sábado, 4 de julho de 2015

Memorial de Aires - Machado de Assis

"13 de maio 

Enfim, lei. Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. 

Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me lugar no seu carro, que estava na rua Nova, e ia enfileirar no cortejo organizado para rodear o paço da cidade, e fazer ovação à Regente. Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram melhor que as rédeas do cocheiro aos cavalos do carro, e recusei. Recusei com pena. Deixei-os ir, a ele e aos outros, que se juntaram e partiram da rua Primeiro de Março. Disseram-me depois que os manifestantes erguiam-se nos carros, que iam abertos, e faziam grandes aclamações, em frente ao paço, onde estavam também todos os ministros. Se eu lá fosse, provavelmente faria o mesmo e ainda agora não me teria entendido... Não, não faria nada; meteria a cara entre os joelhos. 

Ainda bem que acabamos com isto. Era tempo. Embora queimemos todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia. A poesia falará dela, particularmente naqueles versos de Heine, em que o nosso nome está perpétuo. Neles conta o capitão do navio negreiro haver deixado trezentos negros no Rio de Janeiro, onde “a casa Gonçalves Pereira” lhe pagou cem ducados por peça. Não importa que o poeta corrompa o nome do comprador e lhe chame Gonzales Perreiro; foi a rima ou a sua má pronúncia que o levou a isso. Também não temos ducados, mas aí foi o vendedor que trocou na sua língua o dinheiro do comprador. "

Transcrito de Memorial de Aires / 1888, de Machado de Assis, Obras Completas. Vol. I, pag.1.118, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar, 1992. O trecho também é citado em http://www.erratica.com.br/opus/107/ juntamente com o poema de Heinrich Heine, Navio Negreiro, citado por Machado.

Memorial de Aires é o último romance de Machado de Assis escrito sob a forma de um diário, nos anos 1888 - 1889, com anotações, descrições e reflexões do Conselheiro Aires, diplomata aposentado, curioso personagem que também aparece no livro Esaú e Jacó.

O trecho transcrito relata a euforia popular com a decretação da Abolição em 13 de maio de 1988, finalmente votada pelo Senado e sancionada pela Regente, a princesa Isabel. Machado fala com ironia que "Ainda bem que acabamos com isto [a escravidão]. Era tempo". Mais tarde, já na república, serão queimados os documentos sobre a escravidão, com o indisfarçável fito de "apagar a instituição da história". Mas a poesia continuará a perpetuá-la, como em os Navios Negreiros de Castro Alves e Heine, citado por Machado, que com seu fino humor ironiza o equívoco do poeta que escreve "Perreiro" em vez de Pereira, no original em alemão: "Bleiben mir Neger dreihundert nur/ Im Hafen von Rio-Janeiro,/Zahlt dort mir hundert Dukaten per Stück/Das Haus Gonzales Perreiro." (Vide nota do tradutor André Vallias em http://www.erratica.com.br/opus/107/)


Outros registros interessantes do texto machadiano são as referências geográficas ao Rio de Janeiro, como Rua do Ouvidor e Rua Primeiro da Março, denominações que permanecem em nossos dias. Já a Rua Nova, na data da "anotação", tivera seu nome alterado para Rio Branco, posto que em 13/02/1888, decreto municipal substituiu o antigo nome para homenagear o eminente estadista José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco.
Na "anotação" do Conselheiro também é indicado que o cortejo fora "organizado para rodear o paço da cidade" referindo ao prédio do Paço Imperial (hoje museu), situado na atual Praça XV de Novembro, sede do Governo Federal até 1897, quando a presidência da república mudou-se para o Palácio do Catete.
A mais antiga rua do Rio de Janeiro tinha o nome de Rua Direita e era a mais importante da cidade no século XIX, já que nela ficava a sede o governo imperial. Originalmente, ligava o Largo da Misericórdia ao Morro de São Bento. Em 1875, seu nome foi alterado para Rua Primeiro de Março em homenagem à vitória na Batalha de Aquidabã, que pôs fim à Guerra do Paraguai. Por coincidência, essa também é a data da fundação da cidade do Rio de Janeiro.
Já a Rua do Ouvidor manteve sua denominação e estreiteza, mas perdeu importância, pois no século XIX era lá que ficava o comércio mais chique da cidade.
Por F@bio




domingo, 28 de junho de 2015

Como um rei na França - Amaury Temporal

"Após nossa visita, fomos brindados pela família com um pot e um casse-croûte de queijo de ovelha, durante o qual encontramos o M. e a Mme. Seguin ... que nos deram uma visão importante do que os fazendeiros franceses pensam sobre a agricultura da França e do Brasil, da competitividade relativa de ambas e dos recentes desenvolvimentos das discussões na OMC (Organização Mundial do Comércio).
 Há que entender, no entanto, a resistência dos países da União Europeia, notadamente a França, à mudança de um modo de produção de gerações, que encontra apoio forte da população francesa, a qual está de acordo com o statu quo de subsídios, que, afinal, são pagos por toda a sociedade. No entanto é uma luta com fim previsível, pois os jovens franceses de hoje não estão mais interessados em atividades que exigem de 12 a 14 horas de trabalho por dia, sete dias por semana, por vezes em condições climáticas adversas"

Transcrito de "Como um Rei na França", de Amaury Temporal, pag. 25 e 26. Rio de Janeiro: Record, 2011.



Amaury Temporal é diretor do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e ex-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Escreveu também os livros De Vinhos e Rosas (1992) e Bom Tempo na França (2004).

Conheço o encantador Amaury há alguns anos, envolvidos nas lides do comércio exterior, onde sempre admirei sua inteligência, diplomacia, firmeza e elegância nos contatos profissionais e pessoais. Mais recentemente tomei conhecimento das suas qualidades de grande conhecedor de vinhos e culinária.
No livro ficamos sabem que Amaury é, certamente, o mais francês dos cariocas. Aliás, na orelha do livro confirma-se essa impressão: "Quando se aproxima o mês de julho, Amaury Temporal e sua mulher, Maggy, começam a programar suas férias para o mês de dezembro. O destino?  França, sempre". O livro nos oferece, além da preciosa indicação de como conhecer bem as diversas regiões da França, dicas de restaurantes (com endereços) e vinhos. Da sua leitura também podemos saber como é desfrutar como um rei a terra de Napoleão. Bonne lecture et santé!
Por F@bio

domingo, 21 de junho de 2015

O Chapéu de Vermeer 2 .- Timothy Brook

"Quando ... em 1942, Cristóvão Colombo zarpou rumo a oeste com sua frota de três naviozinhos para atravessar o Atlântico (levando consigo um exemplar das Viagens de Marco Polo), ele já sabia que o mundo era redondo e que navegar para oeste o levaria à Ásia. Sabia o suficiente para achar que alcançaria primeiro o Japão, com a China logo além. Só não sabia quão grande era a distância que separava a Ásia da Europa. E o que não esperava era que houvesse um continente entre elas. Quando voltou à Europa, Colombo disse ao rei Fernando que, ao chegar à ilha de Hispaniola (hoje República Dominicana), "achei que era terra firme, a província de Catai". Não era, e Colombo teve de convencer o rei de que a primeira viagem quase chegara ao destino e que a segunda não deixaria de completar a missão. Se a ilha não era a China nem o Japão, então deveria ser uma ilha ao largo do litoral leste do Japão. As riquezas fabulosas da China, portanto, estavam ao alcance. Enquanto isso, garantiu ele a Fernando, a ilha que descobrira, com certeza, continha ouro, era só seus marinheiros começarem a procurar. Assim, transformou a cartada perdida - Hispaniola não era  Japão nem China - numa jogada vencedora. Mas ele acreditava que a ilha seguinte seria o Japão e, mais além dela, estaria a China.
A riqueza fabulosa da China virou obsessão na Europa, e foi por isso que Fernando concordou em financiar a segunda viagem de Colombo..."

Transcrito de "O Chapéu de Vermeer", de Timothy Brook, pag.56. Rio de Janeiro: Record, 2012.


Já mencionei autor e obra no Cargueiro de Letras. O livro trata das grandes navegações do Sec. XVII e a ascensão econômica e naval da Holanda, no que Brook denomina "a aurora do mundo global". Analisa o período usando a peculiar forma de tomar por base os quadros do pintor holandes Johannes Vermeer.
Quando Marco Polo voltou de sua viagem à China, revelou a Europa uma nação com uma indústria muito mais desenvolvida. O fascínio por conhecer e obter os produtos chineses só fez crescer. Isto estimulou os europeus a se lançarem ao mar para fazer comércio com os asiáticos, sabedores da possibilidade de auferirem grandes lucros na empreitada. Seda, porcelana, especiarias e outros produtos eram importados da Ásia pelos europeus. Em vista dos altos investimentos e lucros, Portugal e Espanha tentaram estabelecer o monopólio das rotas marítimas. Mas a Holanda e Inglaterra impuseram sua maior capacidade econômica e romperam os limites impostos pelos dois países ibéricos.
por F@bio

sábado, 11 de abril de 2015

Cargas - Greg Clydesdale

"A Europa precisou de tempo para desenvolver seu potencial comercial; mas, assim que o processo começou, ela criou as redes que fizeram do mundo um todo integrado. Com o fervor dos cruzados, os espanhóis e portugueses capitalizaram-se graças às rotas comerciais traçadas por Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães para criar a primeira rede comercial verdadeiramente global. Dominaram o Atlântico e o Pacífico, constituindo novos mercados e desenvolvendo os recursos recém-descobertos. Lubrificados pelo ouro e pela prata da América do Sul, os ibéricos comerciavam de Macau, a leste, até o Brasil, a oeste, enquanto o famoso galeão Manila ofereceu a primeira ligação sólida entre a Ásia e a América do Norte. No Ocidente é comum ver essa rede como evidência de uma supremacia comercial européia, mas os chineses e os guzerates ainda dominavam os oceanos do Oriente. Os europeus podiam até viajar para mais longe, mas as cargas da Ásia tinham um volume e um valor maiores"

Transcrito do livro "Cargas: como o comércio mudou o mundo. A história do transporte de mercadorias, de 618 até hoje". autor Greg Clydesdale, tradução de Dinah Azevedo, pag. 18, 1ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2012.

Greg Clydesdale é economista e professor de economia no Departamento de Gestão e Negócios Internacionais da Universidade de Massey, Nova Zelândia, possuindo doutorado sobre os determinantes da liderança industrial e do crescimento econômico, sendo também autor do livro "Oportunidade empresarial: o lugar certo na hora certa".

Em Cargas, o autor descreve o fascinante caminho da evolução das trocas comerciais e sua logística de transportes, indo desde as primeiras grandes rotas comerciais até o fenômeno mais recente da globalização. Ele narra também a trajetória e os feitos dos grandes comerciantes e a constituição dos principais conglomerados e corporações do capitalismo. Para quem milita no comércio exterior, é uma leitura fascinante e rica em informações sobre a evolução da produção, do comércio e dos transportes nos negócios internacionais, procurando ir além da visão eurocêntrica que tanto limita nossa compreensão da história da humanidade.
Por F@bio

domingo, 8 de março de 2015

O alegre porto - Ricardo Chaves

"O alegre porto
29 de novembro de 2011




Fotos: Léo Guerreiro, arquivo pessoal de Ricardo  Chaves

No final dos anos 1950 e início dos 60, era um programão dar um passeio pelo porto da Capital. Pelo menos para um garoto que acompanhava a mãe em incursões ao centro da cidade, sempre na esperança de convencê-la a atravessar a Avenida Mauá e cruzar sob o majestoso pórtico central.
Dona Nilce era professora e todos os meses ia ao Tesouro do Estado (bela forma de chamar a Secretaria da Fazenda) para receber seus vencimentos (demorei para entender que esse termo significava salário). Quando saíamos, pela pequena porta ao lado da grande escadaria, era a hora do bote. O pedido/convite era atendido com amorosa resignação maternal e, sem muro nem burocracia, com o grande portão de ferro aberto a todos, ingressávamos de mãos dadas no cais. Munidos apenas da cautela necessária para evitar acidentes.
Uma paisagem única e dinâmica aguardava por nós. Navios enormes (percebi, mais tarde, que não eram tão grandes) eram carregados pela força dos estivadores e pelo incessante movimentos dos guindastes. Bonito de ver. Depois veio o golpe fatal: decretado como Área de Segurança Nacional e isolado pelo muro, o cais tornou-se inacessível.
Agora, dizem, a revitalização sai. Já não era sem tempo. Não será como aquele que conheci, mas acredito que possa voltar a ser, uma vez mais, um porto alegre e movimentado."

Obtido em: http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho/2011/11/29/o-alegre-porto/?topo=13,1,1,,,13

Ricardo Chaves é fotógrafo, jornalista e colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre (RS), publica o blog Almanaque Gaúcho com Lucas Vidal no ZH Blogs (http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho)

A crônica "O alegre porto", na qual Ricardo Chaves relata uma visita ao cais do porto na sua infância, me fez lembrar da minha adolescência em Niterói, em fins dos 60, início dos 70. Naquela época, vez por outra pegava a bicicleta e circulava pela cidade. Era ainda bastante provinciana e tranquila - não tinha a ponte Rio - Niterói. Uma vez fui até o bairro da Ponta da Areia, onde se situavam - e ainda se situam - alguns estaleiros. Pedalando entrei nas instalações do Estaleiro Mauá. Fique alguns instantes lá admirando o trabalho dos operários navais montando um navio no cais. Depois, simplesmente dei meia volta e retornei para continuar o passeio. As coisas funcionavam assim "sem burocracia, com o grande portão de ferro abertos a todos".
Por F@bio


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Salsugem - Al Berto

Salsugem

Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu....como seriam felizes as mulheres
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas esperando o mar
e a longitude do amor embarcado.....
....por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite...
....os dias lentíssimos....sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta.... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci.... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão....
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me
uma pérola no coração. Mas estou só, muito só,
não tenho a quem a deixar.)
.... um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta....
.... inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas de que alguma vez me visite
a felicidade

Leia mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=265 © Luso-Poemas


Al Berto, pseudônimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares [1948-1997], foi poeta, pintor, editor e animador cultural. Português, natural de Sines, frequentou cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde se exilou em 1967. A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura. A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário.

Nas palavras de Rodrigo da Costa Araújo, Al Berto, "além da ausência de pontuação e outros recursos gráficos, como o uso do ponto final e da vírgula ou a letra maiúscula, ... explora e questiona o discurso enaltecedor, problematizando vários limites em figuras que sustentam dicotomias, tais como: dentro/fora, longe/perto (espelho), começo/fim (mar) e os limites entre tempo e passado (cenas) ou presente/passado."
O poeta, na sua Salsugem, se contrapõe ao discurso ufanista de Camões, poetisando a solidão dos que ficam. No abandono, acabam criando sua miragem melancólica dos oceanos e barcos crepusculares, amores que petrificaram corações deixando "um dardo de sangue .. no linho da noite".
Por F@bio

sábado, 29 de novembro de 2014

Um Eldorado - Machado de Assis

“A capital oferecia ainda aos recém-chegados um espetáculo magnífico. Vivia-se dos restos daquele deslumbramento e agitação, epopeia de ouro da cidade e do mundo, porque a impressão total é que o mundo inteiro era assim mesmo. Certo, não lhe esqueceste o nome, encilhamento, a grande quadra das empresas e companhias de toda espécie. Quem não viu aquilo não viu nada. Cascatas de ideias, de invenções, de concessões rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis. Todos os papéis, aliás ações, saíram frescos e eternos do prelo. Eram estradas de ferro, bancos, fábricas, minas, estaleiros, navegação, edificação, exportação, importação, ensaques, empréstimos, todas as uniões, todas as regiões, tudo o que esses nomes comportam e mais o que esqueceram. Tudo andava nas ruas e praças, com estatutos, organizadores e listas. Letras grandes enchiam as folhas públicas, os títulos sucediam-se, sem que se repetissem, raro morria, e só morria o que era frouxo, mas a princípio nada era frouxo. Cada ação trazia a vida intensa e liberal, alguma vez imortal, que se multiplicava daquela outra vida com que a alma acolhe as religiões novas. Nasciam as ações a preço alto, mais numerosas que as antigas crias da escravidão, e com dividendos infinitos.”



Em “Esaú e Jacó”, de Machado de Assis, pag.141, 4ª Edição (cotejada com a edição original da Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1904). São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. 









Joaquim Maria Machado de Assis, autodidata, foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. Nasceu em 21.07.1839 no Rio de Janeiro, cidade onde viveu até sua morte em 29.09.1908. Mulato, pobre, de saúde frágil, órfão de pai e mãe, foi criado pela madrasta, Maria Inês, também mulata. Primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, que adotou seu nome – Casa Machado de Assis. É considerado o maior escritor brasileiro. “Esaú e Jacó” é seu penúltimo romance. (Leia mais em: http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp)

Tenho profunda admiração pela escrita sutil e irônica de Machado, de quem já li quase toda a obra. O livro que mais me marcou é, sem dúvida, Dom Casmurro. Mas todos os seus textos são de uma riqueza literária e poética sem igual e muito a frente de seu tempo. Para quem mora no Rio de Janeiro é uma delícia acompanhar a geografia da cidade, na qual são ambientados todos os seus romances, e perceber as enormes transformações sofridas. O romance Esaú e Jacó tem por protagonistas irmãos gêmeos que, embora idênticos no físico, são oponentes e concorrentes nos desejos e personalidades, uma clara referência à parábola bíblica. Machado ambienta o romance no período da passagem do Império para a República, e trata como pano de fundo os dilemas dos que estão no poder e dele não querem apear. O trecho transcrito, realista e melancólico, aborda a situação econômica vivida no período pós proclamação da república, com a política do encilhamento, situação muito parecida com a crise econômica mundial vivida em 2008, conhecida como "bolha imobiliária". Para os que desejam conhecer melhor esse genial escritor, sugiro ler sua biografia escrita por Daniel Piza, “Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro”, com uma abordagem de vida e obra, critica, mas sem paixões.
Por F@bio 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A turma, de Manoel de Barros

"A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens. Bernardo conversava pedrinhas
com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água
na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
Infantis gerava mais poesia do que obedecer
as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das
palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de
Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.”

Obtido de: http://www.campograndenews.com.br/lado-b/artes-23-08-2011-08/aos-97-anos-manoel-de-barros-renasce-em-bernardo-e-com-poesia-inedita


Manoel de Barros bateu asas e avoou. Passarinho voou pras bandas do Pantanal, pra borboletear, encantar flores e frutos, gotejar pedrinhas, pregar lembranças, poemar palavras...
Voa passarinho Manoeldebarros, vai cantar suas poesias, inventar bichos e inspirar a vida!!
Por F@bio




domingo, 26 de outubro de 2014

Ópera do Malandro - Chico Buarque


 

Ópera


 

(JOÃO ALEGRE)

Telegrama
Do Alabama
Pro senhor
Max Overseas
Ai, meu Deus do céu
Me sinto tão feliz

(TERESINHA)

Chegou a confirmação
Da United coisa e tal
Que nos passa a concessão
Para o náilon tropical

(MAX)

Então nós vamos montar
Em São Paulo um fabricão

(TERESINHA)

Depois vamos exportar
Fio de náilon pro Japão

(MAX)

Sei que o náilon tem valor
Mas começa a me enjoar
Tive idéia bem melhor
Nós vamos ramificar

(TERESINHA)

 Já ramifiquei,ha ha
Fiz acordo com a Shell
Coca-Cola, RCA
E vai ser sopa no mel

(CORO)

Que beleza
Que riqueza
Tá chovendo
Da matriz
Ai, meu Deus do céu
Me sinto tão feliz

(MAX)

Que tal juntarmos
Esses capitais
Abrindo um banco
Em Minas Gerais

(TERESINHA)

Que brilhante idéia, meu amor
Que plano original
Com fundos no exterior
Você fundar
Um banco nacional

(CAPANGAS DE MAX)

E eu que já fui
Um pobre marginal
Sem documento
E sem moral
Hei de ser um bom profissional
Vou ser quase um doutor
Contínuo da senhora
E do senhor
Bancário ou contador

(CORO)

Que sucesso
O progresso
Corta o mal
Pela raiz
Ai, meu Deus do céu
Me sinto tão feliz

(CHAVES)

Irmão
Nem começar eu sei
Receio te inibir

(MAX)

Tua vontade é lei
É falar
É mandar
É exigir

(CHAVES)

É que
Num mundo tão cruel
Cheio de inveja e fel
Não lhe fará mal
Ter à mão
Proteção
Policial
Quer os meus préstimos?

(MAX)

Eu acho ótimo

(BARRABÁS)

Serve um acólito?


(MAX)

Também vou te empregar

(LÚCIA)

Eu não
Tenho com quem deixar
Meu filho que já vem

(MAX)

Barrabás é um par
Exemplar
Quer casar

(BARRABÁS)

E adoro neném

(CORO)

Maravilha
Que família
Dois pombinhos
E um petiz
Ai, meu Deus do céu
Me sinto tão feliz

(VITÓRIA)

Só tenho um único
Breve reparo
A tão preclaro
Genro viril
É o esquecimento
Do sacramento
Afinal
Se casou
Só no civil
Oh oh oh
Oh oh oh
Só no civil
Oh oh oh
Oh oh oh
Só no civil

(MAX)

Mas nesse ínterim
Mudei de crença
Já peço a benção
No santo altar

(VITÓRIA)

Que maravilha
Não perco a filha
E um varão
Bonitão
Eu vou ganhar
Ah ah ah
Ah ah ah
Eu vou ganhar
Ah ah ah
Ah ah ah
Eu vou ganhar

(DURAN)

Minha filha eu desejo pedir teu perdão

(TERESINHA)

Oh, meu pai, isso é bom demais!
Finalmente! Até que enfim!

(DURAN)

Não sei como fui pra você tão durão
Tão mandão, tão sem coração
Tão malvado assim

(MAX)

Meu sogro, o senhor não sabe
Quanta alegria
Me dá, ao dizer que já se juntou
Aos nossos

(DURAN)

Só Deus sabe há quanto tempo
Eu tanto queria
Poder apertar esses ossos

(CORO)

Que euforia
Quem diria
Como os grandes
São gentis
Ai, meu Deus do céu
Me sinto tão feliz

(DURAN)

Não quero ser
Nas suas costas um fardo
Porém, talvez
Eu necessite um resguardo

(MAX)

Tua instituição
Tão tradicional
Vai ter um padrão
Moderno
Cristão e ocidental

(FUNCIONÁRIAS DE DURAN)

Vamos participar
Dessa evolução
Vamos todas entrar
Na linha de produção
Vamos abandonar
O sexo artesanal
Vamos todas amar
Em escala industrial

(TODOS)

O sol nasceu
No mar de Copacabana
Pra quem viveu
Só de café e banana
Tem gilete, Kibon
Lanchonete, Neon
Petróleo
Cinemascope, sapólio
Ban-lon
Shampoo, tevê
Cigarros longos e finos
Blindex fumê
Já tem Napalm e Kolinos
Tem cassete e ray-ban
Camionete e sedan
Que sonho
Corcel, Brasília, plutônio
Shazam
Que orgia
Que magia
Reina a paz
No meu país
Ai, meu Deus do céu
Me sinto tão feliz

 

“Ópera do Malandro”, de 1978, é um musical de Chico Buarque de Holanda. Conta-se que ele teve a ideia de escrever uma adaptação para os clássicos “Ópera dos Mendigos”, de John Gay, e “A Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht e Kurt Weill,  durante conversa com Ruy Guerra, cineasta e parceiro de Chico no musical “Calabar”.

A Ópera do Malandro tem um texto bastante atual. O cafetão Duran, que se passa por um grande comerciante, e sua mulher Vitória, também cafetina, têm a expectativa de casar a filha Teresinha com um homem importante na sociedade, mas ela se envolve com Max Overseas, traficante que vive de golpes e mutretas com o chefe de polícia Chaves. Os outros personagens são Lucia, filha de Chaves, que também foi seduzida por Max, as prostitutas, a travesti Geni, os capangas de Max e o narrador João.

A peça se passa na década de 1940, tendo como pano de fundo a legalidade do jogo, a prostituição e o contrabando, questões que continuam a fazer parte da cena cotidiana da atualidade.

Tive a oportunidade de assistir duas montagens da peça, a primeira da dupla Charles Muller e Claudio Botelho, com Mauro Mendonça, Lucinha Lins, Soraya Ranvele, Alexandre Schumacker e outros. A segunda e mais recente de João Falcão com um elenco quase que exclusivamente masculino, acaba tendo um viés mais cômico. Chama a atenção a genialidade de Chico Buarque, autor de todas as músicas, que se harmonizam e valorizam o texto, inspirado em duas obras de grande reconhecimento. Quem ainda não viu, não deve perder.
Por Fabio.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Quem Fala? - Fabio M. Faria

"Quem fala?
de Fabio Martins Faria
(...)

Naquela época, o país estava em plena crise do petróleo. Não havia divisas suficientes para pagar os compromissos internacionais. A saída era realizar um controle diário das exportações e importações para saber como evoluía o saldo de dólares.

Certa noite, um novo funcionário estava sozinho na seção, conferindo umas tabelas, no que era reconhecido como um craque.  No meio desse serão, tocou o telefone.

- Alô, boa noite! - atendeu meio sonado o zeloso funcionário.

- É da estatística? - indagou alguém com uma voz imperial.

- Sim, é do setor de estatística – respondeu o funcionário.

- Eu quero saber da balança. Quero aqui agora na minha sala, traz logo!

- Mas eu não sei onde está – retrucou o empregado com sua sinceridade habitual.

- Como? - grunhiu a voz do outro lado

- Não faço ideia onde está.

- Pois então se vira e traga logo aqui pra mim. É urgente! - ordenou com voz colérica.

- Mas tô sozinho aqui e não sei onde está – respondeu com toda calma o aplicado funcionário.

- Você sabe com quem está falando?

Pelo tom ameaçador, percebeu logo que era o “poderoso chefão”, mas como não tinha contato com ele, resolveu arriscar.

- E o senhor sabe quem está falando?

- Não, seu imbecil, quem está falando aí? – berrou o chefão irado.

- Ainda bem...


- Tum...Tum...Tum..."


Transcrito do livro "Casos e Acasos do Comércio Exterior", São Paulo: Aduaneiras, 2014

Recentemente lançamos o livro durante o Encontro Nacional de Comércio Exterior - ENAEX 2014, realizado pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), nos dias 7 e 8 de agosto, no Rio de Janeiro. Sou organizador do livro, juntamente com o Professor Jovelino Pires. Somos 6 autores: Arthur Pimentel, Edson Lupatini, Eduardo Coelho, Fabio M. Faria, Jovelino Pires e Ricardo Dobbin. O livro tem 32 crônicas que relatam casos pitorescos vividos pelos autores nas suas militâncias no comércio internacional. As criativas ilustrações são de Renato Pires. Abrilhanta o livro, o emocionante prefácio de Ricardo Cravo Albin. Participar dessa iniciativa foi muito divertido e estimulante.
Por F@bio