segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Santos - Ruy Ribeiro Couto

De: Ruy Ribeiro Couto

Sobre a cidade a tarde cai de manso.
Começam a acender-se luzes mortiças
Nos longos mastros dos transatlânticos ancorados.
Como é longo o cais envolvendo a cidade inteira
Com os chatos armazéns e os guindastes em fila
Como é longo o cais junto às águas oleosas!


Presos à amurada baloiçam botes vazios.
Vêm conversas confusas de marinheiros
Dentre vagões atulhados de carvão de pedra.


Nossa Senhora do Monte Serrat protege o comércio
A igrejinha branca está lá, no alto do morro,
Abençoando a fadiga dos homens suarentos.


Junto a estas águas oleosas nasci.
Nasci para sonhar o bem difícil das viagens,
O encanto triste dos amanhãs do exílio.
O apito longo das sereias, nas partidas,
Foi a música maravilhosa dos meus ouvidos de criança.


Ó transatlânticos com bandeiras enfeitadas,
Não é verdade que viestes para levar-me?

Obtido em http://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult006b.htm

Interessante que esta é a segunda poesia de Ribeiro Couto que publico no Cargueiro de Letras e que tem o mesmo nome, "Santos". O poeta é um nostálgico de sua terra natal. Por seguir carreira diplomática, viveu muitos anos no exterior, levado pelos "transatlânticos com bandeiras enfeitadas". Nas letras registrou não só o amor por sua terra, onde a "tarde cai de manso", mas também sua sina de viajante.
Em Niterói também sonhei "o bem difícil das viagens", mas não vivi o "encanto triste da manhãs no exílio", senão por parcos momentos, pois não cheguei a ser seduzido pelo "apito longo das sereias".
Por F@bio

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cemitério de Navios - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

Aqui os navios se escondem para morrer.


Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.


E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão nos beiços do tempo.


O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.


A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas


sob o vôo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.


Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho


que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.


E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,


um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.


Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos


varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!




Essa poesia me fez recordar o tempo em que vivia em Niterói e passava pela Estrada do Contorno onde ficava uma área conhecida como "cemitério de navios", por ironia próxima ao Cemintério do Maruí. Era uma área entre o Barreto e a Ilha da Conceição para a qual os navios eram levados para o desmonte, para virar sucata. Não sei se ainda é assim. Quem sabe veio daí a inspiração de Ledo Ivo, que vive no Rio de Janeiro.
Ali pude ver navios recolhidos para a morte, encalhados, sem apito, surdos e mudos. Quantas histórias guardam seus porões, talvez reveladas pelas cicatrizes no casco. Não mais o esplendor dos mundos mas a treva eterna.
Ledo Ivo é jornalista, romancista, cronista, tradutor, ensaísta e poeta. Membro da Academia Brasileira de Letras, esse alagoano de Maceió é também um memorialista de seus contemporâneos, vide a entrevista concedida para Geneton Moraes Neto (http://www.geneton.com.br/archives/000052.html).
Por
F@bio