terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Marinheiro Só - Caetano Veloso

Marinheiro Só
(domínio público)

"Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da Bahia
Marinheiro só
De São Salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só


Todo de branco
Marinheiro só
Com seu bonezinho
Marinheiro só


Ô, marinheiro, marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só"



Essa música é do folclore popular, mas foi Caetano Veloso quem a resgatou e a fez conhecida de todos nós. Dia 13 de dezembro é o dia do Marinheiro e o Cargueiro de Letras não poderia deixar de registrar e prestar homenagem àqueles que se lançam no mar, em cargueiros mercantes, em transatlânticos de turismo ou em navios das marinhas. Enfrentando vagas enormes, ventos violentos, angústia, doenças do corpo e da mente, tempestades e raios, saudade, nostalgia, solidão,  incertezas da viagem, o desconhecido, o imprevisto, o Monstrengo dos mares, na figura criada por Fernando Pessoa.
A gravação de Caetano é muito vibrante, com um coro bem folclórico e belos solos de guitarras.
Por F@bio

domingo, 12 de dezembro de 2010

Um Homem no Cais - Manoel de Andrade

De: Manoel de Andrade

"Que saldo trago da vida?!
da existência escassa e vadia que vivi?!
que emoções puderam transfigurar meu coração de marinheiro
e desviar meus passos do caminho do cais?!
eu, que tornei meu corpo ambulante
a vagar de porto em porto em busca de um navio!
em busca de um destino qualquer que flutuasse
e me levasse pra bem longe e sem destino,
fazendo de mim um homem sem pátria e sem ninguém!


Ah, minha vida…
imenso cais deserto!
e eu a perambular pelas cidades portuárias
em busca de um capitão!
minha vida sem sal e sem sol!
sempre à sombra dos grandes cascos,
aspirando as emanações das coisas marítimas,
derivando pela atmosfera buliçosa dos portos!


Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais!
a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mercadorias!
                                                                                                      
e depois, cansado e com os pés doídos
sentar-me na calçada dos armazéns
para ver os estivadores e os guindastes em movimento
e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões.


Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas!
e com os que vivem para partir ao largo e ao distante!
ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes!
gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas!
gente de terra que entra e sai das docas,
vigias, conferentes, administradores do porto,  despachantes,  funcionários das capitanias,
homens dos rebocadores, dragas, barcaças,
dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras
oficiais de bordo, embarcadiços,
tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos navios


Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar!
ah, marinheiros debruçados nas amuradas
a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais!
a que distância estás da tua pátria?!
há quanto tempo não beijas tua amada?!


Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados!
olhando os navios que chegam e os navios que saem;
os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías;
os que vêm chegando com as manhãs de sol
e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem  iluminados
                                                                      
Ah, meu barco que nunca chega e que nunca parte!
enquanto te aguardo,  caminho pela areia colorida das praias
e pelo dorso dos planaltos!
e hoje,
depois de tanto andar
sem bússola
sem cansaço
e quase comovido com minha vida vagabunda
eu, com vinte e sete anos de idade,
conhecendo dezessete estados do meu país imenso
e mais três nações do continente americano
trago ainda meu sonho imaculado
e minhas retinas dilatadas para visões mais amplas e azuis.


De tantas cidades percorridas,
de tantos rios atravessados,
trago apenas
a nostalgia de terras que não vi
e a saudade do marinheiro que não fui!
Quantos anos vividos
ao lado e na distância do homem que me deixei num cais
sem barco e sem destino!
Ah, meu sonho!
minha vida naufragada.
Eu contemplo a mim mesmo
o rapaz que foi a pique numa tarde de novembro.


Tudo, ah, tudo em mim partiu pro mar!
e eu fiquei ausente
sempre algemado ao momento da partida
com um nó atravessado na garganta do meu sonho!


E agora
meu canto marítimo
chega ainda com a brisa dos oceanos
e na maré alta
banha meu sonho primeiro
e quem sabe, o derradeiro.


Nesse tempo de embarque
tudo esteve pronto e ainda está:
meu passaporte, meu diário em branco,
o violão e o poeta;
meu corpo sadio e forte para as tarefas de bordo
e a imaginação que escolheu as roupas de trabalho
e o traje para descer nos portos escalados:
camisa e sapatos brancos, o paletó azul-marinho
e a calça acinzentada;
a pele bronze, a barba bem crescida
e no peito tatuado qualquer nome de mulher
que eu diria ser o nome da mulher amada.


Vivendo deste sonho
eu fui partindo…
embarcava com os tripulantes
e estava no convés de tudo o que se fazia ao mar
e desaparecia na curva do horizonte.
eu também acenei para os que ficavam
eu acenei a mim mesmo.
Parti com os navios mercantes, vasos de guerra,
transatlânticos, escunas, veleiros…
fiz amigos e inimigos entre marinheiros,
aprendi a língua deles
trabalhei, ri, cantei, me embriaguei com eles.
desci em portos de países longínquos e misteriosos,
conheci outros continentes,
salguei meus olhos nas águas de todos os oceanos
e dos mares interiores,
senti meu coração seduzido pela beleza das baías e enseadas,
golfos e estreitos,
e tudo que eu vi…
ah, perdão!
tudo o que eu vi foi com a imaginação apenas!
eu nunca fui além do cais!
são estórias que ouvi de marinheiros!
de livros que li há muito tempo.


Mas ai de mim!
vivendo deste sonho
eu fui morrendo em tudo mais na minha vida.
e assim, o que de bom esteve ao meu alcance
e que poderia encher meu coração em terra firme
foi sempre provisório e desbotável.
O amor, o grande amor, não sei quem foi, não percebi…
os anos cresceram pesados e exigentes
e a única herança recebida
foi o imenso mar que se espraiou na minha infância.


Ah, meus dias foram outros!
e tudo o que de mim restou de belo,
está distante
está no mar
e nesta ânsia de cantar"

Curitiba, setembro – 1968 - Este poema consta do livro “CANTARES” editado por ESCRITURAS Editora.

Obtido em http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/05/26/um-homem-no-cais-poema-de-manoel-de-andrade/ em 11/12/2010

Encontrei esse poema do Manoel de Andrade meio por acaso e me encantei com beleza poética de "Um homem no cais". Me identifiquei particularmente com o trecho "a nostalgia de terras que não vi / e a saudade do marinheiro que não fui!". Em minha adolescência/juventude, passada em Niterói, um dos meus lugares preferidos era a ponte da ilha da Boa Viagem, onde contemplava o ir e vir dos navios, e em muitos momentos senti a nostalgia das terras em que não estive e a saudade de viajante que também nunca fui, mas sonhei ser.
Manoel de Andrade, um poeta e militante da luta pela liberdade, foi perseguido e teve que se exilar em países da América Latina. De volta ao Brasil, viveu na clandestinidade e desenvolveu uma vida de  sucesso em sua atividade profissional. A poesia foi retomada em 2007 com o lançamento de Cantares. Há uma interessante entrevista em que ele relata um pouco de seu percusso e de sua poesia em http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=114089&id_secao=11, mesmo site de onde obtive a foto.
Por F@bio

sábado, 20 de novembro de 2010

Mestre Sala dos Mares - João Bosco e Aldir Branc

De: João Bosco e Aldir Blanc


(palavras censuradas entre parenteses)

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro (marinheiro) 
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante (almirante) negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar (navegar) pelo mar na alegria das regatas (com seu bloco de fragatas) 
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas (negros pelas pontas das chibatas) 
Inundando o coração do pessoal do porão (de toda tripulação) 
Que a exemplo do feiticeiro (marinheiro) gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante (almirante) negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Obtido de http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html em 20/11/2010



A dupla João Bosco e Aldir Blanc escreveu páginas brilhantes da história da música brasileira e musicou de modo singular a história da nação. Hoje, 20 de novembro, dia da consciência negra, se homenageia também João Cândido, o almirante negro, dia certo para eu postar no Cargueiro de Letras esse samba magistral. A Revolta da Chibata teve por motivos "o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais", que tinham sido abolidos no início do século, sendo depois reativados pela Marinha para "manter a disciplina a bordo". A revolta foi vitoriosa e negociada a anistia, que foi desrespeitada. Os revoltosos foram então deportados ou presos e barbaramente tratados. João Cândido foi expulso da Marinha e viveu muitos anos atormentado pela terrível experiência daquela prisão. Viveu até os 89 anos como peixeiro, vindo a falecer em 1969. No link de onde obtive a letra há um resumo da história de João Cândido. Viva o Almirante Negro! Viva Zumbi!
Por
F@bio

domingo, 14 de novembro de 2010

O Monstrengo - Fernando Pessoa



O Monstrengo
De: Fernando Pessoa
Voz: Paulo Autran


"O monstrengo que está no fim do mar,
Na noite de breu ergueu-se a voar ;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme, disse tremendo,
"El-Rei D. João Segundo!"

"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o monstrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse,
"El-Rei D. João Segundo!"

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o monstrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”


Esse vídeo une a poesia de Fernando Pessoa com a interpretação de Paulo Autran. A poética não está só no rico verso de Pessoa, mas também na forma intensa de Autran declamar a ode a D.João II. A interpretação de Autran valoriza o poema e nos permite conhecer ainda mais a intensidade do texto de Pessoa. O ator empresta sua voz ao poeta
Por F@bio

sábado, 13 de novembro de 2010

Os Argonautas - Caetano Veloso

De: Caetano Veloso

O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

Uma homenagem a Camões, a Pessoa, aos navegantes portugueses, que se lançaram mar adentro em seus barcos destemidos, navegar é preciso com a ciência de Sagres e na precisão do verso e da canção de Caetano. No vídeo a seguir Caetano lê a carta de Caminha e canta Os argonautas.
Por F@bio

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

As Mariposas Também Amam - Luiz Berto

De: Luiz Berto
...

"Certa noite na Boate Tabaris apareceu Pedrão, um marinheiro, ficou encantado com Djanira, morena dos olhos verdes da região de Porto Calvo, produto da miscigenação da colonização holandesa. O marinheiro gaúcho se apaixonou pela meiguice, o carinho, a ternura e a beleza da alagoana. Prometeu tudo para ficar só com ele.
Entretanto, Djanira era a mais disputada entre os clientes da pensão. Pedro se mordia de ciúme quando sua amada entrava no quarto com outro homem. O navio estava esperando atracação para carregar açúcar. Pedro, o marinheiro, ficou 15 dias em Maceió, curtindo sua paixão. Djanira se sentiu amada realmente pela primeira vez na vida, também se apaixonou.
Na despedida Pedrão prometeu voltar, Djanira acompanhou o navio cargueiro se afastar do cais levando seu amor, sua vida. As amigas bem diziam que rapariga não pode, não deve se enrabichar. Toda manhã ela descia à praia, contemplando o mar que levou Pedro, na esperança que um dia ele devolvesse seu grande amor.
O tempo passou, a paixão de Djanira nunca ..."

Cronica publicada por Luiz Berto em EPÍSTOLAS DO CARDEAL - Carlito Lima
Obtido de http://www.luizberto.com 


Marinheiros também amam poderia ter sido o título da cronica de Luiz Berto, pois eles costumam deixar amores em cada parada, em cada porto. Como aguentar os dias no mar se não for por amar alguém que ficou no cais, acenando para o amado que parte. Coração partido de quem fica. Espera longa, por um retorno incerto: será que volta? Sempre volta, pois a onda que leva o barco é a mesma que o traz de volta.
Por F@bio

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Santos - Ruy Ribeiro Couto

De: Ruy Ribeiro Couto

Sobre a cidade a tarde cai de manso.
Começam a acender-se luzes mortiças
Nos longos mastros dos transatlânticos ancorados.
Como é longo o cais envolvendo a cidade inteira
Com os chatos armazéns e os guindastes em fila
Como é longo o cais junto às águas oleosas!


Presos à amurada baloiçam botes vazios.
Vêm conversas confusas de marinheiros
Dentre vagões atulhados de carvão de pedra.


Nossa Senhora do Monte Serrat protege o comércio
A igrejinha branca está lá, no alto do morro,
Abençoando a fadiga dos homens suarentos.


Junto a estas águas oleosas nasci.
Nasci para sonhar o bem difícil das viagens,
O encanto triste dos amanhãs do exílio.
O apito longo das sereias, nas partidas,
Foi a música maravilhosa dos meus ouvidos de criança.


Ó transatlânticos com bandeiras enfeitadas,
Não é verdade que viestes para levar-me?

Obtido em http://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult006b.htm

Interessante que esta é a segunda poesia de Ribeiro Couto que publico no Cargueiro de Letras e que tem o mesmo nome, "Santos". O poeta é um nostálgico de sua terra natal. Por seguir carreira diplomática, viveu muitos anos no exterior, levado pelos "transatlânticos com bandeiras enfeitadas". Nas letras registrou não só o amor por sua terra, onde a "tarde cai de manso", mas também sua sina de viajante.
Em Niterói também sonhei "o bem difícil das viagens", mas não vivi o "encanto triste da manhãs no exílio", senão por parcos momentos, pois não cheguei a ser seduzido pelo "apito longo das sereias".
Por F@bio