sábado, 18 de fevereiro de 2012

Narciso de Andrade, o poeta do vento e das maresias - Adelto Gonçalves

Adelto Gonçalves
...
Por esse tempo [anos 30], Santos destacava-se pelo movimento de seu porto, especialmente por causa das exportações de café. Os corretores atropelavam-se na Rua XV de Novembro com os canudos em que levavam as latas de amostras para a Bolsa de Café, onde em meio a telas de Benedicto Calixto acompanhavam o pregão e as cotações diárias.

O dinheiro escorria pelas ruas do centro antigo e fortunas eram construídas no dia-a-dia da cidade portuária. Seu comércio era intenso: a loja Ao Camiseiro, ao lado da redação de O Diário e quase em frente ao Café Paulista, vestia com gabardine, tropical inglês e outros tecidos finos os corretores de café, os despachantes aduaneiros e seus ajudantes, os fiscais da Alfândega, toda uma classe que ascendia socialmente com os negócios que se faziam em torno das mercadorias que entravam e saíam do porto.
...


Adelto Gonçalves (Brasil). Ensaísta. Autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (1999), Barcelona Brasileira (1999) e Bocage - O Perfil Perdido (2003). Contato: adelto@unisanta.br.

Deparei-me com esse ensaio de Adelto Gonçalves na internet (Revista Agulha) que analisa e traça a trajetória de Narciso de Andrade, jornalista e advogado, mas sobretudo poeta. Ia publicar o poema Cais de Narciso, mas achei o texto de Adelto de uma beleza impar e sonoridade poética que resolvi publicá-lo antes do poema. No trecho transcrito, Adelto tece, ou melhor, pinta um lindo quadro da cidade portuária na década de 30. Santos se destacava por ser o principal porto da América Latina no qual era embarcado o café, principal produto de exportação do Brasil que chegou a representar mais de 60% da nossa receita de exportação.
Por 

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Na ponte de comando - M. Segall

Na ponte de comando
da nave que singra as vagas
como a noz que flutua na corrente
a vista comanda a linha do horizonte
avistada no infinito
pelo navegante de todas as eras
que no convés ou tombadilho
tal escultura de pedra
perscruta sem piscar
e migra do longe para o perto
para imergir do fora para o dentro
na hipnose do encontro do céu e mar.

A coragem preparada para o mergulho
na cachoeira do fim do mundo plano

como a flechada da gaivota para o fundo
do oceano turvo de um mundo curvo
sonhando sempre com mistérios e perigos
da descoberta de algum novo porto

Portal de horizontes mais profundos.

Maurício Segall é museólogo, economista e autor de duas peças de teatro premiadas: “A Formatura” e “O Coronel dos Coronéis”, editadas pelo Serviço Nacional de Teatro e pela Civilização Brasileira em 1967 e 1979, respectivamente. É também autor do livro de poemas “Máscaras ou Aprendiz de Feiticeiro”, de 2000. É ainda autor de diversos artigos sobre política e museologia.
Filho do artista Lasar Segall com a escritora e tradutora Jenny Klabin Segall, Mauricio nasceu em Berlim em 1926, onde viveu seus primeiros meses de vida. Em 1954 casou-se com a atriz Beatriz Segall, com quem tem três filhos. Em 1970, Maurício foi preso pelo regime militar brasileiro e condenado a dois anos de prisão em 1973 pelo Tribunal Militar de São Paulo.
Em 1967, ele e seu irmão, Oscar Klabin Segall, fundaram o Museu Lasar Segall. Durante trinta anos, de 1967 a 1997, inclusive nos anos passados na prisão, Maurício Segall esteve à frente da instituição, localizada em São Paulo.
Sua gestão definiu os rumos que até hoje constituem a estrutura e as atividades do museu, que cresceram a partir da incorporação à Fundação Pró-Memória, depois ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e finalmente ao Ibram/MinC
Obtido de: http://www.cultura.gov.br/brasilidade/agraciados-2010/mauricio-segall/

Mauricio Segall nos leva a navegar como quem, do tombadilho, vislumbra o horizonte. Mar-oceano com suas vagas a nos jogar de cá prá lá, embalando-nos qual a noz que vagueia levada pela corrente/torrente, cachoeira do fim do mundo, a desaguar nalgum lugar distante e profundo, um cais para nos amparar, aportar nosso barco-corpo, um porto novo, um ombro amigo.
Por
F@bio

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Cais - Marien Calixte

CAIS
Gostaria
de sair contigo
pela beira do cais,
mãos dadas,
despreocupadamente,
apreciar a tarde,
as formas dos navios,
as cores do dia,
as palavras mais simples.
(Vez e outra
um silêncio).
Gostaria
de contigo repetir
os gestos,
chutar as pedras
e vê-las cair ao mar.
Gritar seu nome,
chamando
a atenção do vento.


Obtido de: http://www.poetas.capixabas.nom.br/Poetas/detail.asp?poeta=Marien%20Calixte

Marien Calixte, nascido no Rio de Janeiro-RJ, em 20/10/1936, capixaba por adoção, onde está radicado desde os dez anos de idade. É considerado o mais versátil multimídia do Estado. Jornalista, radialista, escritor, pintor, especialista em jazz e produtor cultural. Contista e poeta, nesse poema nos fala do amor no cais.
Cais lugar onde melhor se pode apreciar o cair da tarde, o balanço dos navios e o vôo agitado dos pássaros. A brisa que sopra envolve os amantes em seu passeio enamorado pela alameda do cais. O apito dos navios convida a sonhar com amores estrangeiros. O vaivem das ondas embala os corações e ao bater nas pedras, desperta os apaixonados, como um nome gritado da proa do navio que parte, levando a sua melhor parte, amor que vai, enquanto o sol se esvai e a noite cai. O cais é também dos apaixonados.
Por
F@bio

domingo, 27 de novembro de 2011

Porto do Suape - Mario Quintana

PORTO DO SUAPE
No movimento
lento
dos navios
o dia
sonolento
vai inventando variações da luz...
No cais,
os guindastes,
domesticados dinossauros,
erguem a carga do dia.
As coisas também querem partir.
As coisas também querem chegar.


Obtido de http://www.oocities.org/br/prosapoesiaecia/quintanamestres.htm

Mais uma desse Grande mestre do lirismo, Quintana, que poetisa o porto de Suape, o novo porto de Recife, moderno e estratégico porto nordestino que acredito será um do maiores do País.
Quintana isso já percebera e traçou seu brado poético: É preciso movimentar os navios e os guindastes, mexam-se estivadores, liguem suas máquinas, pois as cargas também querem ter o direito de ir e vir!
Por
F@bio 

sábado, 5 de novembro de 2011

Mar Morto - Jorge Amado

“Guma viu quando o cargueiro alemão entrou. Eram três horas da tarde, ele estava no saveiro. O cargueiro não atracou, enorme para o cais, ficou fora, soltando rolos de fumaça. De cima do “Paquete Voador” Guma enxergava luzes do navio. (...)

Ouve o salto de Toufick. Vem outro árabe com ele. Esse traz um cachecol enrolado ao pescoço apesar do calor. Toufick apresenta.

- Sr. Haddad.

- Mestre Guma.

(...)

Os dois árabes sentaram no madeirame do saveiro e começaram a trocar língua. Guma fumava silenciosamente ouvindo a cancão que vinha do forte velho:

“Ele ficou nas ondas

Ele se foi a afogar”

(...)

Meia-noite mais ou menos Toufick disse:

- Podemos ir.

Suspendeu a âncora do saveiro (Haddad ficou olhando as suas tatuagens), levantou as velas. O barco depois da manobra ganhou velocidade. As luzes do navio apareciam. Recomeçou a toada no forte velho. Naturalmente Jeremias cantava para a lua nessa noite de tantas estrelas. Iam silenciosos no saveiro. Já estava  bem perto do navio quando Toufick disse:

- Pare.

O “Paquete Voador” parou. A uma ordem de Toufick, Guma arriou as velas. O casco do saveiro jogava lentamente. Haddad assoviou de um modo especial. Não obteve resposta. Tentou novamente. Da terceira vez ouviram um assovio que respondia.

- Podemos ir – disse Haddad.

Guma tomou dos remos e não levantou as velas. O saveiro contornou o navio, foi atracar no seu casco, do lado que dava para Itapagipe. Uma cabeça apareceu. Conversou com Haddad numa língua também estranha para Guma. Logo desapareceu. Depois veio outro. Nova conversa. Haddad mandou que o saveiro se adiantasse um pouco mais. Foram encostar junto a uma larga abertura. E dois homens começaram a descer peças de seda que Guma e Toufick iam arrumando no porão do saveiro. Não foram perturbados.

Se afastou lentamente do navio. Já longe, depois de ter atravessado o quebra-mar, abriu as velas e correu de lanterna apagada. O vento o ajudava, chegou rapidamente ao porto de Santo Antônio. Apenas as ondas eram bem mais altas, o mar menos calmo. Mas o “Paquete Voador” era um saveiro grande e resistia bem. Toufick comentou:

- Chegamos depressa.

Homens já esperavam o saveiro...”



Transcrito de “Mar Morto”, de Jorge Amado. 45ª. Ed. Págs. 197 a 199. Romance. Rio de Janeiro: Record, 1978.



Jorge Amado cria em seu romance Mar Morto uma história em que o protagonista, Guma, em face das dificuldades, acaba se rendendo à oferta de um comerciante para participar de um desembarque de uma carga ilegal, numa cena de contrabando, ou na linguagem tecnicamente correta, descaminho.

Mar Morto trata de transição entre o antigo sistema de desembarque ainda herdado do tempo dos veleiros, sendo substituído pela navegação a vapor, com seus “rolos de fumaça”. Guma cresce no cais e mantêm a tradição trágica dos mestres de saveiros, velhos marinheiros que desafiam os perigos do mar e os encantos de Dona Janaína, Princesa das terras de Aiocá.

Guma, cuja destreza se consagrou ao salvar um navio perdido em dia de tempestade, enfrenta dificuldade com os baixos e escassos fretes pagos aos saveiros e tem de buscar uma alternativa para sustentar sua mulher e filho. A sedução do submundo se apresenta e ele aceita participar do desembarque de uma carga ilegal para ter como pagar dívidas e melhorar de vida.

Mas, os marinheiros vivem entre os atos heróicos e os desafios da natureza e da rainha do mar. Guma é mestre de reconhecida habilidade, que não se amedronta diante da ira de Iemanjá. Porém isso não basta, “pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem”.
Por F@bio

domingo, 30 de outubro de 2011

Cais - Fernando Namora

"Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exactos por dentro."
Fernando Namora, in 'Marketing'

Obtido em: http://www.citador.pt/poemas/cais-fernando-namora

Fernando Namora (1919 - 1989) poeta, escritor e medico português.
Esse poema, onde aparece repetidas vezes a palavra "tênue", ao contário, é denso e intenso. Fernando Namora nos fala de situações que são efêmeras na vida cotidiana, mas intensas no espírito. Quem não se encanta com a frágil cena de um cais deserto onde balança sonolento um navio esquecido ou com a imagem de um pássaro cinzento a voar sob a luz da estrela alcançada pelo pequeno peixe. Sublime é o porto visto por olhos encantados de uma janela do casario da cidade adormecida. Imagens vagas que o tempo dilui, mas que a alma retém e cimenta, para que se eternise em nossos corações.
Por
F@bio

domingo, 23 de outubro de 2011

Terras do sem fim (2) - Jorge Amado

"Uma ordenança municipal proibia que as tropas de burros que traziam cacau chegassem até o centro da cidade. As ruas centrais de Ilhéus eram calçadas todas elas e duas o eram de paralelepípedos, num sinal de progresso que inchava de vaidade o peito dos moradores. As tropas paravam nas ruas próximas à estação e o cacau entrava na cidade em carroças puxadas por cavalos. Era depositado nos grandes armazéns próximos ao porto. Aliás, uma grande parte do cacau que chegava a Ilhéus para ser embarcado não descia mais no lombo de burros: vinha pela estrada de ferro ou baixava em canoas, desde Banco-da-Vitória, pelo rio Cachoeira que desembocava no porto.
O porto de Ilhéus era a preocupação maior dos moradores. Naquele tempo existia apenas uma ponte onde atracar os navios. Quando coincidia chegar mais de um navio na mesma manhã, a mercadoria de um deles era desembarcada em canoas. Porém já se fundara uma sociedade anônima para beneficiar e explorar o porto de Ilhéus, falava-se em construir mais pontes de atracação e grande docas. Falava-se também, e muito, em melhorar a entrada perigosa da barra, em fazer vir dragas que a aprofundassem.
Ilhéus nascera sobre ilhas, o corpo maior da cidade numa ponta de terra, apertado entre dois morros. Ilhéus subira por esses morros - o do Unhão e o da Conquista - e invadira também as ilhas vizinhas. Numa delas ficava o arrabalde de Pontal onde a gente rica da cidade tinha suas casas de veraneio. A população crescia assustadoramente desde que a lavoura de cacau se estendera. Por Ilhéus saía para a Bahia quase toda a produção do sul do estado. Havia apenas um outro porto - Barra do Rio de Contas - e esse era um porto pequeniníssimo, onde só os barcos a vela davam calado. Os moradores de Ilhéus sonhavam em exportar algum dia o cacau diretamente, sem ter que mandá-lo para a Bahia. Era assunto que já estava sempre nos jornais: o aprofundamento da barra, que não dava passagem a navios de grande calado."

Transcrito de "Terras do Sem Fim", de Jorge Amado. Romance. Pag. 200. 71a. Ed. Rio de Janeiro. Record, 2002

Mais uma vez Jorge Amado nos brinda com uma prosa que remete ao comércio exterior. Fala de Ilhéus e seu porto antigo, de uma só ponte e calado raso. Não conheci esse velho porto de que fala Amado, mas sim o novo que materializou o sonho dos moradores daquela cidade do sul-bahiano. Um  porto feito com a riqueza gerada pelo cacau, antes que  o ciclo de baixa se instalasse, ciclo que foi agravado pela doença conhecida como vassoura-de-bruxa. A cena descrita por Jorge Amado remete aos primórdios do Século XX e apresenta a logística peculiar de então que era usada para o transporte do cacau: tropas de burros, carroças puxadas a cavalo, estrada de ferro ou canoas, armazéns das docas, cais do porto e sua única ponte, navio de cabotagem que seguia para Salvador onde era embarcado para o exterior em navios de longo curso. Essa é a segunda postagem que faço a partir do livro Terras do Sem Fim, um faroeste cabloco, cheio de aventuras e desventuras, que historia a renhida luta dos Badarós e Horácio.
Por
F@bio

sábado, 8 de outubro de 2011

Poema Dos Olhos Da Amada - Vinicius de Moraes

Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

Obtido de http://letras.terra.com.br/vinicius-de-moraes/86575/


Vinicius de Moraes dispensa apresentações. Nosso diplomata, poeta, músico e até cantor. Na verdade um encantador. Qual mulher restiria à sua prosa, versos galantes, sutis, amantes?
Estava procurando algo dele para postar no Cargueiro e me deparei com esse lindo poema que, para falar dos olhos da amada, remete ao cais, docas, navios, naufrágios, portanto à temática do blog, que fica assim mais leve, com os versos do poetinha.
Olhos da amada são o lume que indicam o caminho a seguir no escuro da noite, no breu dos mares, no sobe e desce dos humores, no vai e vem dos amores. A luz desse olhar, desfaz o mistério e lança esperança aos apaixonados. Os versos de Vinicius embalam nossos corações.
Por
F@bio   

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Onda - Manuel Bandeira

A ONDA
A onda
a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda


Seu nome completo: Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, nasceu em Recife, dia 19 de abril de 1886 e morreu aos 82 anos de idade, no Rio de Janeiro, dia 13 de outubro de 1968. Foi um grande poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Escreveu alguns poemas que também encantam as crianças, como A Onda.


Neste poema Bandeira brinca com os sons e a métrica, criando um movimento que remete ao ondular do mar. Repare que usou apenas quatro vogais e duas consoantes, pra que mais? Lendo no ritmo certo, a gente acaba mareado. Esse poema não encanta apenas as crianças, mas a todos os admiradores da arte das palavras. Viva Bandeira!
Por F@bio
P.S.: A caricatura de Manuel Bandeira é de outro poeta, o também genial Carlos Drummond de Andrade.

sábado, 24 de setembro de 2011

Terras do Sem Fim - Jorge Amado

"Ferradas nascera em torno de um armazém de cacau... Ao lado do armazém foram surgindo casas, em pouco tempo se abriu uma rua de lama, dois ou três becos a cortaram...Tropeiros, que vinham conduzindo tropa de cacau seco das fazendas mais distantes, pernoitavam..."

Transcrito de "Terras do sem fim" de Jorge Amado, págs. 140 e 141, 71ª edição. Romance. Rio de Janeiro: Record, 2002.

Jorge Amado, inspirado pela saga de seu pai, que emigrou da Paraíba atraído pelas riquezas do cacau, situa seu romance na região sul-bahiana na época do desbravamento das matas para plantio das roças de cacau, no início do Sec. XX. A epopéia é levada por homens que com suor, machados, facões, foices, enxadas, armas, jagunços, tocaias, traições e caxixes, plantam as lavouras de cacau que fizeram a riqueza daquela região, antes do advento da vassoura-de-bruxa, praga de arrazou as plantações no final do século. A força dessa cultura foi tão grande que alguns chegam a denominar "o ciclo do cacau", junto com outros ciclos econômicos brasileiros, como: ouro, borracha, café, açúcar etc. O romance, que narra a contenda entre Horácio da Silveira e os Badarós, termina com a vitória do primeiro e tem sequência em "São Jorge dos Ilhéus".
O trecho transcrito remete às minhas origens. Nasci no hoje município de Varre-Sai, no noroeste do Estado do Rio de Janeiro. A cidade foi constituída à semelhança de Ferradas, em torno de um rancho onde pernoitavam tropeiros de café com suas mulas. Dizem que a proprietária do local colocou uma placa para alertar os tropeiros que deveriam limpar a sujeira deixada por seus animais antes de partir: "varre e sai". Daí a alcunha. As tropas, vindas de fazendas distantes, levavam os grãos de café até armazéns de empresas comerciais e dessas para o porto de Vitória ou do Rio de Janeiro e de lá embarcados para o exterior. Meu pai contava muitas histórias de como as matas foram desbravadas para o plantio de cafezais, como na fazenda em que nasci. Mas, não me lembro de referências a jagunços e caxixes.
Por F@bio

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Planta de Maceió - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

O vento do mar rói as casas e os homens.
Do nascimento à morte, os que moram aqui
andam sempre cobertos por leve mortalha
de mormaço e salsugem. Os dentes do mar
mordem, dia e noite, os que não procuraram
esconder-se no ventre dos navios
e se deixam sugar por um sol de areia.
Penetrada nas pedras, a maresia
cresta o pêlo dos ratos perdulários
que, nos esgotos, ouvem o vômito escuro
do oceano esvaído em bolsões de mangue
e sonham os celeiros dos porões dos cargueiros.
Foi aqui que nasci, onde a luz do farol
cega a noite dos homens e desbota as corujas.
A ventania lambe as dragas podres,
entra pelas persianas das casas sufocadas
e escalavra as dunas mortuárias
onde os beiços dos mortos bebem o mar.
Mesmo os que se amam nesta terra de ódios
são sempre separados pela brisa
que semeia a insônia nas lacraias
e adultera a fretagem dos navios.
Este é o meu lugar, entranhado em meu sangue
como a lama no fundo da noite lacustre.
E por mais que se afaste, estarei sempre aqui
e serei este vento e a luz do farol,
e minha morte vive na cioba encurralada.

Obtido de: http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/cidbr/maceio/maceio02.php                       

Ledo Ivo é esse poeta mordaz e instigador, que nos oferece versos sombrios e rascantes. Versos que falam de uma Maceió lamacenta e lúgrube, como são, em geral, as zonas portuárias. Prédios em ruinas, recantos escuros, lixo e lodo, restos e resíduos dos que seguiram seu curso ou foram o que não mais serão. Erodidos pelo vento, pela chuva, pela areia, pelo sal, pela vida...fodidos!
Por
F@bio

sábado, 9 de julho de 2011

Oriente - Gilberto Gil

De: Gilberto Gil

Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha
Vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo merece
Consideração


Considere, rapaz
A possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão
Pela curiosidade de ver
Onde o sol se esconde
Vê se compreende
Pela simples razão de que tudo depende
De determinação


Determine, rapaz
Onde vai ser seu curso de pós-graduação
Se oriente, rapaz
Pela rotação da Terra em torno do Sol
Sorridente, rapaz
Pela continuidade do sonho de Adão



Obtido de: letras.terra.com.br/gilberto-gil/376449/


Gilberto Gil, um musico e compositor que muito admiro. Nesta letra de métrica tão sutil e sofisticada, ele nos fala de Oriente e oriente, num jogo de sentidos e metáforas. O marinheiro se orienta pelas constelações. Aqueles que levam cargas pro e do oriente, desde as primitivas rotas da seda, orientam-se. O cargueiro que leva mil coisas em seu porão, leva também o rapaz que busca a continuidade do sonho de Adão...proliferação. E quais povos seguem com vigor esse sonho? Os que estão no Oriente, certamente.
A letra de Gil fala do "cargueiro do Loyd", a empresa de navegação estatal que deixou sua marca no Sec. XX. Vários autores romanceiam histórias nos navios do Loyd. Tive a oportunidade de visitar um, no porto de Ilhéus. Era o Loyd Pacífico lá pelos anos 80, mas que já tinha a cabine de comando toda informatizada, uma jóia, que foi sucateado em razão dos problemas de gestão enfrentados pelas empresa. Falta de consideração...
Por
F@bio

sábado, 2 de julho de 2011

Antielegia às crianças velhas - Carlos Nejar

De: Carlos Nejar




"Todos podem ver o amor
e o amor não vê no cais
crianças carregando fardos,
entre adultos, carregando
a fonética dor de ir cedo
ou sem murmúrio,
envelhecendo.

E no orfanato o sonho
é bem menos exato
do que a dor.
Que piedade tem
a pobreza, que
misericórdia
no trabalho?
E andarão,
meninos, com
cargueiros
vergando o peito
cândido. Atrás
de uma rua,
uma casa
na infância.

Cada passo
é um túnel.
Cada passo,
um navio
que transporta
pedras e açucenas.
Cada passo, porta
que fermenta
surdos ossos, fuzis.

Cada porta, é a criança
chorando atrás da porta.
Cada lágrima
é a noite que rebenta."


Obtido de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/2421/1895


Carlos Nejar (Luiz C. Verzoni N.), advogado, professor e poeta, nasceu em Porto Alegre, RS, em 11 de janeiro de 1939. Além dos títulos de romancista, contista, dramaturgo, filósofo e historiador da literatura, Nejar é também chamado de "o poeta do pampa brasileiro".
Nos versos acima, Nejar nos brinda com esses versos cheios de lirismo e dor. Um retrato poético desse nosso país cheio de desigualdades, que ninguém vê, ou não quer ver. Cegos e surdos no amor. Não há sonho, não há misericódia, só meninos invisíveis carregando seu pesado fardo de dor, vergados pela carga do descaso.  
By
F@bio

domingo, 29 de maio de 2011

Poesia Entre o Cais e o Hospital - Adalgisa Nery

De: Adalgisa Nery

"Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar."



Poesia e biografia obtida em http://www.revista.agulha.nom.br/adn.html#bio
Foto obtida em http://inspiracoesreunidas.blogspot.com/p/adalgisa-nery.html

Adalgisa Nery, foi poeta, jornalista, prosadora e política. Nasceu no Rio de Janeiro, filha de um funcionário municipal. Órfã de mãe desde os 8 anos, estudou como interna num colégio de freiras. Aos 16 anos, casou-se com o pintor paraense Ismael Nery, um dos precursores do modernismo. O casamento durou até a morte de Ismael, em 1934.
Lançou seu primeiro livro de poemas em 1937. Casou-se em segundas nupcias com o diretor do DIP no estado novo e desfrutou da vida diplomática, vijando pelo mundo.
Separada, dedicou-se ao jornalismo e passou a militante política. Foi deputada três vezes pela legenda do Partido Socialista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, filiou-se ao MDB e foi cassada em 1969.
Em 1976, Adalgisa recolheu-se a uma clínica para idosos, no Rio. Um ano depois, sofreu um acidente vascular que a deixou hemiplégica. Morreu em 1980.
Autora de poemas, contos, crônicas e romances, Adalgisa teve seus dias de glória. Viúva aos 29 anos e dona de um perfil de mulher fatal, consta que ela destroçava corações. "Acho que todos nós a amávamos, mesmo sem saber que se tratava de amor", escreveu Carlos Drummond de Andrade após a morte dela. Também se sabe que o poeta Murilo Mendes foi perdidamente apaixonado por Adalgisa.

Em "Poesia entre o cais e o hospital" Adalgisa traça um paralelo entre o homem recolhido ao leito hospitalar e o velho navio cargueiro atracado no cais. Ambos moribundos pelo corrosão do tempo. Gemem e rangem nos seus estertores. O começo do fim da longa vida. A espera no cais - leito, gritos ecoam de suas bocas chaminés. No infindo mar-céu, aproxima-se o rochedo que porá fim às suas jornadas.
Por
F@bio

sábado, 7 de maio de 2011

Viver para contar - Gabriel García Márquez

"Os ventos alísios estavam tão bravos naquela noite que no porto fluvial tive muito trabalho em convencer minha mãe a embarcar. Não lhe faltava razão. As barcaças eram imitações reduzidas de barcos a vapor de Nova Orleans, mas com motores a gasolina que transmitiam um tremor de febre malsã a tudo que estivesse a bordo. Tinham um salãozinho com forquilhas para dependurar redes em diferentes alturas, e bancos de madeira onde cada um se acomodava a cotoveladas e do jeito que desse com suas bagagens excessivas, seus fardos de mercadorias, os engradados de galinhas e até porcos vivos. Havia uns poucos camarotes sufocantes com dois beliches de quartel, quase sempre ocupados por umas pobres putinhas mal-ajambradas que ofereciam serviços de emergência durante a viagem. Como à última hora não encontramos nenhum camarote livre, nem tínhamos redes, minha mãe e eu tomamos de assalto duas cadeiras de ferro do corredor central e nelas nos dispusemos a passar a noite".



Transcrito de "Viver para Contar" (pag. 10), de Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno. Biografia. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Record, 2003.
Foto de Gabriel aos 5 anos em Aracataca obtida em http://www.bbc.co.uk/spanish/seriemilenio03fotos.htm


Quando comecei a ler a autobiografia de Garcia Marquez, li de uma carreira só, pois a história de vida do grande romancista colombiano me contagiou. Encontrei nela muitas semelhanças com minha própria história de vida, embora saiba que muito do contado o foi como guardamos na memória, um relato muito mais daquilo que sentimos do que dos fatos realmente ocorridos. Aliás, o próprio Garcia Marquez cota no início da obra: "A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como a recorda para contá-la". E ele inicia sua história contando a viagem que fez com sua mãe à cidade, ou melhor, ao povoado de Aracataca, onde viveu sua infância e fonte de inspiração de seus principais romances.
Por vezes também fui com minha mãe ao povoado onde nasci, Varre-Sai - RJ, que poderia ter inspirado muitas histórias de realismo mágico, lá tivesse nascido um escritor da verve do romancista colombiano.
Conta Garcia Marquez que sua mãe envelheceu rápido, tendo somado onze partos, havia passado quase dez anos grávida e pelo menos outros tantos amamentando seus filhos.  Minha mãe teve oito filhos e ainda criou outros três. Também ficou grisalha muito nova, antes dos quarenta. Igualmente usava óculos e qual Luisa Santiaga, conservou uma "beleza romana dignificada por uma aura outonal".
Aproveitando que amanhã é dia das mães, deixo aqui o registro dessa história de mães generosas e parideiras, Luisa e Maria Ignez, que souberam tão bem arar seus jardins para depositar sementes, depois cuidar de suas plantas, germinadas de muito amor e tratadas com muito carinho.
Por
F@bio