terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Na ponte de comando - M. Segall

Na ponte de comando
da nave que singra as vagas
como a noz que flutua na corrente
a vista comanda a linha do horizonte
avistada no infinito
pelo navegante de todas as eras
que no convés ou tombadilho
tal escultura de pedra
perscruta sem piscar
e migra do longe para o perto
para imergir do fora para o dentro
na hipnose do encontro do céu e mar.

A coragem preparada para o mergulho
na cachoeira do fim do mundo plano

como a flechada da gaivota para o fundo
do oceano turvo de um mundo curvo
sonhando sempre com mistérios e perigos
da descoberta de algum novo porto

Portal de horizontes mais profundos.

Maurício Segall é museólogo, economista e autor de duas peças de teatro premiadas: “A Formatura” e “O Coronel dos Coronéis”, editadas pelo Serviço Nacional de Teatro e pela Civilização Brasileira em 1967 e 1979, respectivamente. É também autor do livro de poemas “Máscaras ou Aprendiz de Feiticeiro”, de 2000. É ainda autor de diversos artigos sobre política e museologia.
Filho do artista Lasar Segall com a escritora e tradutora Jenny Klabin Segall, Mauricio nasceu em Berlim em 1926, onde viveu seus primeiros meses de vida. Em 1954 casou-se com a atriz Beatriz Segall, com quem tem três filhos. Em 1970, Maurício foi preso pelo regime militar brasileiro e condenado a dois anos de prisão em 1973 pelo Tribunal Militar de São Paulo.
Em 1967, ele e seu irmão, Oscar Klabin Segall, fundaram o Museu Lasar Segall. Durante trinta anos, de 1967 a 1997, inclusive nos anos passados na prisão, Maurício Segall esteve à frente da instituição, localizada em São Paulo.
Sua gestão definiu os rumos que até hoje constituem a estrutura e as atividades do museu, que cresceram a partir da incorporação à Fundação Pró-Memória, depois ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e finalmente ao Ibram/MinC
Obtido de: http://www.cultura.gov.br/brasilidade/agraciados-2010/mauricio-segall/

Mauricio Segall nos leva a navegar como quem, do tombadilho, vislumbra o horizonte. Mar-oceano com suas vagas a nos jogar de cá prá lá, embalando-nos qual a noz que vagueia levada pela corrente/torrente, cachoeira do fim do mundo, a desaguar nalgum lugar distante e profundo, um cais para nos amparar, aportar nosso barco-corpo, um porto novo, um ombro amigo.
Por
F@bio

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Cais - Marien Calixte

CAIS
Gostaria
de sair contigo
pela beira do cais,
mãos dadas,
despreocupadamente,
apreciar a tarde,
as formas dos navios,
as cores do dia,
as palavras mais simples.
(Vez e outra
um silêncio).
Gostaria
de contigo repetir
os gestos,
chutar as pedras
e vê-las cair ao mar.
Gritar seu nome,
chamando
a atenção do vento.


Obtido de: http://www.poetas.capixabas.nom.br/Poetas/detail.asp?poeta=Marien%20Calixte

Marien Calixte, nascido no Rio de Janeiro-RJ, em 20/10/1936, capixaba por adoção, onde está radicado desde os dez anos de idade. É considerado o mais versátil multimídia do Estado. Jornalista, radialista, escritor, pintor, especialista em jazz e produtor cultural. Contista e poeta, nesse poema nos fala do amor no cais.
Cais lugar onde melhor se pode apreciar o cair da tarde, o balanço dos navios e o vôo agitado dos pássaros. A brisa que sopra envolve os amantes em seu passeio enamorado pela alameda do cais. O apito dos navios convida a sonhar com amores estrangeiros. O vaivem das ondas embala os corações e ao bater nas pedras, desperta os apaixonados, como um nome gritado da proa do navio que parte, levando a sua melhor parte, amor que vai, enquanto o sol se esvai e a noite cai. O cais é também dos apaixonados.
Por
F@bio

domingo, 27 de novembro de 2011

Porto do Suape - Mario Quintana

PORTO DO SUAPE
No movimento
lento
dos navios
o dia
sonolento
vai inventando variações da luz...
No cais,
os guindastes,
domesticados dinossauros,
erguem a carga do dia.
As coisas também querem partir.
As coisas também querem chegar.


Obtido de http://www.oocities.org/br/prosapoesiaecia/quintanamestres.htm

Mais uma desse Grande mestre do lirismo, Quintana, que poetisa o porto de Suape, o novo porto de Recife, moderno e estratégico porto nordestino que acredito será um do maiores do País.
Quintana isso já percebera e traçou seu brado poético: É preciso movimentar os navios e os guindastes, mexam-se estivadores, liguem suas máquinas, pois as cargas também querem ter o direito de ir e vir!
Por
F@bio 

sábado, 5 de novembro de 2011

Mar Morto - Jorge Amado

“Guma viu quando o cargueiro alemão entrou. Eram três horas da tarde, ele estava no saveiro. O cargueiro não atracou, enorme para o cais, ficou fora, soltando rolos de fumaça. De cima do “Paquete Voador” Guma enxergava luzes do navio. (...)

Ouve o salto de Toufick. Vem outro árabe com ele. Esse traz um cachecol enrolado ao pescoço apesar do calor. Toufick apresenta.

- Sr. Haddad.

- Mestre Guma.

(...)

Os dois árabes sentaram no madeirame do saveiro e começaram a trocar língua. Guma fumava silenciosamente ouvindo a cancão que vinha do forte velho:

“Ele ficou nas ondas

Ele se foi a afogar”

(...)

Meia-noite mais ou menos Toufick disse:

- Podemos ir.

Suspendeu a âncora do saveiro (Haddad ficou olhando as suas tatuagens), levantou as velas. O barco depois da manobra ganhou velocidade. As luzes do navio apareciam. Recomeçou a toada no forte velho. Naturalmente Jeremias cantava para a lua nessa noite de tantas estrelas. Iam silenciosos no saveiro. Já estava  bem perto do navio quando Toufick disse:

- Pare.

O “Paquete Voador” parou. A uma ordem de Toufick, Guma arriou as velas. O casco do saveiro jogava lentamente. Haddad assoviou de um modo especial. Não obteve resposta. Tentou novamente. Da terceira vez ouviram um assovio que respondia.

- Podemos ir – disse Haddad.

Guma tomou dos remos e não levantou as velas. O saveiro contornou o navio, foi atracar no seu casco, do lado que dava para Itapagipe. Uma cabeça apareceu. Conversou com Haddad numa língua também estranha para Guma. Logo desapareceu. Depois veio outro. Nova conversa. Haddad mandou que o saveiro se adiantasse um pouco mais. Foram encostar junto a uma larga abertura. E dois homens começaram a descer peças de seda que Guma e Toufick iam arrumando no porão do saveiro. Não foram perturbados.

Se afastou lentamente do navio. Já longe, depois de ter atravessado o quebra-mar, abriu as velas e correu de lanterna apagada. O vento o ajudava, chegou rapidamente ao porto de Santo Antônio. Apenas as ondas eram bem mais altas, o mar menos calmo. Mas o “Paquete Voador” era um saveiro grande e resistia bem. Toufick comentou:

- Chegamos depressa.

Homens já esperavam o saveiro...”



Transcrito de “Mar Morto”, de Jorge Amado. 45ª. Ed. Págs. 197 a 199. Romance. Rio de Janeiro: Record, 1978.



Jorge Amado cria em seu romance Mar Morto uma história em que o protagonista, Guma, em face das dificuldades, acaba se rendendo à oferta de um comerciante para participar de um desembarque de uma carga ilegal, numa cena de contrabando, ou na linguagem tecnicamente correta, descaminho.

Mar Morto trata de transição entre o antigo sistema de desembarque ainda herdado do tempo dos veleiros, sendo substituído pela navegação a vapor, com seus “rolos de fumaça”. Guma cresce no cais e mantêm a tradição trágica dos mestres de saveiros, velhos marinheiros que desafiam os perigos do mar e os encantos de Dona Janaína, Princesa das terras de Aiocá.

Guma, cuja destreza se consagrou ao salvar um navio perdido em dia de tempestade, enfrenta dificuldade com os baixos e escassos fretes pagos aos saveiros e tem de buscar uma alternativa para sustentar sua mulher e filho. A sedução do submundo se apresenta e ele aceita participar do desembarque de uma carga ilegal para ter como pagar dívidas e melhorar de vida.

Mas, os marinheiros vivem entre os atos heróicos e os desafios da natureza e da rainha do mar. Guma é mestre de reconhecida habilidade, que não se amedronta diante da ira de Iemanjá. Porém isso não basta, “pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem”.
Por F@bio

domingo, 30 de outubro de 2011

Cais - Fernando Namora

"Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exactos por dentro."
Fernando Namora, in 'Marketing'

Obtido em: http://www.citador.pt/poemas/cais-fernando-namora

Fernando Namora (1919 - 1989) poeta, escritor e medico português.
Esse poema, onde aparece repetidas vezes a palavra "tênue", ao contário, é denso e intenso. Fernando Namora nos fala de situações que são efêmeras na vida cotidiana, mas intensas no espírito. Quem não se encanta com a frágil cena de um cais deserto onde balança sonolento um navio esquecido ou com a imagem de um pássaro cinzento a voar sob a luz da estrela alcançada pelo pequeno peixe. Sublime é o porto visto por olhos encantados de uma janela do casario da cidade adormecida. Imagens vagas que o tempo dilui, mas que a alma retém e cimenta, para que se eternise em nossos corações.
Por
F@bio

domingo, 23 de outubro de 2011

Terras do sem fim (2) - Jorge Amado

"Uma ordenança municipal proibia que as tropas de burros que traziam cacau chegassem até o centro da cidade. As ruas centrais de Ilhéus eram calçadas todas elas e duas o eram de paralelepípedos, num sinal de progresso que inchava de vaidade o peito dos moradores. As tropas paravam nas ruas próximas à estação e o cacau entrava na cidade em carroças puxadas por cavalos. Era depositado nos grandes armazéns próximos ao porto. Aliás, uma grande parte do cacau que chegava a Ilhéus para ser embarcado não descia mais no lombo de burros: vinha pela estrada de ferro ou baixava em canoas, desde Banco-da-Vitória, pelo rio Cachoeira que desembocava no porto.
O porto de Ilhéus era a preocupação maior dos moradores. Naquele tempo existia apenas uma ponte onde atracar os navios. Quando coincidia chegar mais de um navio na mesma manhã, a mercadoria de um deles era desembarcada em canoas. Porém já se fundara uma sociedade anônima para beneficiar e explorar o porto de Ilhéus, falava-se em construir mais pontes de atracação e grande docas. Falava-se também, e muito, em melhorar a entrada perigosa da barra, em fazer vir dragas que a aprofundassem.
Ilhéus nascera sobre ilhas, o corpo maior da cidade numa ponta de terra, apertado entre dois morros. Ilhéus subira por esses morros - o do Unhão e o da Conquista - e invadira também as ilhas vizinhas. Numa delas ficava o arrabalde de Pontal onde a gente rica da cidade tinha suas casas de veraneio. A população crescia assustadoramente desde que a lavoura de cacau se estendera. Por Ilhéus saía para a Bahia quase toda a produção do sul do estado. Havia apenas um outro porto - Barra do Rio de Contas - e esse era um porto pequeniníssimo, onde só os barcos a vela davam calado. Os moradores de Ilhéus sonhavam em exportar algum dia o cacau diretamente, sem ter que mandá-lo para a Bahia. Era assunto que já estava sempre nos jornais: o aprofundamento da barra, que não dava passagem a navios de grande calado."

Transcrito de "Terras do Sem Fim", de Jorge Amado. Romance. Pag. 200. 71a. Ed. Rio de Janeiro. Record, 2002

Mais uma vez Jorge Amado nos brinda com uma prosa que remete ao comércio exterior. Fala de Ilhéus e seu porto antigo, de uma só ponte e calado raso. Não conheci esse velho porto de que fala Amado, mas sim o novo que materializou o sonho dos moradores daquela cidade do sul-bahiano. Um  porto feito com a riqueza gerada pelo cacau, antes que  o ciclo de baixa se instalasse, ciclo que foi agravado pela doença conhecida como vassoura-de-bruxa. A cena descrita por Jorge Amado remete aos primórdios do Século XX e apresenta a logística peculiar de então que era usada para o transporte do cacau: tropas de burros, carroças puxadas a cavalo, estrada de ferro ou canoas, armazéns das docas, cais do porto e sua única ponte, navio de cabotagem que seguia para Salvador onde era embarcado para o exterior em navios de longo curso. Essa é a segunda postagem que faço a partir do livro Terras do Sem Fim, um faroeste cabloco, cheio de aventuras e desventuras, que historia a renhida luta dos Badarós e Horácio.
Por
F@bio

sábado, 8 de outubro de 2011

Poema Dos Olhos Da Amada - Vinicius de Moraes

Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

Obtido de http://letras.terra.com.br/vinicius-de-moraes/86575/


Vinicius de Moraes dispensa apresentações. Nosso diplomata, poeta, músico e até cantor. Na verdade um encantador. Qual mulher restiria à sua prosa, versos galantes, sutis, amantes?
Estava procurando algo dele para postar no Cargueiro e me deparei com esse lindo poema que, para falar dos olhos da amada, remete ao cais, docas, navios, naufrágios, portanto à temática do blog, que fica assim mais leve, com os versos do poetinha.
Olhos da amada são o lume que indicam o caminho a seguir no escuro da noite, no breu dos mares, no sobe e desce dos humores, no vai e vem dos amores. A luz desse olhar, desfaz o mistério e lança esperança aos apaixonados. Os versos de Vinicius embalam nossos corações.
Por
F@bio   

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Onda - Manuel Bandeira

A ONDA
A onda
a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda


Seu nome completo: Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, nasceu em Recife, dia 19 de abril de 1886 e morreu aos 82 anos de idade, no Rio de Janeiro, dia 13 de outubro de 1968. Foi um grande poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Escreveu alguns poemas que também encantam as crianças, como A Onda.


Neste poema Bandeira brinca com os sons e a métrica, criando um movimento que remete ao ondular do mar. Repare que usou apenas quatro vogais e duas consoantes, pra que mais? Lendo no ritmo certo, a gente acaba mareado. Esse poema não encanta apenas as crianças, mas a todos os admiradores da arte das palavras. Viva Bandeira!
Por F@bio
P.S.: A caricatura de Manuel Bandeira é de outro poeta, o também genial Carlos Drummond de Andrade.

sábado, 24 de setembro de 2011

Terras do Sem Fim - Jorge Amado

"Ferradas nascera em torno de um armazém de cacau... Ao lado do armazém foram surgindo casas, em pouco tempo se abriu uma rua de lama, dois ou três becos a cortaram...Tropeiros, que vinham conduzindo tropa de cacau seco das fazendas mais distantes, pernoitavam..."

Transcrito de "Terras do sem fim" de Jorge Amado, págs. 140 e 141, 71ª edição. Romance. Rio de Janeiro: Record, 2002.

Jorge Amado, inspirado pela saga de seu pai, que emigrou da Paraíba atraído pelas riquezas do cacau, situa seu romance na região sul-bahiana na época do desbravamento das matas para plantio das roças de cacau, no início do Sec. XX. A epopéia é levada por homens que com suor, machados, facões, foices, enxadas, armas, jagunços, tocaias, traições e caxixes, plantam as lavouras de cacau que fizeram a riqueza daquela região, antes do advento da vassoura-de-bruxa, praga de arrazou as plantações no final do século. A força dessa cultura foi tão grande que alguns chegam a denominar "o ciclo do cacau", junto com outros ciclos econômicos brasileiros, como: ouro, borracha, café, açúcar etc. O romance, que narra a contenda entre Horácio da Silveira e os Badarós, termina com a vitória do primeiro e tem sequência em "São Jorge dos Ilhéus".
O trecho transcrito remete às minhas origens. Nasci no hoje município de Varre-Sai, no noroeste do Estado do Rio de Janeiro. A cidade foi constituída à semelhança de Ferradas, em torno de um rancho onde pernoitavam tropeiros de café com suas mulas. Dizem que a proprietária do local colocou uma placa para alertar os tropeiros que deveriam limpar a sujeira deixada por seus animais antes de partir: "varre e sai". Daí a alcunha. As tropas, vindas de fazendas distantes, levavam os grãos de café até armazéns de empresas comerciais e dessas para o porto de Vitória ou do Rio de Janeiro e de lá embarcados para o exterior. Meu pai contava muitas histórias de como as matas foram desbravadas para o plantio de cafezais, como na fazenda em que nasci. Mas, não me lembro de referências a jagunços e caxixes.
Por F@bio

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Planta de Maceió - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

O vento do mar rói as casas e os homens.
Do nascimento à morte, os que moram aqui
andam sempre cobertos por leve mortalha
de mormaço e salsugem. Os dentes do mar
mordem, dia e noite, os que não procuraram
esconder-se no ventre dos navios
e se deixam sugar por um sol de areia.
Penetrada nas pedras, a maresia
cresta o pêlo dos ratos perdulários
que, nos esgotos, ouvem o vômito escuro
do oceano esvaído em bolsões de mangue
e sonham os celeiros dos porões dos cargueiros.
Foi aqui que nasci, onde a luz do farol
cega a noite dos homens e desbota as corujas.
A ventania lambe as dragas podres,
entra pelas persianas das casas sufocadas
e escalavra as dunas mortuárias
onde os beiços dos mortos bebem o mar.
Mesmo os que se amam nesta terra de ódios
são sempre separados pela brisa
que semeia a insônia nas lacraias
e adultera a fretagem dos navios.
Este é o meu lugar, entranhado em meu sangue
como a lama no fundo da noite lacustre.
E por mais que se afaste, estarei sempre aqui
e serei este vento e a luz do farol,
e minha morte vive na cioba encurralada.

Obtido de: http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/cidbr/maceio/maceio02.php                       

Ledo Ivo é esse poeta mordaz e instigador, que nos oferece versos sombrios e rascantes. Versos que falam de uma Maceió lamacenta e lúgrube, como são, em geral, as zonas portuárias. Prédios em ruinas, recantos escuros, lixo e lodo, restos e resíduos dos que seguiram seu curso ou foram o que não mais serão. Erodidos pelo vento, pela chuva, pela areia, pelo sal, pela vida...fodidos!
Por
F@bio