quarta-feira, 2 de março de 2016

Boa Viagem, Senhor Presidente – Gabriel Garcia Márquez


“...Havia vivido na Martinica todos os dias do exílio, sem outro contato com o exterior que as poucas notícias do jornal oficial, sustentando-se com as aulas de espanhol e latim num liceu oficial e com as traduções que às vezes Aimé Césaire encomendava. O calor era insuportável  em agosto, e ele ficava na rede até o meio-dia, lendo ao arrulho do ventilador no teto do dormitório. Sua mulher cuidava dos pássaros que criava soltos, mesmo nas horas de mais calor, protegendo-se do sol com um chapéu de palha de abas grandes, adornado de morangos artificiais e flores de organdi. Mas quando o calor diminuía era bom tomar a fresca na varanda, ele com a vista fixa no mar até que chegavam as trevas, e ela em sua cadeira de balanço de vime, com o chapéu de aba quebrada e as bijuterias em todos os dedos, vendo passar os navios do mundo. “Esse vai para Puerto Santo”, dizia ela. “Esse quase nem pode andar com a carga de banana-ouro de Puerto Santo”, dizia. Pois achava impossível que passasse um barco que não fosse de sua terra. Ele bancava o surdo, embora no fim ela tenha conseguido esquecer melhor que ele, porque ficou sem memória. Permaneciam assim até que terminavam os crepúsculos fragorosos, e tinham que se refugiar na casa derrotados pelos mosquitos. Num daqueles tantos agostos, enquanto lia o jornal na varanda, o presidente deu um salto de assombro.
- Porra! – disse. – Morri no Estoril!
Sua esposa, levitando no torpor, espantou-se com a notícia. Eram seis linhas na quinta página do jornal que era impresso na virada da esquina, onde publicavam suas traduções ocasionais, e cujo diretor passava para visitá-lo de vez em quando. E agora dizia que tinha morrido no Estoril de Lisboa, balneário e abrigo da decadência europeia, onde nunca havia estado, e talvez o único lugar no mundo onde não teria querido morrer...”

Transcrito do conto “Boa viagem, senhor presidente” em “Doze Contos Peregrinos”, de Gabriel Garcia Márquez (págs. 40 e 41). Tradução de Eric Nepomuceno. Rio do Janeiro: Record, 1992.

Deparei-me com o livro Doze Contos Peregrinos, que ainda não havia lido, na biblioteca do Espaço Tribuna Livre Cultural, em Lumiar - Nova Friburgo (RJ). Lá estava com a minha mulher para passar o reveillon. Frequentamos essa região serrana desde 1981 quando lá acampamos a beira rio, em meio a bananeiras e sapos. Era carnaval e Lumiar só tinha luz no período vespertino, fornecida por um gerador a óleo. Cortada por rios encachoeirados, o lugar é muito bonito e tem um tema musical único, composto por Beto Guedes. O Espaço é um presente do casal Vânia e Luís para Lumiar e região. Dedicado às artes, conta com anfiteatro, biblioteca e café. No local ocorrem as sessões do cineclube Lumiar, acontecem shows, palestras e são encenadas peças teatrais. Fomos para lá com intuito de tomar um café, mas ao passar pela biblioteca, os livros exercem um poder de atração impossível de resistir. Lá estava a primorosa edição de Doze Contos Peregrinos. Pude folhear e pegar emprestado sem qualquer problema, mesmo avisando que não teria como devolver com brevidade. Vânia, de forma tranquila, incentivou-me a levá-lo dizendo que não havia problema, que devolvesse quando voltasse à Lumiar ou  enviasse pelos Correios ou emprestasse para outra pessoa. “O que importa é que o livro seja lido”. E pra que outro fim o autor escreve e o editor edita. Livros são para serem lidos e se a prosa nos encanta, aumenta o prazer de devorar cada palavra. Garcia Márquez, no prólogo, afirma que “o esforço de escrever um conto curto é tão intenso como o de começar um romance. Pois no primeiro parágrafo de um romance é preciso definir tudo: estrutura, tom, estilo, ritmo, longitude e, às vezes, até o caráter de algum personagem. O resto é o prazer de escrever...”. Para o leitor, é prazer de ler.
No conto “Boa viagem, senhor presidente”, Gabo nos traz o caso de um deposto presidente de uma república caribenha, Martinica, que vai se tratar da saúde em Genebra, onde encontra um casal de concidadãos que traçam um plano para se beneficiar da pretensa influência e prestígio do presidente moribundo. Por fim, acabam mesmo se envolvendo afetivamente e ajudando-o a retornar ao seu país, ato que o reanimou, fazendo ressurgir nele o desejo de retornar à vida política.

No livro, Gabo homenageia vários artistas, como Vinicius de Moraes em "Só vim telefonar". No conto em comento, o presidente tem como amigo e provedor Aimé Fernand David Césaire (1913 — 2008). Nascido na Martinica, foi um dos mais importantes poetas surrealistas do mundo e considerado, juntamente com o Presidente senegalês Léopold Sédar Senghor, o ideólogo do conceito de negritude. Além de poeta, Aimé Césaire foi  dramaturgo e ensaísta, com obra marcada pela defesa das raízes africanas.
Por F@bio


sábado, 27 de fevereiro de 2016

Porto - Roldão Rosa

Porto

Roldão Mendes Rosa


"Por que
este amor ao cais
se o que quero
não viaja?

Por que esta espera
no cais?

Por que
este amor aos navios
que apitam e partem
se não quero
partir em nenhum?

Eu descendente de adeuses
vejo lenços que acenam
na paisagem sem lenços.

Ou este porto
pouso de âncoras
timidamente se disfarça
no homem que sou?"


Obtido de: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0335b08.htm


Roldão Mendes Rosa foi escritor, poeta, crítico literário e professor na Faculdade de Comunicação de Santos (Facos) da Unisantos. Nascido em Santos em 25 de fevereiro de 1924, faleceu em 26 de janeiro de 1988. Como informa Alessandro Alberto Atanes Pereira, no site Novo Milênio, uma compilação póstuma da poesia de Roldão foi publicada em 1992 pela editora  Hucitec com o título "Poemas do Não e da Noite", que inclui o poema Porto acima.

Neste blog tenho conseguido postar alguns dos autores que abordaram em sua prosa e poesia a temática da relação entre o morador de cidade de Santos e seu porto como é o caso de Roldão.
Por F@bio

domingo, 18 de outubro de 2015

Os Sertões - Euclides da Cunha

"Tomou para Canudos onde era ansiosamente esperada...A marcha foi difícil e morosa. Desde Queimadas lutava-se com dificuldades sérias de transporte. Os cargueiros, animais imprestáveis, velhos e cansados, muares refugados das carroças da Bahia e tropeiros improvisados - rengueavam, tropeçando pelos caminhos, imobilizando os batalhões, e remorando a avançada.
Chegou desse modo a Aracati, onde lhe foi entregue um comboio que devia guarnecer até Canudos".

Obtido de Os Sertões - A Campanha de Canudos, de Euclides da Cunha, edição original de 1902 Edição digital, Coleção Clássicos da Língua Portuguesa, Montecristo Editora, Volume 1


Euclides Rodrigues da Cunha (1866 - 1909), fluminense de Cantagalo - RJ,  positivista e republicano, foi escritor, engenheiro, poeta, sociólogo, geólogo, militar, jornalista e historiador, dentre outras atividades. Tornou-se internacionalmente conhecido após a publicação do livro Os Sertões, que trata da Guerra de Canudos, onde esteve como repórter do jornal O Estado de São Paulo. O livro foi dividido em três partes, assim denominadas: A terra, O homem e A luta. Na obra, Euclides faz uma ampla analise das características geológicas, botânicas, hidrológicas, zoológicas e sociológicas do sertão nordestino - a caatinga - abordando a vida, costumes e religiosidade do sertanejo, que levaram à constituição do arraial de Canudos e à liderança de Antônio Conselheiro. A contenda é retratada a partir do olhar de um correspondente de guerra que descreve com minucias e emoção os embates de soldados despreparados e "jagunços" maltrapilhos.
Os cargueiros mencionados por Euclides da Cunha eram formados por tropas de muares (mulas e burros) que, na época, eram importantes meios de transporte de cargas diversas, permitindo que as mercadorias fossem levadas dos portos e regiões produtoras até os mais distantes rincões do Brasil. O ouro, extraído em Minas Gerais, e depois o café produzido no Vale do Paraíba do Rio de Janeiro e São Paulo, eram transportados em tropas de mulas até os portos de Paraty e Rio de Janeiro.

Segundo informa o site "Caminho Paulista das Tropas", uma Tropa Cargueira de muares era constituída por lotes formados por 8 a 12 animais, cada animal carregando cerca de 150 quilos de mercadoria. Burro no masculino, mula no feminino, este era o animal mais resistente para as tropas cargueiras.  Mais forte e resistente do que os equídeos, tanto para carregar cargas pesadas, como para vencer grandes distância e trabalhar com a mesma eficiência nos terrenos íngremes e montanhosos. Acomodada em dois cestos ou balaios, um de cada lado, um burro chega a transportar de 120 a 150 quilos. Estas qualidades explicam porque o burro é preferido para o transporte de carga.  
As tropas percorriam, em média, 20 a 22 quilômetros por dia, com uma parada no meio do percurso.
Nos trajetos mais longos, as tropas eram compostas por 4 ou 8 lotes de cargueiros, cada lote com 10 muares. Assim, uma grande tropa cargueira poderia ter até 80 animais, transportando um total de 12 toneladas de mercadorias.  Já a comitiva era formada por um madrinheiro, que fazia também as funções de cozinheiro. um peão para cada lote, um arrieiro (um tipo de faz-tudo, que cuidava da saúde dos animais e da manutenção das tralhas), o capataz e o tropeiro patrão.   Quando a tropa tinha cozinheiro e madrinheiro, este último era sempre um menino de mais 12 anos.   O madrinheiro ia à frente tocando a égua madrinha com o seu cincerro e em seguida, também equipada de cincerros, vinha a besta dianteira.   Depois em fila indiana, as mulas cargueiras e fechando o lote, a mula culatreira, que além da carga, levava também as tralhas da cozinha.

Nos primeiros anos. os pousos eram ao relento, debaixo de uma árvore, com os tropeiros protegidos por ponches, cobertores ou pelo ligal, que podia ser usado como cama ou coberta.   Ligal era uma manta grande de couro cru, utilizada para cobrir a carga das mulas, protegendo-a do sol, da chuva e da poeira. Mais tarde, com o aumento e regularidade das tropas cargueiras nos percursos, surgiram os pousos para tropeiros, constituídos de ranchos abertos e cobertos de sapé, que ofereciam alguma proteção aos peões e a carga. Ao redor desses pousos surgiram centenas de cidades brasileiras, como a minha cidade natal no Estado do Rio de Janeiro: Varre-Sai, que segundo consta ganhou esse nome pelo fato de ter sido colocado um aviso no pouso solicitando aos tropeiros varrer o local antes de sair.
Leia mais: http://www.caminhopaulistadastropas.com.br/news/entendimento-sobre-o-tropeirismo/
Por F@abio

domingo, 6 de setembro de 2015

Contrabando - Oswald de Andrade

Contrabando - Oswald de Andrade

Os alfandegueiros de Santos
Examinaram minhas malas
Minhas roupas
Mas se esqueceram de ver
Que eu trazia no coração
Uma saudade feliz
De Paris.


Obtido em https://portogente.com.br/colunistas/alessandro-atanes/o-contrabando-de-oswald-de-andrade-27011


Oswald de Andrade foi um dos principais integrantes do movimento modernista brasileiro, cujo notoriedade atingiu seu ápice com a Semana de Arte Moderna de 1992, realizada em São Paulo. O seu livro "Pau Brasil", de 1925, foi publicado em Paris, pela editora Sans Pareil. Com uma série de poemas que buscam revelar "uma brasilidade poética moderna". O poema final é Contrabando que expõe uma "falsa contradição" que procura resolver de uma forma sucinta "toda a questão em relação às influências europeias de vanguarda e o desejo de renovação das letras nacionais do grupo modernista. A saudade feliz aponta para isso: a admissão da referência europeia, principalmente francesa, mas temperada pela felicidade de voltar a terra natal e cantá-la em uma nova forma, que se adequasse à vida moderna".

O contrabando oswaldiano é portanto o livro editado em Paris contando em versos a viagem de regresso à pátria amada.
Por F@bio

domingo, 23 de agosto de 2015

Meus silêncios na beira do cais - Antonio Carlos Neves

"Batia uma brisa fresca de verão e a baia de Vitória parecia um largo espelho refletindo a atividade noturna do porto. Havia um navio japonês ancorado bem diante do bar e ficamos observando o movimento dos guindastes, o vai-e-vem dos tripulantes subindo e descendo as escadas, ouvindo o rumor das máquinas funcionando e, pelo menos para mim, deixando uma amarga sensação de saudade por lugares distantes e ainda não visitados.
- Sempre sonhei viajar de navio - disse Zélia, surpreendendo-me com o mesmo tom nostálgico que aqueles ruídos do porto me causavam.
Pareceu-me, naquele instante, que estávamos todos um pouco tristes, como se a visão do cais, dos navios e dos marinheiros provocasse nosso lado solitário da alma".

Transcrito da coletânea "Escritos de Vitória - 5 - Porto", págs. 33 e 34. Vitória: PMV, 1994

O autor, Antônio Carlos Neves, nascido em Vitória - ES, formado em direção de cinema e televisão, é jornalista e escritor, tendo escrito também Outra Vez a Esperança, Terror nas Sombras e Um Lugar sem Importância.

Vitória, como toda cidade portuária, tem seus personagens ligados ao porto e muitas histórias sobre a vida ao redor do seu porto. Felizmente a Prefeitura da cidade resolveu publicar em livro crônicas, poesias e ilustrações de diversos escritores e artista, montando um interessante painel sobre a vida que fervilha em torno do cais.
Esta é a segunda postagem que faço com textos do livro. Outras virão, pois são escritos que têm tudo a ver com o Cargueiro de Letras.
O conto de Antônio Carlos Neves é sobre um grupo de amigos que saem juntos para uma noitada e acabam indo parar no boteco Barcaça, na zona portuária, onde vivem momentos intensos e tensos, com desavenças políticas e amorosas. A noite chega ao seu fim com um dos amigos citando a frase precisa de Drummond: "há uma hora em que até os bares se fecham..."
Por F@bio

sábado, 4 de julho de 2015

Memorial de Aires - Machado de Assis

"13 de maio 

Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. 

Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me lugar no seu carro, que estava na rua Nova, e ia enfileirar no cortejo organizado para rodear o paço da cidade, e fazer ovação à Regente. Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram melhor que as rédeas do cocheiro aos cavalos do carro, e recusei. Recusei com pena. Deixei-os ir, a ele e aos outros, que se juntaram e partiram da rua Primeiro de Março. Disseram-me depois que os manifestantes erguiam-se nos carros, que iam abertos, e faziam grandes aclamações, em frente ao paço, onde estavam também todos os ministros. Se eu lá fosse, provavelmente faria o mesmo e ainda agora não me teria entendido... Não, não faria nada; meteria a cara entre os joelhos. 

Ainda bem que acabamos com isto. Era tempo. Embora queimemos todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia. A poesia falará dela, particularmente naqueles versos de Heine, em que o nosso nome está perpétuo. Neles conta o capitão do navio negreiro haver deixado trezentos negros no Rio de Janeiro, onde “a casa Gonçalves Pereira” lhe pagou cem ducados por peça. Não importa que o poeta corrompa o nome do comprador e lhe chame Gonzales Perreiro; foi a rima ou a sua má pronúncia que o levou a isso. Também não temos ducados, mas aí foi o vendedor que trocou na sua língua o dinheiro do comprador. "

Transcrito de Memorial de Aires / 1888, de Machado de Assis, Obras Completas. Vol. I, pag.1.118, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar, 1992. O trecho também é citado em http://www.erratica.com.br/opus/107/ juntamente com o poema de Heinrich Heine, Navio Negreiro, citado por Machado.

Memorial de Aires é o último romance de Machado de Assis escrito sob a forma de um diário, nos anos 1888 - 1889, com anotações, descrições e reflexões do Conselheiro Aires, diplomata aposentado, curioso personagem que também aparece no livro Esaú e Jacó.

O trecho transcrito relata a euforia popular com a decretação da Abolição em 13 de maio de 1988, finalmente votada pelo Senado e sancionada pela Regente, a princesa Isabel. Machado fala com ironia que "Ainda bem que acabamos com isto [a escravidão]. Era tempo". Mais tarde, já na república, serão queimados os documentos sobre a escravidão, com o indisfarçável fito de "apagar a instituição da história". Mas a poesia continuará a perpetuá-la, como em os Navios Negreiros de Castro Alves e Heine, citado por Machado, que com seu fino humor ironiza o equívoco do poeta que escreve "Perreiro" em vez de Pereira, no original em alemão: "Bleiben mir Neger dreihundert nur/ Im Hafen von Rio-Janeiro,/Zahlt dort mir hundert Dukaten per Stück/Das Haus Gonzales Perreiro." (Vide nota do tradutor André Vallias em http://www.erratica.com.br/opus/107/)


Outros registros interessantes do texto machadiano são as referências geográficas ao Rio de Janeiro, como Rua do Ouvidor e Rua Primeiro da Março, denominações que permanecem em nossos dias. Já a Rua Nova, na data da "anotação", tivera seu nome alterado para Rio Branco, posto que em 13/02/1888, decreto municipal substituiu o antigo nome para homenagear o eminente estadista José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco.
Na "anotação" do Conselheiro também é indicado que o cortejo fora "organizado para rodear o paço da cidade" referindo ao prédio do Paço Imperial (hoje museu), situado na atual Praça XV de Novembro, sede do Governo Federal até 1897, quando a presidência da república mudou-se para o Palácio do Catete.
A mais antiga rua do Rio de Janeiro tinha o nome de Rua Direita e era a mais importante da cidade no século XIX, já que nela ficava a sede o governo imperial. Originalmente, ligava o Largo da Misericórdia ao Morro de São Bento. Em 1875, seu nome foi alterado para Rua Primeiro de Março em homenagem à vitória na Batalha de Aquidabã, que pôs fim à Guerra do Paraguai. Por coincidência, essa também é a data da fundação da cidade do Rio de Janeiro.
Já a Rua do Ouvidor manteve sua denominação e estreiteza, mas perdeu importância, pois no século XIX era lá que ficava o comércio mais chique da cidade.
Por F@bio




domingo, 28 de junho de 2015

Como um rei na França - Amaury Temporal

"Após nossa visita, fomos brindados pela família com um pot e um casse-croûte de queijo de ovelha, durante o qual encontramos o M. e a Mme. Seguin ... que nos deram uma visão importante do que os fazendeiros franceses pensam sobre a agricultura da França e do Brasil, da competitividade relativa de ambas e dos recentes desenvolvimentos das discussões na OMC (Organização Mundial do Comércio).
 Há que entender, no entanto, a resistência dos países da União Europeia, notadamente a França, à mudança de um modo de produção de gerações, que encontra apoio forte da população francesa, a qual está de acordo com o statu quo de subsídios, que, afinal, são pagos por toda a sociedade. No entanto é uma luta com fim previsível, pois os jovens franceses de hoje não estão mais interessados em atividades que exigem de 12 a 14 horas de trabalho por dia, sete dias por semana, por vezes em condições climáticas adversas"

Transcrito de "Como um Rei na França", de Amaury Temporal, pag. 25 e 26. Rio de Janeiro: Record, 2011.



Amaury Temporal é diretor do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e ex-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Escreveu também os livros De Vinhos e Rosas (1992) e Bom Tempo na França (2004).

Conheço o encantador Amaury há alguns anos, envolvidos nas lides do comércio exterior, onde sempre admirei sua inteligência, diplomacia, firmeza e elegância nos contatos profissionais e pessoais. Mais recentemente tomei conhecimento das suas qualidades de grande conhecedor de vinhos e culinária.
No livro ficamos sabem que Amaury é, certamente, o mais francês dos cariocas. Aliás, na orelha do livro confirma-se essa impressão: "Quando se aproxima o mês de julho, Amaury Temporal e sua mulher, Maggy, começam a programar suas férias para o mês de dezembro. O destino?  França, sempre". O livro nos oferece, além da preciosa indicação de como conhecer bem as diversas regiões da França, dicas de restaurantes (com endereços) e vinhos. Da sua leitura também podemos saber como é desfrutar como um rei a terra de Napoleão. Bonne lecture et santé!
Por F@bio

domingo, 21 de junho de 2015

O Chapéu de Vermeer 2 .- Timothy Brook

"Quando ... em 1942, Cristóvão Colombo zarpou rumo a oeste com sua frota de três naviozinhos para atravessar o Atlântico (levando consigo um exemplar das Viagens de Marco Polo), ele já sabia que o mundo era redondo e que navegar para oeste o levaria à Ásia. Sabia o suficiente para achar que alcançaria primeiro o Japão, com a China logo além. Só não sabia quão grande era a distância que separava a Ásia da Europa. E o que não esperava era que houvesse um continente entre elas. Quando voltou à Europa, Colombo disse ao rei Fernando que, ao chegar à ilha de Hispaniola (hoje República Dominicana), "achei que era terra firme, a província de Catai". Não era, e Colombo teve de convencer o rei de que a primeira viagem quase chegara ao destino e que a segunda não deixaria de completar a missão. Se a ilha não era a China nem o Japão, então deveria ser uma ilha ao largo do litoral leste do Japão. As riquezas fabulosas da China, portanto, estavam ao alcance. Enquanto isso, garantiu ele a Fernando, a ilha que descobrira, com certeza, continha ouro, era só seus marinheiros começarem a procurar. Assim, transformou a cartada perdida - Hispaniola não era  Japão nem China - numa jogada vencedora. Mas ele acreditava que a ilha seguinte seria o Japão e, mais além dela, estaria a China.
A riqueza fabulosa da China virou obsessão na Europa, e foi por isso que Fernando concordou em financiar a segunda viagem de Colombo..."

Transcrito de "O Chapéu de Vermeer", de Timothy Brook, pag.56. Rio de Janeiro: Record, 2012.


Já mencionei autor e obra no Cargueiro de Letras. O livro trata das grandes navegações do Sec. XVII e a ascensão econômica e naval da Holanda, no que Brook denomina "a aurora do mundo global". Analisa o período usando a peculiar forma de tomar por base os quadros do pintor holandes Johannes Vermeer.
Quando Marco Polo voltou de sua viagem à China, revelou a Europa uma nação com uma indústria muito mais desenvolvida. O fascínio por conhecer e obter os produtos chineses só fez crescer. Isto estimulou os europeus a se lançarem ao mar para fazer comércio com os asiáticos, sabedores da possibilidade de auferirem grandes lucros na empreitada. Seda, porcelana, especiarias e outros produtos eram importados da Ásia pelos europeus. Em vista dos altos investimentos e lucros, Portugal e Espanha tentaram estabelecer o monopólio das rotas marítimas. Mas a Holanda e Inglaterra impuseram sua maior capacidade econômica e romperam os limites impostos pelos dois países ibéricos.
por F@bio

sábado, 11 de abril de 2015

Cargas - Greg Clydesdale

"A Europa precisou de tempo para desenvolver seu potencial comercial; mas, assim que o processo começou, ela criou as redes que fizeram do mundo um todo integrado. Com o fervor dos cruzados, os espanhóis e portugueses capitalizaram-se graças às rotas comerciais traçadas por Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães para criar a primeira rede comercial verdadeiramente global. Dominaram o Atlântico e o Pacífico, constituindo novos mercados e desenvolvendo os recursos recém-descobertos. Lubrificados pelo ouro e pela prata da América do Sul, os ibéricos comerciavam de Macau, a leste, até o Brasil, a oeste, enquanto o famoso galeão Manila ofereceu a primeira ligação sólida entre a Ásia e a América do Norte. No Ocidente é comum ver essa rede como evidência de uma supremacia comercial européia, mas os chineses e os guzerates ainda dominavam os oceanos do Oriente. Os europeus podiam até viajar para mais longe, mas as cargas da Ásia tinham um volume e um valor maiores"

Transcrito do livro "Cargas: como o comércio mudou o mundo. A história do transporte de mercadorias, de 618 até hoje". autor Greg Clydesdale, tradução de Dinah Azevedo, pag. 18, 1ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2012.

Greg Clydesdale é economista e professor de economia no Departamento de Gestão e Negócios Internacionais da Universidade de Massey, Nova Zelândia, possuindo doutorado sobre os determinantes da liderança industrial e do crescimento econômico, sendo também autor do livro "Oportunidade empresarial: o lugar certo na hora certa".

Em Cargas, o autor descreve o fascinante caminho da evolução das trocas comerciais e sua logística de transportes, indo desde as primeiras grandes rotas comerciais até o fenômeno mais recente da globalização. Ele narra também a trajetória e os feitos dos grandes comerciantes e a constituição dos principais conglomerados e corporações do capitalismo. Para quem milita no comércio exterior, é uma leitura fascinante e rica em informações sobre a evolução da produção, do comércio e dos transportes nos negócios internacionais, procurando ir além da visão eurocêntrica que tanto limita nossa compreensão da história da humanidade.
Por F@bio

domingo, 8 de março de 2015

O alegre porto - Ricardo Chaves

"O alegre porto
29 de novembro de 2011




Fotos: Léo Guerreiro, arquivo pessoal de Ricardo  Chaves

No final dos anos 1950 e início dos 60, era um programão dar um passeio pelo porto da Capital. Pelo menos para um garoto que acompanhava a mãe em incursões ao centro da cidade, sempre na esperança de convencê-la a atravessar a Avenida Mauá e cruzar sob o majestoso pórtico central.
Dona Nilce era professora e todos os meses ia ao Tesouro do Estado (bela forma de chamar a Secretaria da Fazenda) para receber seus vencimentos (demorei para entender que esse termo significava salário). Quando saíamos, pela pequena porta ao lado da grande escadaria, era a hora do bote. O pedido/convite era atendido com amorosa resignação maternal e, sem muro nem burocracia, com o grande portão de ferro aberto a todos, ingressávamos de mãos dadas no cais. Munidos apenas da cautela necessária para evitar acidentes.
Uma paisagem única e dinâmica aguardava por nós. Navios enormes (percebi, mais tarde, que não eram tão grandes) eram carregados pela força dos estivadores e pelo incessante movimentos dos guindastes. Bonito de ver. Depois veio o golpe fatal: decretado como Área de Segurança Nacional e isolado pelo muro, o cais tornou-se inacessível.
Agora, dizem, a revitalização sai. Já não era sem tempo. Não será como aquele que conheci, mas acredito que possa voltar a ser, uma vez mais, um porto alegre e movimentado."

Obtido em: http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho/2011/11/29/o-alegre-porto/?topo=13,1,1,,,13

Ricardo Chaves é fotógrafo, jornalista e colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre (RS), publica o blog Almanaque Gaúcho com Lucas Vidal no ZH Blogs (http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho)

A crônica "O alegre porto", na qual Ricardo Chaves relata uma visita ao cais do porto na sua infância, me fez lembrar da minha adolescência em Niterói, em fins dos 60, início dos 70. Naquela época, vez por outra pegava a bicicleta e circulava pela cidade. Era ainda bastante provinciana e tranquila - não tinha a ponte Rio - Niterói. Uma vez fui até o bairro da Ponta da Areia, onde se situavam - e ainda se situam - alguns estaleiros. Pedalando entrei nas instalações do Estaleiro Mauá. Fique alguns instantes lá admirando o trabalho dos operários navais montando um navio no cais. Depois, simplesmente dei meia volta e retornei para continuar o passeio. As coisas funcionavam assim "sem burocracia, com o grande portão de ferro abertos a todos".
Por F@bio