domingo, 27 de fevereiro de 2011

Agonia da Noite - Jorge Amado

De: Jorge Amado

"Ia o negro Doroteu, com sua negra Inácia, pela beira do cais. Era o cais de Santos, os armazéns das docas a se perderem de vista, repletos de sacos de café, de cachos de bananas, de fardos de algodão. Trilhos, automóveis, geladeiras, rádios, máquinas estranhas, conservas e frutas desciam nos guindastes, trazidos do bojo profundo dos porões escuros dos negros cargueiros ancorados no porto. Um cheiro doce de maçãs maduras se misturava ao salgado odor do mar, na lânguida noite tropical, envolvente e morna, cortado por um vento fino chegado de distantes paragens. Também a melodia melancólica de uma canção marítima se mesclava ao barulho ensurdece dor dos guindastes, dos gritos de marinheiros e estivadores, dos apitos saudosos dos navios abandonando a orla do cais em busca do maroceano mais além do porto. De quando em vez, uma nota mais alta da canção se sobrepunha a todo o ruído e vibrava no ar, fazendo mais ligeira a carga nos ombros dos doqueiros. Era uma canção em língua estranha, impossível entender o que ela dizia, mesmo se pudessem distintamente ouvir todas as suas palavras, mas cada um sabia - os doqueiros, os marinheiros de diversas raças, os ensacadores, mesmo os empregados da Alfândega - tratar-se de uma canção de amor, feita de distância e de aflito anelo. Mais que todos o adivinhava o negro Doroteu, andando ao lado de sua negra Inácia. Para ele, as canções não tinham segredos, ele podia penetrar-lhes o sentido mais misterioso mesmo quando não entendia a língua do marinheiro improvisado em cantor, desabafando para as luzes da cidade de Santos a sua saudade da mulher um dia encontrada e logo perdida em Changai ou Constanza, em Nova Iorque ou Guaiaquil em Amsterdã ou Stambul. Dele era o sábio conhecimento das canções do mar, das bandeiras dos navios e da variada cor das águas no correr do dia. Desses mistérios falava o negro Doroteu à sua negra Inácia quando juntos, nas noites sem trabalho, atravessavam o cais imenso, trocando juras de amor, contando e ouvindo histórias, assoviando canções, rindo para todos, pois rir era o maior prazer tanto do negro Doroteu quanto da sua negra Inácia."
 
Extraído de "Agonia da Noite", que juntamente com "Os Ásperos Tempos” e “A Luz no Túnel”, formam a trilogia de Jorge Amado sob o título geral de “Os Subterrâneos da Liberdade”, na qual buscou traçar um panorama da vida política brasileira nos anos do Estado Novo. Editora Martins Fontes, sem data.
 
Jorge Amado é um romancista de mão cheia. Subterrâneos da Liberdade li quando estávamos sobre a ditadura militar no Brasil, nos anos 70 do século passado. Li num fôlego só, pois o romance parecia um retrato dos dias de então. Repressão, prisões políticas, greves proibidas, perseguição, partidos clandestinos, movimento estudantil. Eram tempos difíceis e eu estava lá, no movimento, lutando por remover aquele véu negro que nos amordaçava e retirava a liberdade. Parecido com o que os povos estão fazendo hoje no norte da África e Oriente Médio. Lutando pela democracia em passeatas, greves e manifestações. Lutando pela liberdade. Jorge Amado não esconde a sua militância de esquerda, nem eu.
Por
F@bio 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Roteiro - Albano Martins

De: Albano Martins

"Desenho no mapa o teu perfil
de caravela cósmica. Viajo
por hemisférios tácteis ao encontro
do lastro puro, do contraste
que me revele
e justifique
e baste."

(in «Coração de Bússola», 1967)

Albano Martins, nascido em 1930, em Portugal, formado em filologia, foi professor.
O poeta foi um dos fundadores da revista Árvore e colaborador da Colóquio-Letras e Nova Renascença.
A caravela cósmica navega oceanos siderais, tateando estrelas, na busca do ponto de encontro, na dialética
do desencontro. O amor localizado pela bússola que há em cada coração, que dispara quando encontra, mas também soluça quando desencontra.
Será que isto basta?
Por
F@bio

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Poesia no Cais do Porto - Fernanda de Aquino

De: Fernanda de Aquino

"No meio do cais do porto, eu o descobri. Ele estava vestido de tanta gente, de sons indecifráveis, de letras incoerentes... No meio de tanta gente eu o vi descobrindo-me, encontrando meu olhar ávido por cima do ombro de um desconhecido. Seu olhar! Rendi-me na hora.

Eu não sabia direito como fora parar ali. A palestra estava começando e as pessoas já se amontoavam, se acotovelando em busca de um bom lugar, algumas para verem os famosos de perto, outras para serem vistas por sei lá quem pudesse ser.

Atada por sete nós, no mínimo, eu permaneci sentada numa cadeira dura, sob uma garoa fina e fria, sem beber, sem comer, sem falar. Fenilalinina pura, meu ser virou bruma, misturou-se com a maresia e passeava livre, do navio ao palco, do mar ao cais, voltando sempre ao mesmo lugar: seu olhar! Eu não via suas pernas, no tamanho exato para me alcançar, nem seus dedos longos e ágeis tamborilando seu joelho esquerdo. Ou era o direito? Eu via somente o seu olhar me tomando forte em seus braços, me dizendo coisas que eu precisava ouvir. Coisas de amor, doces mentiras. E afagos, muitos, por todo o meu corpo, eriçando meus pelos, meus mamilos, me aquecendo e de repente me atirando num abismo profundo, escuro, sem fim e depois me buscando novamente para em seguida me atirar outra vez. E mais outra.

O guindaste fingia trabalhar duro enquanto a poesia se derramava no cais do porto. Foram quase três horas carregando contêineres de paixão. Um amigo me disse um dia que detestava quando seus hormônios estavam erupcionando porque ele se metia em cada roubada...

Tão logo terminasse aquela verborragia desenfreada eu iria até ele, de corpo e alma. Diria quem eu sou, de onde vim e o que quero além do seu olhar. Era o que faria. E se ele, sentindo meu corpo tão perto, meu cheiro, minha voz falseada de naturalidade, recuasse... e seu olhar me dissesse “eu não te conheço, nem nunca te vi”.

Talvez naquele momento em que ele esticara o pescoço e me fitara dizendo “eu estou aqui, não se perca de mim”, não fora para mim. Ele me acertara sem querer quando mirava a sua namorada sentada atrás de mim. Eu era a primeira da fila, todos estavam atrás de mim. Não havia um caminho para o seu olhar ir onde quer que fosse sem passar por mim. E sempre que passava, eu o prendia por alguns instantes. Talvez ele nem tenha se dado conta disso. Poderia ser ainda um namorado aquele moço, quase um menino, que segurava seus livros com visível dedicação. Pior do que isso, o menino poderia ser o seu amor que esperava pacientemente seu amor fazer poesia a alheios, pensando enquanto isso, no quanto ele era sensível e inteligente e no quanto eram felizes aqueles dois.

O sutiã me apertava uma cicatriz antiga no lado esquerdo do peito. Doía. Olhei para a noite e chorei. Lembrei-me que teria que higienizar muito bem minhas pálpebras antes de dormir. Meu oftalmologista dissera que minhas lágrimas eram tóxicas. Que merda!"

Obtido de: http://www.correiodolitoral.com/index.php?option=com_content&view=article&id=304:no-meio-do-cais-do-porto&catid=55:maresia&Itemid=112

Fernanda de Aquino nos traz uma poesia cheia de tesão e paixão. Foi publicada pelo Correio do Litoral, diário eletrônico do litoral do Paraná do dia 15 de fevereiro de 2009. Hoje são 14 de fevereiro, quase uma coincidência de data. No Correio pode-se encontrar muitas outras poesias de Fernanda.
Todos nós, um dia, nos deparamos com um olhar instigante, que nos desperta um sentimento que cresce por dentro. Um desejo que vai subindo e nos queimando. Descobrir e ser descoberto. Olhares que se cruzam, dedos que se tocam, pele que se eriça, guindaste que se levanta de tesão, conteinêres de paixão contida no peito. Ah, o amor...
Por F@bio

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Cais do Corpo - Braulio Tavares

De Braulio Tavares


"eles
que têm
uma mulher
em cada porto


elas
que têm
um homem
em cada navio

(quente é o cais do corpo,
quando o mar é frio) "
 
Obtido em:http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/VanguardasPoeticas/Braulio_Tavares_poesia.htm
 
 
Braulio Tavares, um paraibano que adotou o Rio ou pelos cariocas foi adotado.  É poeta, escritor, músico, roterista...e por aí vai. No link acima tem uma entrevista com ele que nos permite conhecer um pouco mais do poeta. Cais do Corpo coloca em uma perspectiva dialética a questão sempre posta do marinheiro que tem uma mulher em cada porto, ou são elas que têm um homem em cada navio? O corpo é o cais dos amores possíveis. Interessante que essa é a segunda poesia com esse título que publico aqui no Cargueiro de Letras.
Por

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ponte Móvel Sobre o Rio Leça - João Luís Barreto Guimarães

De: João Luís Barreto Guimarães

"Imóvel na ponte aberta sobre este porto de mar
queria não ter que esperar que o petroleiro passasse
a vomitar outro preto nos depósitos da Cepsa.
Olho as margens da tarde em informe ebulição
o navio japonês veio dar à luz Toyota’s
alinhados sobre o cais qual parada militar
(os turistas dos cruzeiros aguardam pelo autocarro
que lembrará em sueco memórias do Porto antigo).
Do cargueiro africano rolam troncos gigantescos
houve um que caiu à água e ninguém o foi salvar
(decerto não irá longe nestas águas estagnadas
nem poderá ir mais ao fundo).
Corre um vento de norte. Novembro
está dentro do Outono. Alguém reuniu o manto
de folhas cerca da ponte mas pelo final do dia
já é Outono outra vez. Mas
distraí-me do cais. Espera. Lá está a marinha.
A fragata da Defesa devolveu homens à terra
meio-dia de licença na casa da luz vermelha
(este Natal as meninas vão-lhes dar a provar sonhos
e o porteiro: rabanadas). E se
faltam desrazões para me obrigar a parar
aqui me têm parado
(só reparando se vê)
qualquer amurada é perfeita para resumir um país
qualquer ponte é ideal para se matar
os tempos."

Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE, Num. 26, Ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto, a 3 de Junho de 1967. Vive em Leça da Palmeira. Tem uma filha. É licenciado em Medicina e Cirurgia pela Universidade do Porto, especialista em Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.


Obtido de: http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/portugal/joao_luis_barreto_guimaraes.html


O poeta e médico João Luís no seu poema cria imagens incríveis, como a do navio japonês que pariu toyotas. Passando por outra ponte, que não a de Leça da Palmeira, mas na Rio - Niterói, vê-se o navio italiano não parindo, mas abocanhando, ou para ser mais atual, extraditando fiats, mercedes, citroens e outros rodantes. Mas, nessa ponte não se mata o tempo apreciando o correr das águas ou o bater das ondas, mata-se o tempo em engarrafamentos, matam-se os motoristas e passageiros em colisões, vidas que se vão na nau dos espíritos. No cais desse porto também não dá para distrair-se sentido a brisa do vento norte e o aroma marinho, é um cais sujo, fedido, mal-tratado, como quase todo cais, de águas estagnadas, certamente muito mais do que a Leça da Palmeira que um dia pretendo conhecer.
Por
F@bio



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Terrorista / O Herói - Lino Machado

De: Lino Machado

“Aqui
à beira do cais
onde faz pouco explodiu
o navio cargueiro
ninguém mais
admite
(incógnita: só eu)
que ainda cogita
ganhar o Prêmio Dinamite
da Paz.


Aqui
à beira do cais
ou seria perto
da sala VIP
daquele aeroporto?


Não importa.
Num caso ou noutro
nunca sumirá
a cicatriz – mire bem:
que trago a mais
no meu rosto.”

Obtido em http://www.revistacalcada.com.br/revista/poemas/o-terroristao-heroi/#more-104

Devo dizer que a internet tem sido uma grande aliada na construção deste blog. Não conhecia o Lino Machado e assim, sem mais nem menos, colocando umas palavras no google, eis que surge essa instigante poesia. Há muita gente em busca desse Prêmio Dinamite da Paz. Quantas marcas e cicatrizes provocadas pelos que fazem a guerra em nome da paz. Será essa a sina do homem?
Por
F@bio

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Soneto da Enseada - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

"Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.


De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.


Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.


Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?"


Poesia de Ledo Ivo obtida de http://www.eurooscar.com/poesoutros/ledo_ivo1.htm

O poeta Ledo Ivo neste Soneto da Enseada traz a inquietação de existencialista e vai além. Vida que segue qual navio cruzando os mares. Vida vivida, vida deixada pra trás. Mas será mesmo que essa travessia ocorre entre dois nadas como propõe o poeta?
Por F@bio

(Veja mais Ledo Ivo neste blog)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Os Belos Horrores dos Portos - Alessandro Atanes

De: Alessandro Atanes

"Duas coisas que devem ser ditas sobre esta pequena história dos portos como cenário na representação artística. A primeira é que o conteúdo histórico das obras não se restringe somente aos fatos: os temas e as formas também evoluem, dialogam com o tempo em que foram criadas e com os seguintes. Isso é o que talvez explique a semelhança temática entre cenas do romance "Navios Iluminados", do escritor Ranulpho Prata, e detalhes das pinturas de Quinquela Martin, sobre o porto de Buenos Aires.

A outra é que – de forma simplificada, mas válida – se o historiador do porto deve ler as estatísticas, é pela imersão no imaginário artistico que ele capta os temores dos indivíduos, ainda que os personagens do romance estejam no bairro do Macuco das décadas de 20 e 30 ou sejam trabalhadores sem rosto nas imagens da Boca, o bairro portuário de Buenos Aires, que no mesmo período foram pintados por Quinquela.

Essas imagens revelam desses objetos mecânicos imensos um aspecto monstruoso comum nos temas portuários de Quinquela, assim como em Mortona, do santista Athayde Lopes. Em Navios Iluminados, publicado em 1937 (portanto, contemporâneo de Quinquela), Ranulpho Prata descreve o primeiro dia de funcionamento de uma grab. A história se passa entre o final da década de 20 e início da seguinte, momento de expansão do porto.

O [guindaste] palmeira botou toda sua eletricidade, esticou o rabo possante e levantou a grab que lá se foi pelos ares, como uma aranha descomunal, em procura do porão do cargueiro inglês Amberton, que trazia carvão de Cardiff.

O barco vinha de barriga cheia, a carga beijando a boca da escotilha. A máquina escancarou as mandíbulas medonhas, enterrou os dentes na massa negra e derramou na galera três toneladas de carvão de uma so vez. Chegara recentemente e eram as primeiras experiências que faziam. O pessoal da turma [de estivadores] 65 espiava, curioso, o manejo da bicha.

As obras de Prata e Quinquela registram a mesma realidade. Para descrevê-lo, recorrem ao expressionismo da prosopopéia, aquela figura de linguagem dos seres inanimados – no caso, guindastes e navios – representados como animais. É no próprio campo da arte, no exagero das tintas e na distribuição das cores, que as obras conversam. Mais que cenário social, essa é a história que têm em comum.

Isolamento - As obras tamém se parecem pela forma como isolam o bairro portuário do resto da cidade, distanciando o cais e a vida urbana: físico, no caso da pintura tendo as fábricas urbanas como fundo; ou econômico, como as limitações de transporte do personagem do romance.

O protagonista de Navios Iluminados, José Severino de Jesus, só deixa o bairro portuário em situações especificas e sobre as quais a narrativa geralmente se encolhe em passagens bem ligeiras. Na obra de Prata, o bairro portuário é o exclusivo universo de Severino e de outros milhares de trabalhadores do porto que compartilham aquele bairro “de chalés de madeira muito parecidos uns com os outros, como gente da mesma familia”.

Ao concentrar a ação no Macuco, o autor estabelece uma oposição entre o bairro e o resto da cidade, desconhecido e inóspito. Em Santos não são longas as distâncias físicas e o restante da cidade – suas praias, seus cassinos, suas avenidas – não fazia parte da vida de Severino, totalmente voltada ao trabalho e à tentativa de deixar a miséria para trás.

O isolamento é semelhante nas pinturas de Quinquela. O resto de Buenos Aires só é indicado pelas chaminés no horizonte, cuspindo fumaça, também nos informando sobre o desconhecido e o inóspito.

Com as cores de suas pinturas na memória, a poeta Júlia Prilutzki Farny escreveu o seguinte sobre o bairro portuário e seu contraste com o resto da cidade no ensaio biográfico sobre o artista:

“Sim, claro que a Boca é diferente. Não só representa a melhor linhagem do nosso portismo [porteñismo], senão talvez – e sim talvez – o único lugar da cidade com vida própria. Com fascinação própria. Onde as cinzas que nivelam nossa visão citadina das coisas e dos homens se incendeiam em cores vibrantes e violentas: vermelho, verde, amarelo, azul. (...) A Boca é, talvez, nossa única esperança de cor. E de calor.”

O expressionismo da prosopopéia e o isolamento geográfico dessas duas representações artísticas são rastros que permitem um entendimento do espaço portuário além dos fatos. Se, como dizem alguns críticos, o horror é uma sensação própria do mundo atual, as obras de Prata e Quinquela contribuem de forma privilegiada para seu entendimento.

Quinquela

Quinquela Martin (1890-1977) é filho adotivo de um carvoeiro do bairro da Boca. Nos primeiros anos do século XX, chegou à adolescência no turbilhão político das greves do período. Passa a frequentar a Sociedade União da Boca, onde recebe aulas de desenho e pintura. Em 1916, já era assunto das resenhas críticas e das revistas de arte. Começa a expor pelo país e, em 1920, faz sua primeira exposição internacional, no Rio de Janeiro. Após anos de viagens, volta para o bairro portuário e dali não sairia mais. O amor e o sentimento de pertencer ao seu bairro foram materializados em doações de bens que construíram escolas e teatros, numa espécie de retribuição do pintor. Crepúsculo no Estaleiro, um óleo sobre tecido pintado em 1924, é a obra de que mais gostava e até hoje está na Boca. (Na reprodução ao lado, fragmento da tela Descarga de carbon con Grampas, de 1928)

Athayde

Nascido em Santos, Athayde Lopes tem hoje 74 anos. Desde o início de seus estudos, nos anos 40 e 50, o porto tem sido um tema recorrente em sua obra, mais conhecida fora da cidade e no exterior. Nova York, por exemplo. Conta que o porto era seu lugar favorito para armar o cavalete, “era tudo aberto, não havia restrições, a gente ia onde queria”. As cores, as dimensões dos aparelhos e navios, os guindastes laranjas, as massas escuras, os tons vigorosos do cais forjaram sua pintura — “são coisas que dão muitos elementos criativos, além de ser ambiente que está impregnado na alma dos santistas”. Apesar das exposições em salões, prêmios, muitas mostras individuais (ele inaugurou, por exemplo, a antiga galeria do Banco do Brasil) não vivia de pintura, o que só foi fazer após aposentar-se como publicitário. “Foi quando passei a lidar com marchands e exibir em galerias, o que sempre relutei em fazer no passado”, conta. E ainda sobra tempo para o pintor, que se considera um impressionista, dar aulas de pintura, “mas agora só para dez alunos, não mais que isso”. (A reprodução que abre a matéria é da tela Mortona, de 1999.)

Prata

Em 1937, quando publicou Navios Iluminados, Ranulpho Prata (1896-1942) já era um escritor experiente. Estudou medicina em Salvador e no Rio de Janeiro onde se torna amigo de Lima Barreto e Jackson de Figueiredo. Em 1927 Prata consegue uma vaga na Santa Casa de Santos e trabalha também na CDS. Considerava a literatura seu ofício e já tinha livros publicados reconhecidos. De sua experiência na cidade resultou Navios Iluminados, romance que marca o fim da literatura proletária com a emergência, em 1937, do Estado Novo. Premiado pela Academia Brasileira de Letras, Navios Iluminados foi traduzido para o espanhol (Vapores iluminados, 1940) e reeditado outras três vezes no Brasil: Clube do Livro (1946), Edições O Cruzeiro (1959) e Prefeitura de Santos com a editora Scritta (1996)."
 
Obtido de http://www.jornaldaorla.com.br/noticias_integra.asp?cd_noticia=2492
 
Estava buscando um texto que fizesse a ponte entre a literatura e as artes plásticas, eis que me deparei com a resenha de Alessandro Atanes, com o sugestivo título "Os belos horrores dos portos", publicada no Jornal da Orla, coluna Porto Cidade, em 27/07/2008. Alguns textos postados neste blog fazem uma descrição da realidade portuária com uma visão que remete a filme de horror: monstros devoradores gigantes e trabalhadores vergados pela pesada carga de trabalho. Algumas telas postadas também remetem a esse imaginário. Alessandro Atanes escreve uma bela crônica sobre dois grandes artistas plásticos, um portenho outro santista, e um escritor santista e nos desperta o desejo de conhecer mais de suas obras, além dos fragmentos que nos apresenta, aqui reproduzidos.
Leia entrevista com Alessandro Atanes em http://cinezencultural.com.br/site/2009/04/16/entrevista-alessandro-atanes/
Por
F@bio

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cais - J.G. de Araújo Jorge

De: J.G. de Araújo Jorge

                            Cid Silveira - 1910


"Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,


a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.


Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.


O ar empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.


E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.


Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.


Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heróica a existência dos homens do povo,
os trabalhadores das docas de Santos."

(Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )

Obtido de http://www.jgaraujo.com.br/antologia/ci_cais.htm


Para falar de JG de Araújo Jorge, além do que já escrevi na primeira postagem de 12 de fevereiro de 2010, recorro agora a uma crítica literária de Carlos de POVINA CAVALCANTI que diz: "José Guilherme de Araújo Jorge. 19 anos de idade. Tez pálida. Fronte larga. Olhar inquieto. Movimentos nervosos. Ar de abstração e de sonho.Com essa ficha, o adolescente autor deste livro ("Meu céu interiror" - 1a. edição- Setembro de 1934) seria identificado em qualquer porto literário, aonde os bons ventos da imaginação o levassem, velejando com a alma da poesia".
Cais é um poema que retrata a realidade dura do trabalho da estiva no porto de Santos, no terminal de enxofre, pó amarelo que tinge e corroi os homens, minério que simboliza o inferno, qual o cenário do porto apresentado por Jorge.
Por F@bio

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cais do Corpo - Mônica Salmaso

De: Mônica Salmaso

"Era uma rua estreita, barulhenta
com gente andando por todo canto
ele pensou sonhar estar num cais
no cais do porto de Santos


Luminosos em neon colorido
piscavam nos hotéis, bares
restaurantes, boates
dizendo nomes dos mares


Mas viu que era real
que as mulheres o chamavam
oferecendo o seu corpo
cais do porto, cais do porto


De repente a voz
de uma mulher, Maria
que parada à sua frente
uma mesma frase repetia


Maria fazia poesia sem pensar
ser poesia o que queria dizer
na cama para os fregueses
para si mesma sem querer


Maria inventava coisas lindas
com as quais encobria
o nome dos sexos
e o que se fazia com eles todos os dias


Ficou famosa por inventar
ser seu sexo um cais
o doce cais do seu corpo
onde o sexo dos machos podia vir atracar


Ela via naquele homem
com o olhar perdido
vagando, sem a ver
tanto pedido de prazer


E lhe dizia, e repetia
cais do corpo, cais do corpo


O encontro dos dois
apagou as ruas, os hotéis
calou os luminosos
as boates, os bordéis


Tudo vinha em ondas
arrepios, explodindo em gozo
um dentro do outro
no cais do corpo, no cais do corpo


Como vem do mar
o barco navegante
no cais do porto atracar


Vem vindo do amor
o barco do amante
no cais do corpo atracar."


Obtido de letras.com.br em 17 de novembro de 2010.



Cais do porto metaforico se transforma em cais do corpo. Monica Salmaso fala do porto dos amantes, dos bordeis, boates, dos encontros amorosos de marinheiros solitarios, sendentos do corpo feminino. Aconchego encontrado no corpo das mulheres da vida do cais. Mulheres-cais onde atracar o sexo, aplacar o desejo do gozo. Porto de amantes passageiros...
Monica Salmaso é cantora e tem discos com musicas de Baden e Vinicius, Tom e Vinicius, e muitos outros trabalhos que podem ser conhecidos no site: monicasalmaso.mus.br.
Por F@bio

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Marinheiro Só - Caetano Veloso

Marinheiro Só
(domínio público)

"Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da Bahia
Marinheiro só
De São Salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só


Todo de branco
Marinheiro só
Com seu bonezinho
Marinheiro só


Ô, marinheiro, marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só"



Essa música é do folclore popular, mas foi Caetano Veloso quem a resgatou e a fez conhecida de todos nós. Dia 13 de dezembro é o dia do Marinheiro e o Cargueiro de Letras não poderia deixar de registrar e prestar homenagem àqueles que se lançam no mar, em cargueiros mercantes, em transatlânticos de turismo ou em navios das marinhas. Enfrentando vagas enormes, ventos violentos, angústia, doenças do corpo e da mente, tempestades e raios, saudade, nostalgia, solidão,  incertezas da viagem, o desconhecido, o imprevisto, o Monstrengo dos mares, na figura criada por Fernando Pessoa.
A gravação de Caetano é muito vibrante, com um coro bem folclórico e belos solos de guitarras.
Por F@bio

domingo, 12 de dezembro de 2010

Um Homem no Cais - Manoel de Andrade

De: Manoel de Andrade

"Que saldo trago da vida?!
da existência escassa e vadia que vivi?!
que emoções puderam transfigurar meu coração de marinheiro
e desviar meus passos do caminho do cais?!
eu, que tornei meu corpo ambulante
a vagar de porto em porto em busca de um navio!
em busca de um destino qualquer que flutuasse
e me levasse pra bem longe e sem destino,
fazendo de mim um homem sem pátria e sem ninguém!


Ah, minha vida…
imenso cais deserto!
e eu a perambular pelas cidades portuárias
em busca de um capitão!
minha vida sem sal e sem sol!
sempre à sombra dos grandes cascos,
aspirando as emanações das coisas marítimas,
derivando pela atmosfera buliçosa dos portos!


Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais!
a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mercadorias!
                                                                                                      
e depois, cansado e com os pés doídos
sentar-me na calçada dos armazéns
para ver os estivadores e os guindastes em movimento
e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões.


Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas!
e com os que vivem para partir ao largo e ao distante!
ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes!
gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas!
gente de terra que entra e sai das docas,
vigias, conferentes, administradores do porto,  despachantes,  funcionários das capitanias,
homens dos rebocadores, dragas, barcaças,
dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras
oficiais de bordo, embarcadiços,
tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos navios


Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar!
ah, marinheiros debruçados nas amuradas
a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais!
a que distância estás da tua pátria?!
há quanto tempo não beijas tua amada?!


Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados!
olhando os navios que chegam e os navios que saem;
os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías;
os que vêm chegando com as manhãs de sol
e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem  iluminados
                                                                      
Ah, meu barco que nunca chega e que nunca parte!
enquanto te aguardo,  caminho pela areia colorida das praias
e pelo dorso dos planaltos!
e hoje,
depois de tanto andar
sem bússola
sem cansaço
e quase comovido com minha vida vagabunda
eu, com vinte e sete anos de idade,
conhecendo dezessete estados do meu país imenso
e mais três nações do continente americano
trago ainda meu sonho imaculado
e minhas retinas dilatadas para visões mais amplas e azuis.


De tantas cidades percorridas,
de tantos rios atravessados,
trago apenas
a nostalgia de terras que não vi
e a saudade do marinheiro que não fui!
Quantos anos vividos
ao lado e na distância do homem que me deixei num cais
sem barco e sem destino!
Ah, meu sonho!
minha vida naufragada.
Eu contemplo a mim mesmo
o rapaz que foi a pique numa tarde de novembro.


Tudo, ah, tudo em mim partiu pro mar!
e eu fiquei ausente
sempre algemado ao momento da partida
com um nó atravessado na garganta do meu sonho!


E agora
meu canto marítimo
chega ainda com a brisa dos oceanos
e na maré alta
banha meu sonho primeiro
e quem sabe, o derradeiro.


Nesse tempo de embarque
tudo esteve pronto e ainda está:
meu passaporte, meu diário em branco,
o violão e o poeta;
meu corpo sadio e forte para as tarefas de bordo
e a imaginação que escolheu as roupas de trabalho
e o traje para descer nos portos escalados:
camisa e sapatos brancos, o paletó azul-marinho
e a calça acinzentada;
a pele bronze, a barba bem crescida
e no peito tatuado qualquer nome de mulher
que eu diria ser o nome da mulher amada.


Vivendo deste sonho
eu fui partindo…
embarcava com os tripulantes
e estava no convés de tudo o que se fazia ao mar
e desaparecia na curva do horizonte.
eu também acenei para os que ficavam
eu acenei a mim mesmo.
Parti com os navios mercantes, vasos de guerra,
transatlânticos, escunas, veleiros…
fiz amigos e inimigos entre marinheiros,
aprendi a língua deles
trabalhei, ri, cantei, me embriaguei com eles.
desci em portos de países longínquos e misteriosos,
conheci outros continentes,
salguei meus olhos nas águas de todos os oceanos
e dos mares interiores,
senti meu coração seduzido pela beleza das baías e enseadas,
golfos e estreitos,
e tudo que eu vi…
ah, perdão!
tudo o que eu vi foi com a imaginação apenas!
eu nunca fui além do cais!
são estórias que ouvi de marinheiros!
de livros que li há muito tempo.


Mas ai de mim!
vivendo deste sonho
eu fui morrendo em tudo mais na minha vida.
e assim, o que de bom esteve ao meu alcance
e que poderia encher meu coração em terra firme
foi sempre provisório e desbotável.
O amor, o grande amor, não sei quem foi, não percebi…
os anos cresceram pesados e exigentes
e a única herança recebida
foi o imenso mar que se espraiou na minha infância.


Ah, meus dias foram outros!
e tudo o que de mim restou de belo,
está distante
está no mar
e nesta ânsia de cantar"

Curitiba, setembro – 1968 - Este poema consta do livro “CANTARES” editado por ESCRITURAS Editora.

Obtido em http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/05/26/um-homem-no-cais-poema-de-manoel-de-andrade/ em 11/12/2010

Encontrei esse poema do Manoel de Andrade meio por acaso e me encantei com beleza poética de "Um homem no cais". Me identifiquei particularmente com o trecho "a nostalgia de terras que não vi / e a saudade do marinheiro que não fui!". Em minha adolescência/juventude, passada em Niterói, um dos meus lugares preferidos era a ponte da ilha da Boa Viagem, onde contemplava o ir e vir dos navios, e em muitos momentos senti a nostalgia das terras em que não estive e a saudade de viajante que também nunca fui, mas sonhei ser.
Manoel de Andrade, um poeta e militante da luta pela liberdade, foi perseguido e teve que se exilar em países da América Latina. De volta ao Brasil, viveu na clandestinidade e desenvolveu uma vida de  sucesso em sua atividade profissional. A poesia foi retomada em 2007 com o lançamento de Cantares. Há uma interessante entrevista em que ele relata um pouco de seu percusso e de sua poesia em http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=114089&id_secao=11, mesmo site de onde obtive a foto.
Por F@bio

sábado, 20 de novembro de 2010

Mestre Sala dos Mares - João Bosco e Aldir Branc

De: João Bosco e Aldir Blanc


(palavras censuradas entre parenteses)

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro (marinheiro) 
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante (almirante) negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar (navegar) pelo mar na alegria das regatas (com seu bloco de fragatas) 
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas (negros pelas pontas das chibatas) 
Inundando o coração do pessoal do porão (de toda tripulação) 
Que a exemplo do feiticeiro (marinheiro) gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante (almirante) negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Obtido de http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html em 20/11/2010



A dupla João Bosco e Aldir Blanc escreveu páginas brilhantes da história da música brasileira e musicou de modo singular a história da nação. Hoje, 20 de novembro, dia da consciência negra, se homenageia também João Cândido, o almirante negro, dia certo para eu postar no Cargueiro de Letras esse samba magistral. A Revolta da Chibata teve por motivos "o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais", que tinham sido abolidos no início do século, sendo depois reativados pela Marinha para "manter a disciplina a bordo". A revolta foi vitoriosa e negociada a anistia, que foi desrespeitada. Os revoltosos foram então deportados ou presos e barbaramente tratados. João Cândido foi expulso da Marinha e viveu muitos anos atormentado pela terrível experiência daquela prisão. Viveu até os 89 anos como peixeiro, vindo a falecer em 1969. No link de onde obtive a letra há um resumo da história de João Cândido. Viva o Almirante Negro! Viva Zumbi!
Por
F@bio

domingo, 14 de novembro de 2010

O Monstrengo - Fernando Pessoa



O Monstrengo
De: Fernando Pessoa
Voz: Paulo Autran


"O monstrengo que está no fim do mar,
Na noite de breu ergueu-se a voar ;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme, disse tremendo,
"El-Rei D. João Segundo!"

"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o monstrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse,
"El-Rei D. João Segundo!"

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o monstrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”


Esse vídeo une a poesia de Fernando Pessoa com a interpretação de Paulo Autran. A poética não está só no rico verso de Pessoa, mas também na forma intensa de Autran declamar a ode a D.João II. A interpretação de Autran valoriza o poema e nos permite conhecer ainda mais a intensidade do texto de Pessoa. O ator empresta sua voz ao poeta
Por F@bio

sábado, 13 de novembro de 2010

Os Argonautas - Caetano Veloso

De: Caetano Veloso

O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

Uma homenagem a Camões, a Pessoa, aos navegantes portugueses, que se lançaram mar adentro em seus barcos destemidos, navegar é preciso com a ciência de Sagres e na precisão do verso e da canção de Caetano. No vídeo a seguir Caetano lê a carta de Caminha e canta Os argonautas.
Por F@bio