domingo, 19 de novembro de 2017

Varre-Sai – Os Italianos no Noroeste Fluminense - Rosane Aparecida Bartholazzi

Varre-Sai – Os Italianos no Noroeste Fluminense - Rosane Aparecida Bartholazzi

"... o tropeiro foi o elo rudimentar mais eficiente de um processo que unia a fazenda ao mercado internacional e transformava um sistema irracional e primitivo num protagonista do comércio mundial. No noroeste fluminense, os caminhos traçados pelos tropeiros e sua tropas contribuíram decisivamente para a articulação do comércio entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, alcançando lugar de destaque da economia cafeeira.”
“Por ser uma região de fronteira e por estar em processo de ocupação, as redes de comunicação para o transporte de mercadorias eram inexistentes. Dessa forma, os tropeiros tinham um papel fundamental: a eles era confiado o carregamento da produção. Eles faziam a mediação entre o interior e o litoral, entre as zonas produtoras e as litorâneas, constituindo o elemento de ligação da unidade econômica do país.
...
Nas regiões fronteiriças, como é o caso do noroeste [fluminense], especialmente Varre-Sai, a movimentação dos tropeiros era intensa, situação que, segundo a memória oficial do lugar, justifica a denominação do distrito. O nome Varre-Sai estaria associado a um rancho ali existente, onde os tropeiros pernoitavam.
Supostamente, este rancho estaria ligado a algum fazendeiro, pois o pernoite era gratuito. Por não pagarem, deveriam pelo menos manter o local sempre limpo, varrendo a sujeira feita pelos burros antes de sair. Dessa forma teria surgido a denominação popular de ‘Rancho de Varre e Sahe’ e, posteriormente, Varre-Sai."

Transcrito de "Os Italianos no Noroeste Fluminense: estratégias familiares e mobilidade social 1897 – 1950" (p.135 e 136), de Rosane Aparecida Bartholazzi. Rio de Janeiro : Garamond, 2013.

Rosane A. Bartholazzi é natural de Bom Jesus do Itabapoana – RJ. Graduada em Ciências Sociais pela Fundação São José de Itaperuna – RJ, com Mestrado em História Social pela Universidade Severino Sombra – RJ e Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói - RJ. O livro foi fruto da tese de doutorado que contou com a orientação da brilhante professora Ismênia de Lima Martins. Nos meus tempos de UFF tive a honra de ser aluno dela, que não dava aulas mas verdadeiras conferências. Bartholazzi faz um estudo primoroso sobre a emigração italiana para o noroeste fluminense, especialmente Varre-Sai. Nasci lá e também tenho ascendência italiana de bisavós do lado materno. Quando pequeno lembro-me de cruzar com algumas tropas remanescentes nas estradas de terra de então.

As tropas de muares (mulas e burros) foram importantes meios de transporte de cargas diversas favorecendo que as mercadorias fossem levadas dos portos e regiões produtoras até os mais distantes rincões do Brasil e vice-versa. O ouro, extraído em Minas Gerais, e depois o café produzido no Vale do Paraíba do Rio de Janeiro, eram transportados em tropas de mulas até os portos de Paraty e Rio de Janeiro.
Normalmente a Tropa Cargueira de muares era constituída por lotes formados por 8 a 12 animais. Burro no masculino, mula no feminino, estes eram os animais mais resistente para as tropas cargueiras.  Mais forte e resistente do que os equídeos, tanto para carregar cargas pesadas, como para vencer grandes distâncias e trabalhar com a mesma eficiência nos terrenos íngremes e montanhosos. Acomodada em dois cestos ou balaios (ou broaca), um de cada lado, um muar transporta entre 120 e 150 quilos, motivando a preferência por esse tipo de animal para o transporte de carga.  Malotagem eram os apetrechos e arreios necessários de cada animal e acondicionamento da carga

As tropas percorriam, em média, 20 a 22 quilômetros por dia, com uma parada no meio do percurso. Nos trajetos mais longos, as tropas eram compostas por 4 ou 8 lotes de cargueiros, cada lote com 10 muares. Assim, uma grande tropa cargueira poderia ter até 80 animais, transportando um total de 12 toneladas de mercadorias.  Já a comitiva era formada por um madrinheiro, que fazia também as funções de cozinheiro, um peão para cada lote, um arrieiro (um tipo de faz-tudo, que cuidava da saúde dos animais e da manutenção das tralhas), o capataz e o tropeiro patrão.   Quando a tropa tinha cozinheiro e madrinheiro, este último geralmente era sempre um menino.  O madrinheiro ia à frente tocando a égua madrinha com o seu cincerro e em seguida, também equipada de cincerros, vinha a besta dianteira.   Depois em fila indiana, as mulas cargueiras e fechando o lote, a mula culatreira, que além da carga, levava também as tralhas da cozinha.

Além de seu importante papel na economia, o tropeiro teve importância cultural relevante como veiculador de ideias e notícias entre as aldeias e comunidades, numa época em que não existiam estradas no Brasil. Em torno dessa atividade surgiram várias profissões e indústrias.
O tropeiro deveria ser capaz de resolver inúmeros problemas durante a viagem. As longas jornadas exigiam que ele fosse médico, soldado, artesão, caçador, pescador, cozinheiro, veterinário, negociante, mensageiro e agricultor. Tantos ofícios exigiam um arsenal variado de instrumentos e ferramentas.
A profissão de ferrador também foi criada pelas necessidades desse fenômeno econômico-social, consistindo ela em pregar as ferraduras nos animais das tropas e acumulando geralmente a profissão de aveitar ou veterinário.
Nos primeiros anos os pousos eram ao relento, normalmente debaixo de uma árvore, com os tropeiros protegidos por ponches ou cobertores que podiam ser usados como cama ou coberta. Ligal era uma manta grande de couro cru, utilizada para cobrir a carga das mulas, protegendo-a do sol, da chuva e da poeira. Mais tarde, com o aumento e regularidade das tropas cargueiras nos percursos, surgiram os pousos para tropas, constituídos de ranchos abertos e cobertos de sapé, que ofereciam alguma proteção aos peões e à carga. O rancheiro e seu rancho ou alojamento geralmente não cobrava pela hospedagem, cobrando apenas o milho e o pasto consumidos pelos animais, porque os tropeiros conduziam cozinhas próprias.
Ao redor desses pousos surgiram centenas de cidades brasileiras, como é o caso de Varre-Sai, originalmente São Sebastião do Varre e Sahe. Como informa Bartholazzi, a tradição oral do lugar relata que ganhou esse nome pelo fato de ter sido colocado um aviso no pouso solicitando aos tropeiros varrer o local antes de sair.
A lavoura de café continua a ser a principal atividade econômica do município de Varre-Sai, maior produtor de café do Estado do Rio de Janeiro. O italianos que lá chegaram na virada do século XIX para XX deixaram muitos descendentes e tradições. Por não contar com produção de uva, os italianos inovaram e produziram o vinho de jabuticaba, característico do lugar. Essa atividade deu origem ao Festival do Vinho realizado no último final de semana do mês julho de cada ano.
Por F@bio

Leia mais em:
http://caminhosdastropas-com-br.webnode.com/news/entendimento-sobre-o-tropeirismo/
http://caminhopaulistadastropas.webnode.com.br/sobre-nos/
http://www.tropeirosdasgerais.com.br/historia2.htm
http://www.jumentosemuaresonline.com.br/blog/categoria/artigo/o-tropeiro-2014-08-29-2237570000-tropeiro
http://radionajua.com.br/noticia/irati-de-todos-nos/materias/na-trilha-das-tropas/4882/ (também fonte da foto de comitiva)