domingo, 29 de maio de 2011

Poesia Entre o Cais e o Hospital - Adalgisa Nery

De: Adalgisa Nery

"Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar."



Poesia e biografia obtida em http://www.revista.agulha.nom.br/adn.html#bio
Foto obtida em http://inspiracoesreunidas.blogspot.com/p/adalgisa-nery.html

Adalgisa Nery, foi poeta, jornalista, prosadora e política. Nasceu no Rio de Janeiro, filha de um funcionário municipal. Órfã de mãe desde os 8 anos, estudou como interna num colégio de freiras. Aos 16 anos, casou-se com o pintor paraense Ismael Nery, um dos precursores do modernismo. O casamento durou até a morte de Ismael, em 1934.
Lançou seu primeiro livro de poemas em 1937. Casou-se em segundas nupcias com o diretor do DIP no estado novo e desfrutou da vida diplomática, vijando pelo mundo.
Separada, dedicou-se ao jornalismo e passou a militante política. Foi deputada três vezes pela legenda do Partido Socialista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, filiou-se ao MDB e foi cassada em 1969.
Em 1976, Adalgisa recolheu-se a uma clínica para idosos, no Rio. Um ano depois, sofreu um acidente vascular que a deixou hemiplégica. Morreu em 1980.
Autora de poemas, contos, crônicas e romances, Adalgisa teve seus dias de glória. Viúva aos 29 anos e dona de um perfil de mulher fatal, consta que ela destroçava corações. "Acho que todos nós a amávamos, mesmo sem saber que se tratava de amor", escreveu Carlos Drummond de Andrade após a morte dela. Também se sabe que o poeta Murilo Mendes foi perdidamente apaixonado por Adalgisa.

Em "Poesia entre o cais e o hospital" Adalgisa traça um paralelo entre o homem recolhido ao leito hospitalar e o velho navio cargueiro atracado no cais. Ambos moribundos pelo corrosão do tempo. Gemem e rangem nos seus estertores. O começo do fim da longa vida. A espera no cais - leito, gritos ecoam de suas bocas chaminés. No infindo mar-céu, aproxima-se o rochedo que porá fim às suas jornadas.
Por
F@bio

sábado, 7 de maio de 2011

Viver para contar - Gabriel García Márquez

"Os ventos alísios estavam tão bravos naquela noite que no porto fluvial tive muito trabalho em convencer minha mãe a embarcar. Não lhe faltava razão. As barcaças eram imitações reduzidas de barcos a vapor de Nova Orleans, mas com motores a gasolina que transmitiam um tremor de febre malsã a tudo que estivesse a bordo. Tinham um salãozinho com forquilhas para dependurar redes em diferentes alturas, e bancos de madeira onde cada um se acomodava a cotoveladas e do jeito que desse com suas bagagens excessivas, seus fardos de mercadorias, os engradados de galinhas e até porcos vivos. Havia uns poucos camarotes sufocantes com dois beliches de quartel, quase sempre ocupados por umas pobres putinhas mal-ajambradas que ofereciam serviços de emergência durante a viagem. Como à última hora não encontramos nenhum camarote livre, nem tínhamos redes, minha mãe e eu tomamos de assalto duas cadeiras de ferro do corredor central e nelas nos dispusemos a passar a noite".



Transcrito de "Viver para Contar" (pag. 10), de Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno. Biografia. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Record, 2003.
Foto de Gabriel aos 5 anos em Aracataca obtida em http://www.bbc.co.uk/spanish/seriemilenio03fotos.htm


Quando comecei a ler a autobiografia de Garcia Marquez, li de uma carreira só, pois a história de vida do grande romancista colombiano me contagiou. Encontrei nela muitas semelhanças com minha própria história de vida, embora saiba que muito do contado o foi como guardamos na memória, um relato muito mais daquilo que sentimos do que dos fatos realmente ocorridos. Aliás, o próprio Garcia Marquez cota no início da obra: "A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como a recorda para contá-la". E ele inicia sua história contando a viagem que fez com sua mãe à cidade, ou melhor, ao povoado de Aracataca, onde viveu sua infância e fonte de inspiração de seus principais romances.
Por vezes também fui com minha mãe ao povoado onde nasci, Varre-Sai - RJ, que poderia ter inspirado muitas histórias de realismo mágico, lá tivesse nascido um escritor da verve do romancista colombiano.
Conta Garcia Marquez que sua mãe envelheceu rápido, tendo somado onze partos, havia passado quase dez anos grávida e pelo menos outros tantos amamentando seus filhos.  Minha mãe teve oito filhos e ainda criou outros três. Também ficou grisalha muito nova, antes dos quarenta. Igualmente usava óculos e qual Luisa Santiaga, conservou uma "beleza romana dignificada por uma aura outonal".
Aproveitando que amanhã é dia das mães, deixo aqui o registro dessa história de mães generosas e parideiras, Luisa e Maria Ignez, que souberam tão bem arar seus jardins para depositar sementes, depois cuidar de suas plantas, germinadas de muito amor e tratadas com muito carinho.
Por
F@bio

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Marinheiro Triste - Manuel Bandeira

De: Manuel Bandeira

"Marinheiro triste
Que voltas para bordo
Que pensamentos são
Esses que te ocupam?
Alguma melhor
Amante de passagem
Que deixaste longe
Num porto de escala?
Ou tua amargura
Tem outras raízes
Largas fraternais
Mais nobres mais fundas?
Marinheiro triste
De um país distante
Passaste por mim
Tão alheio a tudo
Que nem pressentiste
Marinheiro triste
A onda viril
De fraterno afeto
Em que te envolvi.

Ia triste e lúcido
Antes melhor fora
Que voltasses bêbedo
Marinheiro triste!
E eu que para casa
Vou como tu vais
Para o teu navio
Feroz casco sujo
Amarrado ao cais,
Também como tu
Marinheiro triste
Vou lúcido e triste.
Amanhã terás
Depois que partistes
O vento do largo
O horizonte imenso
O sal do mar alto!
Mas eu, marinheiro?

- Antes melhor fora
Que voltasse bêbedo."

Obtido de: http://books.google.com.br/books?id=bOnlcOoMNowC&pg=PA65&lpg=PA65&dq=poesia+%2B+porto+%2B+cais+%2B+navio+%2B+manuel+bandeira&source=bl&ots=WyeKiNUic2&sig=5iFAwy89yyShU-iE6HsxDfwHlj8&hl=pt-BR&ei=RuiXTcvlNKWx0QHV8IHlCw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CDQQ6AEwBA#v=onepage&q&f=false

Manuel Bandeira mestre da poesia aqui nos fala do marinheiro, o homem do mar, que deixa a terra firme (??) para se lançar ao mar, solitário. Ficam pra trás a amante, os amigos, a casa, o cais...
Vai descortinar o largo horizonte, desbravar o mar, encontrar outros amigos, amantes, casa e cais.
Marinheiro alheio que sempre volta pra bordo, suas raízes não estão aqui, mas em todo lugar, no mar, em outras terras, será?
Por isso o poeta o prefere bêbado, para sem lucidez alguma não partir o coração de quem fica.
Por
F@bio

sábado, 2 de abril de 2011

Os voluntários - Moacyr Scliar

De: Moacyr Scliar

"Este barco - veleiro, ou lancha a motor, ou velho navio, qualquer coisa, este barco era o meu sonho. Me via descendo o Guaíba, passando Itapuã, navegando na lagoa, chegando ao mar, à África. Só em sonhos: barco era coisa proibida. Meu pai, homem habitualmente tolerante, era taxativo nessa exigência. Este rio é muito traiçoeiro, argumentava, e de fato, não era raro que cadáveres aparecessem boiando nas águas barrentas. Ao mesmo tempo me consolava: quando cresceres, poderás ter o teu veleiro. Primeiro trata de terminar o ginásio".

Transcrito de "Os Voluntários" (págs. 25 e 26). Romance. Porto Alegre: LP&M, 2001.

Esta é a homenagem do Cargueiro de Letras ao grande escritor brasileiro Moacyr Scliar, gaúcho de Porto Alegre, médico sanitarista e autor de mais de setenta livros, passando pela ficção, ensaio, crônica e literatura infantojuvenil. Scliar, falecido no último dia  27 de fevereiro de 2011, era membro do ABL e colunista do Zero Hora e Folha de S.Paulo. Em Os Voluntários temos uma história densa de amizade e companherismo que leva os amigos a tentarem realizar um sonho acalentado por uma amigo moribundo, o de conhecer Jerusalém. Acabam por se lançar numa louca e frustrada aventura pelo Guaíba. Num velho e maltratado rebocador deixam o cais de Porto Alegre rumo ao porto de Haifa em Israel. Na tripulação: quatro homens, uma mulher e um moribundo. Os voluntários na viagem são pessoas cuja amizade foi construída na Rua Voluntários da Pátria, pitoresca e barulhenta artéria da região portuária da capital do RS. Tive a oportunidade de conhece-la, mas não foi possível reconhecer o ambiente, casas e comércio citados no livro. Talvez só tenham existido na ficção de Scliar.
Nasci numa fazenda que tinha um açude, construído para represar água com o objetivo de mover moinhos (de milho e mandioca) e um gerador. Me lembro que meu pai não permitia que fossemos ao açude e muito menos navegássemos no bote que lá existia. Uma vez, devia ter 5 ou 6 anos, fui ao açude com algumas pessoas. Na volta levei uma surra de cinto do meu pai. Ele também era taxativo nessa exigência: ir ao açude era proibido.
Por
F@bio

P.S.: Nas fotos ao lado direito, pode-se ver um belo por do sol visto do cais do porto de Porto Alegre. Há outras do mesmo porto.

sábado, 12 de março de 2011

Haicai

De: Carlos Seabra


"rochedo no mar

barco afundado

olhos a chorar"
 
 
 
 
Diante da dimensão da tragédia do terremoto/maremoto que atingiu o Japão, resolvi fazer no Cargueiro de Letras uma pequena homenagem ao povo japonês, que sempre conseguiu superar as dificuldades que a natureza e os homens lhes impuseram, e construir uma grande nação, a qual tive a oportunidade de visitar em três oportunidades distintas. Na primeira vez, em 1991, participei de uma Assembléia de uma organização internacional cuja sede fica em Yokohama. Numa ida a Tóquio, andei de metrô e pude conhecer os curiosos funcionários enluvados responsáveis por dar um empurrãozinho nos que estão bloqueando a porta do trem. Visitei o bairro dos eletrônicos e por uma incrível coincidência, quando estava saindo de uma daquelas lojas verticais com vários andares de eletrônicos, deparei-me com o Zico, que então jogava futebol no Japão. É impressionante a capacidade do povo japonês. Tudo muito organizado e limpo, apesar de ser um país superpopuloso. Sei que mais uma vez eles, com sua capacidade de trabalho e disciplina, vão reconstruir tudo.
Sobre a arte do haicai, trata-se de uma forma poética que tem uma métrica de três versos, de 5-7-5 sí­labas, que surgiu no Japão no século 16. Não há rimas, mas deve-se fazer referência a uma estação do ano, elemento básico de sua ligação com a natureza. No século 20, o haicai disseminou-se pelo mundo. Sua maior expressão é Matsuo Bashô (1644-1694), poeta japonês criador do mais famoso de todos os haicais: "velho lago / mergulha a rã / fragor d'água".
Por
F@bio

quarta-feira, 9 de março de 2011

A Hora da Estrela - Clarice Lispector

De Clarice Lispector

"O quarto ficava num velho sobrado colonial da áspera rua do Acre entre prostitutas que serviam a marinheiros, depósitos de carvão e de cimento em pó, não longe do cais do porto. O cais imundo dava-lhe saudade do futuro. (O que é que há? Pois estou como que ouvindo acordes de piano alegre - será isto o símbolo de que a vida da moça iria ter um futuro esplendoroso? Estou contente com essa possibilidade e farei tudo para que esta se torne real.)
Rua do Acre. Mas que lugar. Os gordos ratos da rua do Acre. Lá é que não piso pois tenho terror sem nenhuma vergonha do pardo pedaço de vida imunda.
Uma vez por outra tinha a sorte de ouvir de madrugada um galo cantar a vida e ela se lembrava nostálgica do sertão. Onde caberia um galo a cocoricar naquelas paragens ressequidas de artigos por atacado de exportação e importação? (Se o leitor possui alguma riqueza e vida bem acomodada, sairá de si para ver como é às vezes o outro. Se é pobre, não estará me lendo porque ler-me é supérfluo para quem tem uma leve fome permanente. Faço aqui o papel de vossa válvula de escape e da vida massacrante da média burguesia. Bem sei que é assustardor sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta. Embora a moça anônima da história seja tão antiga que podia ser uma figura bíblica. Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim).
Dos verões sufocantes da abafada rua do Acre ela sentia o suor, um suor que cheirava mal. Esse suor me parece de má origem. Não sei se estava tuberculosa, acho que não. No escuro da noite um homem assobiando e passos pesados, o uivo do vira-lata abandonado. Enquanto isso - as constelações silenciosas e o espaço que é tempo que nada tem a ver com ela e conosco. Pois assim se passavam os dias. O cantar de galo na aurora sanguinolenta dava um sentido fresco à sua vida murcha. Havia de madrugada uma passarinhada buliçosa na rua do Acre: é que a vida brotava no chão, alegre por entre pedras.
Rua do Acre para morar, rua do Lavradio  para trabalhar, cais do porto para ir espiar no domingo, um ou outro prolongado apito de navio cargueiro que não se sabe por que dava aperto no coração, um ou outro delicioso embora um pouco doloroso cantar de galo. Era do nunca que vinha o galo. Vinha do infinito até a sua cama, dando-lhe gratidão..."

Transcrito de "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, Novela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Faço aqui minha homenagem ao dia da mulher. Clarice é uma das maiores escritoras da lingua portuguesa. Essa Ucraniana de nascença, brasileira por adoção, cujo texto conheci no saudoso Jornal do Brasil que lia nos tempos de adolescência e juventude. A Hora da Estrela é, segundo José Castello, "o livro mais surpreendente que escreveu" e põe surpreendente nisso. Nele Clarice cria um falso autor, seu alter ego, e escreve um texto rico de emoções, entre o delírio e a realidade, numa abordagem impregnada de uma visão social e existencialista. Como conclui Castello, o livro "é um romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues".
A hora da estrela é uma obra-prima da literatura brasileira, trazendo, via recurso metalingüístico, reflexões do autor sobre o ato de escrever, no caso o falso autor Rodrigo S.M., por meio das quais dialoga com o leitor, e reflexões sobre sua própria vida e da anti-heroína Macabéa.
Na telona, Marcélia Cartaxo deu corpo a uma Macabéa extremamente fiel ao texto de Clarice, dirigida por Suzana Amaral (1985), pelo qual ganhou o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlin de 1986.
Por
F@bio

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Agonia da Noite - Jorge Amado

De: Jorge Amado

"Ia o negro Doroteu, com sua negra Inácia, pela beira do cais. Era o cais de Santos, os armazéns das docas a se perderem de vista, repletos de sacos de café, de cachos de bananas, de fardos de algodão. Trilhos, automóveis, geladeiras, rádios, máquinas estranhas, conservas e frutas desciam nos guindastes, trazidos do bojo profundo dos porões escuros dos negros cargueiros ancorados no porto. Um cheiro doce de maçãs maduras se misturava ao salgado odor do mar, na lânguida noite tropical, envolvente e morna, cortado por um vento fino chegado de distantes paragens. Também a melodia melancólica de uma canção marítima se mesclava ao barulho ensurdece dor dos guindastes, dos gritos de marinheiros e estivadores, dos apitos saudosos dos navios abandonando a orla do cais em busca do maroceano mais além do porto. De quando em vez, uma nota mais alta da canção se sobrepunha a todo o ruído e vibrava no ar, fazendo mais ligeira a carga nos ombros dos doqueiros. Era uma canção em língua estranha, impossível entender o que ela dizia, mesmo se pudessem distintamente ouvir todas as suas palavras, mas cada um sabia - os doqueiros, os marinheiros de diversas raças, os ensacadores, mesmo os empregados da Alfândega - tratar-se de uma canção de amor, feita de distância e de aflito anelo. Mais que todos o adivinhava o negro Doroteu, andando ao lado de sua negra Inácia. Para ele, as canções não tinham segredos, ele podia penetrar-lhes o sentido mais misterioso mesmo quando não entendia a língua do marinheiro improvisado em cantor, desabafando para as luzes da cidade de Santos a sua saudade da mulher um dia encontrada e logo perdida em Changai ou Constanza, em Nova Iorque ou Guaiaquil em Amsterdã ou Stambul. Dele era o sábio conhecimento das canções do mar, das bandeiras dos navios e da variada cor das águas no correr do dia. Desses mistérios falava o negro Doroteu à sua negra Inácia quando juntos, nas noites sem trabalho, atravessavam o cais imenso, trocando juras de amor, contando e ouvindo histórias, assoviando canções, rindo para todos, pois rir era o maior prazer tanto do negro Doroteu quanto da sua negra Inácia."
 
Extraído de "Agonia da Noite", que juntamente com "Os Ásperos Tempos” e “A Luz no Túnel”, formam a trilogia de Jorge Amado sob o título geral de “Os Subterrâneos da Liberdade”, na qual buscou traçar um panorama da vida política brasileira nos anos do Estado Novo. Editora Martins Fontes, sem data.
 
Jorge Amado é um romancista de mão cheia. Subterrâneos da Liberdade li quando estávamos sobre a ditadura militar no Brasil, nos anos 70 do século passado. Li num fôlego só, pois o romance parecia um retrato dos dias de então. Repressão, prisões políticas, greves proibidas, perseguição, partidos clandestinos, movimento estudantil. Eram tempos difíceis e eu estava lá, no movimento, lutando por remover aquele véu negro que nos amordaçava e retirava a liberdade. Parecido com o que os povos estão fazendo hoje no norte da África e Oriente Médio. Lutando pela democracia em passeatas, greves e manifestações. Lutando pela liberdade. Jorge Amado não esconde a sua militância de esquerda, nem eu.
Por
F@bio 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Roteiro - Albano Martins

De: Albano Martins

"Desenho no mapa o teu perfil
de caravela cósmica. Viajo
por hemisférios tácteis ao encontro
do lastro puro, do contraste
que me revele
e justifique
e baste."

(in «Coração de Bússola», 1967)

Albano Martins, nascido em 1930, em Portugal, formado em filologia, foi professor.
O poeta foi um dos fundadores da revista Árvore e colaborador da Colóquio-Letras e Nova Renascença.
A caravela cósmica navega oceanos siderais, tateando estrelas, na busca do ponto de encontro, na dialética
do desencontro. O amor localizado pela bússola que há em cada coração, que dispara quando encontra, mas também soluça quando desencontra.
Será que isto basta?
Por
F@bio

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Poesia no Cais do Porto - Fernanda de Aquino

De: Fernanda de Aquino

"No meio do cais do porto, eu o descobri. Ele estava vestido de tanta gente, de sons indecifráveis, de letras incoerentes... No meio de tanta gente eu o vi descobrindo-me, encontrando meu olhar ávido por cima do ombro de um desconhecido. Seu olhar! Rendi-me na hora.

Eu não sabia direito como fora parar ali. A palestra estava começando e as pessoas já se amontoavam, se acotovelando em busca de um bom lugar, algumas para verem os famosos de perto, outras para serem vistas por sei lá quem pudesse ser.

Atada por sete nós, no mínimo, eu permaneci sentada numa cadeira dura, sob uma garoa fina e fria, sem beber, sem comer, sem falar. Fenilalinina pura, meu ser virou bruma, misturou-se com a maresia e passeava livre, do navio ao palco, do mar ao cais, voltando sempre ao mesmo lugar: seu olhar! Eu não via suas pernas, no tamanho exato para me alcançar, nem seus dedos longos e ágeis tamborilando seu joelho esquerdo. Ou era o direito? Eu via somente o seu olhar me tomando forte em seus braços, me dizendo coisas que eu precisava ouvir. Coisas de amor, doces mentiras. E afagos, muitos, por todo o meu corpo, eriçando meus pelos, meus mamilos, me aquecendo e de repente me atirando num abismo profundo, escuro, sem fim e depois me buscando novamente para em seguida me atirar outra vez. E mais outra.

O guindaste fingia trabalhar duro enquanto a poesia se derramava no cais do porto. Foram quase três horas carregando contêineres de paixão. Um amigo me disse um dia que detestava quando seus hormônios estavam erupcionando porque ele se metia em cada roubada...

Tão logo terminasse aquela verborragia desenfreada eu iria até ele, de corpo e alma. Diria quem eu sou, de onde vim e o que quero além do seu olhar. Era o que faria. E se ele, sentindo meu corpo tão perto, meu cheiro, minha voz falseada de naturalidade, recuasse... e seu olhar me dissesse “eu não te conheço, nem nunca te vi”.

Talvez naquele momento em que ele esticara o pescoço e me fitara dizendo “eu estou aqui, não se perca de mim”, não fora para mim. Ele me acertara sem querer quando mirava a sua namorada sentada atrás de mim. Eu era a primeira da fila, todos estavam atrás de mim. Não havia um caminho para o seu olhar ir onde quer que fosse sem passar por mim. E sempre que passava, eu o prendia por alguns instantes. Talvez ele nem tenha se dado conta disso. Poderia ser ainda um namorado aquele moço, quase um menino, que segurava seus livros com visível dedicação. Pior do que isso, o menino poderia ser o seu amor que esperava pacientemente seu amor fazer poesia a alheios, pensando enquanto isso, no quanto ele era sensível e inteligente e no quanto eram felizes aqueles dois.

O sutiã me apertava uma cicatriz antiga no lado esquerdo do peito. Doía. Olhei para a noite e chorei. Lembrei-me que teria que higienizar muito bem minhas pálpebras antes de dormir. Meu oftalmologista dissera que minhas lágrimas eram tóxicas. Que merda!"

Obtido de: http://www.correiodolitoral.com/index.php?option=com_content&view=article&id=304:no-meio-do-cais-do-porto&catid=55:maresia&Itemid=112

Fernanda de Aquino nos traz uma poesia cheia de tesão e paixão. Foi publicada pelo Correio do Litoral, diário eletrônico do litoral do Paraná do dia 15 de fevereiro de 2009. Hoje são 14 de fevereiro, quase uma coincidência de data. No Correio pode-se encontrar muitas outras poesias de Fernanda.
Todos nós, um dia, nos deparamos com um olhar instigante, que nos desperta um sentimento que cresce por dentro. Um desejo que vai subindo e nos queimando. Descobrir e ser descoberto. Olhares que se cruzam, dedos que se tocam, pele que se eriça, guindaste que se levanta de tesão, conteinêres de paixão contida no peito. Ah, o amor...
Por F@bio

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Cais do Corpo - Braulio Tavares

De Braulio Tavares


"eles
que têm
uma mulher
em cada porto


elas
que têm
um homem
em cada navio

(quente é o cais do corpo,
quando o mar é frio) "
 
Obtido em:http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/VanguardasPoeticas/Braulio_Tavares_poesia.htm
 
 
Braulio Tavares, um paraibano que adotou o Rio ou pelos cariocas foi adotado.  É poeta, escritor, músico, roterista...e por aí vai. No link acima tem uma entrevista com ele que nos permite conhecer um pouco mais do poeta. Cais do Corpo coloca em uma perspectiva dialética a questão sempre posta do marinheiro que tem uma mulher em cada porto, ou são elas que têm um homem em cada navio? O corpo é o cais dos amores possíveis. Interessante que essa é a segunda poesia com esse título que publico aqui no Cargueiro de Letras.
Por

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ponte Móvel Sobre o Rio Leça - João Luís Barreto Guimarães

De: João Luís Barreto Guimarães

"Imóvel na ponte aberta sobre este porto de mar
queria não ter que esperar que o petroleiro passasse
a vomitar outro preto nos depósitos da Cepsa.
Olho as margens da tarde em informe ebulição
o navio japonês veio dar à luz Toyota’s
alinhados sobre o cais qual parada militar
(os turistas dos cruzeiros aguardam pelo autocarro
que lembrará em sueco memórias do Porto antigo).
Do cargueiro africano rolam troncos gigantescos
houve um que caiu à água e ninguém o foi salvar
(decerto não irá longe nestas águas estagnadas
nem poderá ir mais ao fundo).
Corre um vento de norte. Novembro
está dentro do Outono. Alguém reuniu o manto
de folhas cerca da ponte mas pelo final do dia
já é Outono outra vez. Mas
distraí-me do cais. Espera. Lá está a marinha.
A fragata da Defesa devolveu homens à terra
meio-dia de licença na casa da luz vermelha
(este Natal as meninas vão-lhes dar a provar sonhos
e o porteiro: rabanadas). E se
faltam desrazões para me obrigar a parar
aqui me têm parado
(só reparando se vê)
qualquer amurada é perfeita para resumir um país
qualquer ponte é ideal para se matar
os tempos."

Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE, Num. 26, Ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto, a 3 de Junho de 1967. Vive em Leça da Palmeira. Tem uma filha. É licenciado em Medicina e Cirurgia pela Universidade do Porto, especialista em Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.


Obtido de: http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/portugal/joao_luis_barreto_guimaraes.html


O poeta e médico João Luís no seu poema cria imagens incríveis, como a do navio japonês que pariu toyotas. Passando por outra ponte, que não a de Leça da Palmeira, mas na Rio - Niterói, vê-se o navio italiano não parindo, mas abocanhando, ou para ser mais atual, extraditando fiats, mercedes, citroens e outros rodantes. Mas, nessa ponte não se mata o tempo apreciando o correr das águas ou o bater das ondas, mata-se o tempo em engarrafamentos, matam-se os motoristas e passageiros em colisões, vidas que se vão na nau dos espíritos. No cais desse porto também não dá para distrair-se sentido a brisa do vento norte e o aroma marinho, é um cais sujo, fedido, mal-tratado, como quase todo cais, de águas estagnadas, certamente muito mais do que a Leça da Palmeira que um dia pretendo conhecer.
Por
F@bio



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Terrorista / O Herói - Lino Machado

De: Lino Machado

“Aqui
à beira do cais
onde faz pouco explodiu
o navio cargueiro
ninguém mais
admite
(incógnita: só eu)
que ainda cogita
ganhar o Prêmio Dinamite
da Paz.


Aqui
à beira do cais
ou seria perto
da sala VIP
daquele aeroporto?


Não importa.
Num caso ou noutro
nunca sumirá
a cicatriz – mire bem:
que trago a mais
no meu rosto.”

Obtido em http://www.revistacalcada.com.br/revista/poemas/o-terroristao-heroi/#more-104

Devo dizer que a internet tem sido uma grande aliada na construção deste blog. Não conhecia o Lino Machado e assim, sem mais nem menos, colocando umas palavras no google, eis que surge essa instigante poesia. Há muita gente em busca desse Prêmio Dinamite da Paz. Quantas marcas e cicatrizes provocadas pelos que fazem a guerra em nome da paz. Será essa a sina do homem?
Por
F@bio

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Soneto da Enseada - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

"Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.


De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.


Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.


Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?"


Poesia de Ledo Ivo obtida de http://www.eurooscar.com/poesoutros/ledo_ivo1.htm

O poeta Ledo Ivo neste Soneto da Enseada traz a inquietação de existencialista e vai além. Vida que segue qual navio cruzando os mares. Vida vivida, vida deixada pra trás. Mas será mesmo que essa travessia ocorre entre dois nadas como propõe o poeta?
Por F@bio

(Veja mais Ledo Ivo neste blog)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Os Belos Horrores dos Portos - Alessandro Atanes

De: Alessandro Atanes

"Duas coisas que devem ser ditas sobre esta pequena história dos portos como cenário na representação artística. A primeira é que o conteúdo histórico das obras não se restringe somente aos fatos: os temas e as formas também evoluem, dialogam com o tempo em que foram criadas e com os seguintes. Isso é o que talvez explique a semelhança temática entre cenas do romance "Navios Iluminados", do escritor Ranulpho Prata, e detalhes das pinturas de Quinquela Martin, sobre o porto de Buenos Aires.

A outra é que – de forma simplificada, mas válida – se o historiador do porto deve ler as estatísticas, é pela imersão no imaginário artistico que ele capta os temores dos indivíduos, ainda que os personagens do romance estejam no bairro do Macuco das décadas de 20 e 30 ou sejam trabalhadores sem rosto nas imagens da Boca, o bairro portuário de Buenos Aires, que no mesmo período foram pintados por Quinquela.

Essas imagens revelam desses objetos mecânicos imensos um aspecto monstruoso comum nos temas portuários de Quinquela, assim como em Mortona, do santista Athayde Lopes. Em Navios Iluminados, publicado em 1937 (portanto, contemporâneo de Quinquela), Ranulpho Prata descreve o primeiro dia de funcionamento de uma grab. A história se passa entre o final da década de 20 e início da seguinte, momento de expansão do porto.

O [guindaste] palmeira botou toda sua eletricidade, esticou o rabo possante e levantou a grab que lá se foi pelos ares, como uma aranha descomunal, em procura do porão do cargueiro inglês Amberton, que trazia carvão de Cardiff.

O barco vinha de barriga cheia, a carga beijando a boca da escotilha. A máquina escancarou as mandíbulas medonhas, enterrou os dentes na massa negra e derramou na galera três toneladas de carvão de uma so vez. Chegara recentemente e eram as primeiras experiências que faziam. O pessoal da turma [de estivadores] 65 espiava, curioso, o manejo da bicha.

As obras de Prata e Quinquela registram a mesma realidade. Para descrevê-lo, recorrem ao expressionismo da prosopopéia, aquela figura de linguagem dos seres inanimados – no caso, guindastes e navios – representados como animais. É no próprio campo da arte, no exagero das tintas e na distribuição das cores, que as obras conversam. Mais que cenário social, essa é a história que têm em comum.

Isolamento - As obras tamém se parecem pela forma como isolam o bairro portuário do resto da cidade, distanciando o cais e a vida urbana: físico, no caso da pintura tendo as fábricas urbanas como fundo; ou econômico, como as limitações de transporte do personagem do romance.

O protagonista de Navios Iluminados, José Severino de Jesus, só deixa o bairro portuário em situações especificas e sobre as quais a narrativa geralmente se encolhe em passagens bem ligeiras. Na obra de Prata, o bairro portuário é o exclusivo universo de Severino e de outros milhares de trabalhadores do porto que compartilham aquele bairro “de chalés de madeira muito parecidos uns com os outros, como gente da mesma familia”.

Ao concentrar a ação no Macuco, o autor estabelece uma oposição entre o bairro e o resto da cidade, desconhecido e inóspito. Em Santos não são longas as distâncias físicas e o restante da cidade – suas praias, seus cassinos, suas avenidas – não fazia parte da vida de Severino, totalmente voltada ao trabalho e à tentativa de deixar a miséria para trás.

O isolamento é semelhante nas pinturas de Quinquela. O resto de Buenos Aires só é indicado pelas chaminés no horizonte, cuspindo fumaça, também nos informando sobre o desconhecido e o inóspito.

Com as cores de suas pinturas na memória, a poeta Júlia Prilutzki Farny escreveu o seguinte sobre o bairro portuário e seu contraste com o resto da cidade no ensaio biográfico sobre o artista:

“Sim, claro que a Boca é diferente. Não só representa a melhor linhagem do nosso portismo [porteñismo], senão talvez – e sim talvez – o único lugar da cidade com vida própria. Com fascinação própria. Onde as cinzas que nivelam nossa visão citadina das coisas e dos homens se incendeiam em cores vibrantes e violentas: vermelho, verde, amarelo, azul. (...) A Boca é, talvez, nossa única esperança de cor. E de calor.”

O expressionismo da prosopopéia e o isolamento geográfico dessas duas representações artísticas são rastros que permitem um entendimento do espaço portuário além dos fatos. Se, como dizem alguns críticos, o horror é uma sensação própria do mundo atual, as obras de Prata e Quinquela contribuem de forma privilegiada para seu entendimento.

Quinquela

Quinquela Martin (1890-1977) é filho adotivo de um carvoeiro do bairro da Boca. Nos primeiros anos do século XX, chegou à adolescência no turbilhão político das greves do período. Passa a frequentar a Sociedade União da Boca, onde recebe aulas de desenho e pintura. Em 1916, já era assunto das resenhas críticas e das revistas de arte. Começa a expor pelo país e, em 1920, faz sua primeira exposição internacional, no Rio de Janeiro. Após anos de viagens, volta para o bairro portuário e dali não sairia mais. O amor e o sentimento de pertencer ao seu bairro foram materializados em doações de bens que construíram escolas e teatros, numa espécie de retribuição do pintor. Crepúsculo no Estaleiro, um óleo sobre tecido pintado em 1924, é a obra de que mais gostava e até hoje está na Boca. (Na reprodução ao lado, fragmento da tela Descarga de carbon con Grampas, de 1928)

Athayde

Nascido em Santos, Athayde Lopes tem hoje 74 anos. Desde o início de seus estudos, nos anos 40 e 50, o porto tem sido um tema recorrente em sua obra, mais conhecida fora da cidade e no exterior. Nova York, por exemplo. Conta que o porto era seu lugar favorito para armar o cavalete, “era tudo aberto, não havia restrições, a gente ia onde queria”. As cores, as dimensões dos aparelhos e navios, os guindastes laranjas, as massas escuras, os tons vigorosos do cais forjaram sua pintura — “são coisas que dão muitos elementos criativos, além de ser ambiente que está impregnado na alma dos santistas”. Apesar das exposições em salões, prêmios, muitas mostras individuais (ele inaugurou, por exemplo, a antiga galeria do Banco do Brasil) não vivia de pintura, o que só foi fazer após aposentar-se como publicitário. “Foi quando passei a lidar com marchands e exibir em galerias, o que sempre relutei em fazer no passado”, conta. E ainda sobra tempo para o pintor, que se considera um impressionista, dar aulas de pintura, “mas agora só para dez alunos, não mais que isso”. (A reprodução que abre a matéria é da tela Mortona, de 1999.)

Prata

Em 1937, quando publicou Navios Iluminados, Ranulpho Prata (1896-1942) já era um escritor experiente. Estudou medicina em Salvador e no Rio de Janeiro onde se torna amigo de Lima Barreto e Jackson de Figueiredo. Em 1927 Prata consegue uma vaga na Santa Casa de Santos e trabalha também na CDS. Considerava a literatura seu ofício e já tinha livros publicados reconhecidos. De sua experiência na cidade resultou Navios Iluminados, romance que marca o fim da literatura proletária com a emergência, em 1937, do Estado Novo. Premiado pela Academia Brasileira de Letras, Navios Iluminados foi traduzido para o espanhol (Vapores iluminados, 1940) e reeditado outras três vezes no Brasil: Clube do Livro (1946), Edições O Cruzeiro (1959) e Prefeitura de Santos com a editora Scritta (1996)."
 
Obtido de http://www.jornaldaorla.com.br/noticias_integra.asp?cd_noticia=2492
 
Estava buscando um texto que fizesse a ponte entre a literatura e as artes plásticas, eis que me deparei com a resenha de Alessandro Atanes, com o sugestivo título "Os belos horrores dos portos", publicada no Jornal da Orla, coluna Porto Cidade, em 27/07/2008. Alguns textos postados neste blog fazem uma descrição da realidade portuária com uma visão que remete a filme de horror: monstros devoradores gigantes e trabalhadores vergados pela pesada carga de trabalho. Algumas telas postadas também remetem a esse imaginário. Alessandro Atanes escreve uma bela crônica sobre dois grandes artistas plásticos, um portenho outro santista, e um escritor santista e nos desperta o desejo de conhecer mais de suas obras, além dos fragmentos que nos apresenta, aqui reproduzidos.
Leia entrevista com Alessandro Atanes em http://cinezencultural.com.br/site/2009/04/16/entrevista-alessandro-atanes/
Por
F@bio

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cais - J.G. de Araújo Jorge

De: J.G. de Araújo Jorge

                            Cid Silveira - 1910


"Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,


a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.


Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.


O ar empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.


E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.


Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.


Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heróica a existência dos homens do povo,
os trabalhadores das docas de Santos."

(Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )

Obtido de http://www.jgaraujo.com.br/antologia/ci_cais.htm


Para falar de JG de Araújo Jorge, além do que já escrevi na primeira postagem de 12 de fevereiro de 2010, recorro agora a uma crítica literária de Carlos de POVINA CAVALCANTI que diz: "José Guilherme de Araújo Jorge. 19 anos de idade. Tez pálida. Fronte larga. Olhar inquieto. Movimentos nervosos. Ar de abstração e de sonho.Com essa ficha, o adolescente autor deste livro ("Meu céu interiror" - 1a. edição- Setembro de 1934) seria identificado em qualquer porto literário, aonde os bons ventos da imaginação o levassem, velejando com a alma da poesia".
Cais é um poema que retrata a realidade dura do trabalho da estiva no porto de Santos, no terminal de enxofre, pó amarelo que tinge e corroi os homens, minério que simboliza o inferno, qual o cenário do porto apresentado por Jorge.
Por F@bio