro bem folclórico e belos solos de guitarras.
Por F@bio
(domínio público)
"Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da Bahia
Marinheiro só
De São Salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só
Todo de branco
Marinheiro só
Com seu bonezinho
Marinheiro só
Ô, marinheiro, marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só"
Essa música é do folclore popular, mas foi Caetano Veloso quem a resgatou e a fez conhecida de todos nós. Dia 13 de dezembro é o dia do Marinheiro e o Cargueiro de Letras não poderia deixar de registrar e prestar homenagem àqueles que se lançam no mar, em cargueiros mercantes, em transatlânticos de turismo ou em navios das marinhas. Enfrentando vagas enormes, ventos violentos, angústia, doenças do corpo e da mente, tempestades e raios, saudade, nostalgia, solidão, incertezas da viagem, o desconhecido, o imprevisto, o Monstrengo dos mares, na figura criada por Fernando Pessoa.
A gravação de Caetano é muito vibrante, com um coro bem folclórico e belos solos de guitarras.
Por F@bio
domingo, 12 de dezembro de 2010
Um Homem no Cais - Manoel de Andrade
De: Manoel de Andrade
"Que saldo trago da vida?!
da existência escassa e vadia que vivi?!
que emoções puderam transfigurar meu coração de marinheiro
e desviar meus passos do caminho do cais?!
eu, que tornei meu corpo ambulante
a vagar de porto em porto em busca de um navio!
em busca de um destino qualquer que flutuasse
e me levasse pra bem longe e sem destino,
fazendo de mim um homem sem pátria e sem ninguém!
Ah, minha vida…
imenso cais deserto!
e eu a perambular pelas cidades portuárias
em busca de um capitão!
minha vida sem sal e sem sol!
sempre à sombra dos grandes cascos,
aspirando as emanações das coisas marítimas,
derivando pela atmosfera buliçosa dos portos!
Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais!
a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mercadorias!
e depois, cansado e com os pés doídos
sentar-me na calçada dos armazéns
para ver os estivadores e os guindastes em movimento
e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões.
Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas!
e com os que vivem para partir ao largo e ao distante!
ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes!
gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas!
gente de terra que entra e sai das docas,
vigias, conferentes, administradores do porto, despachantes, funcionários das capitanias,
homens dos rebocadores, dragas, barcaças,
dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras
oficiais de bordo, embarcadiços,
tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos navios
Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar!
ah, marinheiros debruçados nas amuradas
a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais!
a que distância estás da tua pátria?!
há quanto tempo não beijas tua amada?!
Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados!
olhando os navios que chegam e os navios que saem;
os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías;
os que vêm chegando com as manhãs de sol
e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem iluminados
Ah, meu barco que nunca chega e que nunca parte!
enquanto te aguardo, caminho pela areia colorida das praias
e pelo dorso dos planaltos!
e hoje,
depois de tanto andar
sem bússola
sem cansaço
e quase comovido com minha vida vagabunda
eu, com vinte e sete anos de idade,
conhecendo dezessete estados do meu país imenso
e mais três nações do continente americano
trago ainda meu sonho imaculado
e minhas retinas dilatadas para visões mais amplas e azuis.
De tantas cidades percorridas,
de tantos rios atravessados,
trago apenas
a nostalgia de terras que não vi
e a saudade do marinheiro que não fui!
Quantos anos vividos
ao lado e na distância do homem que me deixei num cais
sem barco e sem destino!
Ah, meu sonho!
minha vida naufragada.
Eu contemplo a mim mesmo
o rapaz que foi a pique numa tarde de novembro.
Tudo, ah, tudo em mim partiu pro mar!
e eu fiquei ausente
sempre algemado ao momento da partida
com um nó atravessado na garganta do meu sonho!
E agora
meu canto marítimo
chega ainda com a brisa dos oceanos
e na maré alta
banha meu sonho primeiro
e quem sabe, o derradeiro.
Nesse tempo de embarque
tudo esteve pronto e ainda está:
meu passaporte, meu diário em branco,
o violão e o poeta;
meu corpo sadio e forte para as tarefas de bordo
e a imaginação que escolheu as roupas de trabalho
e o traje para descer nos portos escalados:
camisa e sapatos brancos, o paletó azul-marinho
e a calça acinzentada;
a pele bronze, a barba bem crescida
e no peito tatuado qualquer nome de mulher
que eu diria ser o nome da mulher amada.
Vivendo deste sonho
eu fui partindo…
embarcava com os tripulantes
e estava no convés de tudo o que se fazia ao mar
e desaparecia na curva do horizonte.
eu também acenei para os que ficavam
eu acenei a mim mesmo.
Parti com os navios mercantes, vasos de guerra,
transatlânticos, escunas, veleiros…
fiz amigos e inimigos entre marinheiros,
aprendi a língua deles
trabalhei, ri, cantei, me embriaguei com eles.
desci em portos de países longínquos e misteriosos,
conheci outros continentes,
salguei meus olhos nas águas de todos os oceanos
e dos mares interiores,
senti meu coração seduzido pela beleza das baías e enseadas,
golfos e estreitos,
e tudo que eu vi…
ah, perdão!
tudo o que eu vi foi com a imaginação apenas!
eu nunca fui além do cais!
são estórias que ouvi de marinheiros!
de livros que li há muito tempo.
Mas ai de mim!
vivendo deste sonho
eu fui morrendo em tudo mais na minha vida.
e assim, o que de bom esteve ao meu alcance
e que poderia encher meu coração em terra firme
foi sempre provisório e desbotável.
O amor, o grande amor, não sei quem foi, não percebi…
os anos cresceram pesados e exigentes
e a única herança recebida
foi o imenso mar que se espraiou na minha infância.
Ah, meus dias foram outros!
e tudo o que de mim restou de belo,
está distante
está no mar
e nesta ânsia de cantar"
Curitiba, setembro – 1968 - Este poema consta do livro “CANTARES” editado por ESCRITURAS Editora.
Obtido em http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/05/26/um-homem-no-cais-poema-de-manoel-de-andrade/ em 11/12/2010
Encontrei esse poema do Manoel de Andrade meio por acaso e me encantei com beleza poética de "Um homem no cais". Me identifiquei particularmente com o trecho "a nostalgia de terras que não vi / e a saudade do marinheiro que não fui!". Em minha adolescência/juventude, passada em Niterói, um dos meus lugares preferidos era a ponte da ilha da Boa Viagem, onde contemplava o ir e vir dos navios, e em muitos momentos senti a nostalgia das terras em que não estive e a saudade de viajante que também nunca fui, mas sonhei ser.
Manoel de Andrade, um poeta e militante da luta pela liberdade, foi perseguido e teve que se exilar em países da América Latina. De volta ao Brasil, viveu na clandestinidade e desenvolveu uma vida de sucesso em sua atividade profissional. A poesia foi retomada em 2007 com o lançamento de Cantares. Há uma interessante entrevista em que ele relata um pouco de seu percusso e de sua poesia em http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=114089&id_secao=11, mesmo site de onde obtive a foto.
Por F@bio
"Que saldo trago da vida?!
da existência escassa e vadia que vivi?!
que emoções puderam transfigurar meu coração de marinheiro
e desviar meus passos do caminho do cais?!
eu, que tornei meu corpo ambulante
a vagar de porto em porto em busca de um navio!
em busca de um destino qualquer que flutuasse
e me levasse pra bem longe e sem destino,
fazendo de mim um homem sem pátria e sem ninguém!
Ah, minha vida…
imenso cais deserto!
e eu a perambular pelas cidades portuárias
em busca de um capitão!
minha vida sem sal e sem sol!
sempre à sombra dos grandes cascos,
aspirando as emanações das coisas marítimas,
derivando pela atmosfera buliçosa dos portos!
Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais!
a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mercadorias!
e depois, cansado e com os pés doídos
sentar-me na calçada dos armazéns
para ver os estivadores e os guindastes em movimento
e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões.
Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas!
e com os que vivem para partir ao largo e ao distante!
ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes!
gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas!
gente de terra que entra e sai das docas,
vigias, conferentes, administradores do porto, despachantes, funcionários das capitanias,
homens dos rebocadores, dragas, barcaças,
dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras
oficiais de bordo, embarcadiços,
tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos navios
Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar!
ah, marinheiros debruçados nas amuradas
a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais!
a que distância estás da tua pátria?!
há quanto tempo não beijas tua amada?!
Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados!
olhando os navios que chegam e os navios que saem;
os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías;
os que vêm chegando com as manhãs de sol
e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem iluminados
Ah, meu barco que nunca chega e que nunca parte!
enquanto te aguardo, caminho pela areia colorida das praias
e pelo dorso dos planaltos!
e hoje,
depois de tanto andar
sem bússola
sem cansaço
e quase comovido com minha vida vagabunda
eu, com vinte e sete anos de idade,
conhecendo dezessete estados do meu país imenso
e mais três nações do continente americano
trago ainda meu sonho imaculado
e minhas retinas dilatadas para visões mais amplas e azuis.
De tantas cidades percorridas,
de tantos rios atravessados,
trago apenas
a nostalgia de terras que não vi
e a saudade do marinheiro que não fui!
Quantos anos vividos
ao lado e na distância do homem que me deixei num cais
sem barco e sem destino!
Ah, meu sonho!
minha vida naufragada.
Eu contemplo a mim mesmo
o rapaz que foi a pique numa tarde de novembro.
Tudo, ah, tudo em mim partiu pro mar!
e eu fiquei ausente
sempre algemado ao momento da partida
com um nó atravessado na garganta do meu sonho!
E agora
meu canto marítimo
chega ainda com a brisa dos oceanos
e na maré alta
banha meu sonho primeiro
e quem sabe, o derradeiro.
Nesse tempo de embarque
tudo esteve pronto e ainda está:
meu passaporte, meu diário em branco,
o violão e o poeta;
meu corpo sadio e forte para as tarefas de bordo
e a imaginação que escolheu as roupas de trabalho
e o traje para descer nos portos escalados:
camisa e sapatos brancos, o paletó azul-marinho
e a calça acinzentada;
a pele bronze, a barba bem crescida
e no peito tatuado qualquer nome de mulher
que eu diria ser o nome da mulher amada.
Vivendo deste sonho
eu fui partindo…
embarcava com os tripulantes
e estava no convés de tudo o que se fazia ao mar
e desaparecia na curva do horizonte.
eu também acenei para os que ficavam
eu acenei a mim mesmo.
Parti com os navios mercantes, vasos de guerra,
transatlânticos, escunas, veleiros…
fiz amigos e inimigos entre marinheiros,
aprendi a língua deles
trabalhei, ri, cantei, me embriaguei com eles.
desci em portos de países longínquos e misteriosos,
conheci outros continentes,
salguei meus olhos nas águas de todos os oceanos
e dos mares interiores,
senti meu coração seduzido pela beleza das baías e enseadas,
golfos e estreitos,
e tudo que eu vi…
ah, perdão!
tudo o que eu vi foi com a imaginação apenas!
eu nunca fui além do cais!
são estórias que ouvi de marinheiros!
de livros que li há muito tempo.
Mas ai de mim!
vivendo deste sonho
eu fui morrendo em tudo mais na minha vida.
e assim, o que de bom esteve ao meu alcance
e que poderia encher meu coração em terra firme
foi sempre provisório e desbotável.
O amor, o grande amor, não sei quem foi, não percebi…
os anos cresceram pesados e exigentes
e a única herança recebida
foi o imenso mar que se espraiou na minha infância.
Ah, meus dias foram outros!
e tudo o que de mim restou de belo,
está distante
está no mar
e nesta ânsia de cantar"
Curitiba, setembro – 1968 - Este poema consta do livro “CANTARES” editado por ESCRITURAS Editora.
Obtido em http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/05/26/um-homem-no-cais-poema-de-manoel-de-andrade/ em 11/12/2010
Encontrei esse poema do Manoel de Andrade meio por acaso e me encantei com beleza poética de "Um homem no cais". Me identifiquei particularmente com o trecho "a nostalgia de terras que não vi / e a saudade do marinheiro que não fui!". Em minha adolescência/juventude, passada em Niterói, um dos meus lugares preferidos era a ponte da ilha da Boa Viagem, onde contemplava o ir e vir dos navios, e em muitos momentos senti a nostalgia das terras em que não estive e a saudade de viajante que também nunca fui, mas sonhei ser.
Manoel de Andrade, um poeta e militante da luta pela liberdade, foi perseguido e teve que se exilar em países da América Latina. De volta ao Brasil, viveu na clandestinidade e desenvolveu uma vida de sucesso em sua atividade profissional. A poesia foi retomada em 2007 com o lançamento de Cantares. Há uma interessante entrevista em que ele relata um pouco de seu percusso e de sua poesia em http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=114089&id_secao=11, mesmo site de onde obtive a foto.
Por F@bio
sábado, 20 de novembro de 2010
Mestre Sala dos Mares - João Bosco e Aldir Branc
De: João Bosco e Aldir Blanc
(palavras censuradas entre parenteses)
Obtido de http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html em 20/11/2010
A dupla João Bosco e Aldir Blanc escreveu páginas brilhantes da história da música brasileira e musicou de modo singular a história da nação. Hoje, 20 de novembro, dia da consciência negra, se homenageia também João Cândido, o almirante negro, dia certo para eu postar no Cargueiro de Letras esse samba magistral. A Revolta da Chibata teve por motivos "o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais", que tinham sido abolidos no início do século, sendo depois reativados pela Marinha para "manter a disciplina a bordo". A revolta foi vitoriosa e negociada a anistia, que foi desrespeitada. Os revoltosos foram então deportados ou presos e barbaramente tratados. João Cândido foi expulso da Marinha e viveu muitos anos atormentado pela terrível experiência daquela prisão. Viveu até os 89 anos como peixeiro, vindo a falecer em 1969. No link de onde obtive a letra há um resumo da história de João Cândido. Viva o Almirante Negro! Viva Zumbi!
Por
F@bio
(palavras censuradas entre parenteses)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro (marinheiro)
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante (almirante) negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro (marinheiro)
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante (almirante) negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar (navegar) pelo mar na alegria das regatas (com seu bloco de fragatas)
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas (negros pelas pontas das chibatas)
Inundando o coração do pessoal do porão (de toda tripulação)
Que a exemplo do feiticeiro (marinheiro) gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante (almirante) negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas (negros pelas pontas das chibatas)
Inundando o coração do pessoal do porão (de toda tripulação)
Que a exemplo do feiticeiro (marinheiro) gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante (almirante) negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
Obtido de http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html em 20/11/2010
A dupla João Bosco e Aldir Blanc escreveu páginas brilhantes da história da música brasileira e musicou de modo singular a história da nação. Hoje, 20 de novembro, dia da consciência negra, se homenageia também João Cândido, o almirante negro, dia certo para eu postar no Cargueiro de Letras esse samba magistral. A Revolta da Chibata teve por motivos "o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais", que tinham sido abolidos no início do século, sendo depois reativados pela Marinha para "manter a disciplina a bordo". A revolta foi vitoriosa e negociada a anistia, que foi desrespeitada. Os revoltosos foram então deportados ou presos e barbaramente tratados. João Cândido foi expulso da Marinha e viveu muitos anos atormentado pela terrível experiência daquela prisão. Viveu até os 89 anos como peixeiro, vindo a falecer em 1969. No link de onde obtive a letra há um resumo da história de João Cândido. Viva o Almirante Negro! Viva Zumbi!
Por
F@bio
domingo, 14 de novembro de 2010
O Monstrengo - Fernando Pessoa
O Monstrengo
De: Fernando Pessoa
Voz: Paulo Autran
"O monstrengo que está no fim do mar,
Na noite de breu ergueu-se a voar ;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme, disse tremendo,
"El-Rei D. João Segundo!"
"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o monstrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse,
"El-Rei D. João Segundo!"
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o monstrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”
Esse vídeo une a poesia de Fernando Pessoa com a interpretação de Paulo Autran. A poética não está só no rico verso de Pessoa, mas também na forma intensa de Autran declamar a ode a D.João II. A interpretação de Autran valoriza o poema e nos permite conhecer ainda mais a intensidade do texto de Pessoa. O ator empresta sua voz ao poeta
Por F@bio
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