quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Soneto da Enseada - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

"Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.


De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.


Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.


Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?"


Poesia de Ledo Ivo obtida de http://www.eurooscar.com/poesoutros/ledo_ivo1.htm

O poeta Ledo Ivo neste Soneto da Enseada traz a inquietação de existencialista e vai além. Vida que segue qual navio cruzando os mares. Vida vivida, vida deixada pra trás. Mas será mesmo que essa travessia ocorre entre dois nadas como propõe o poeta?
Por F@bio

(Veja mais Ledo Ivo neste blog)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Os Belos Horrores dos Portos - Alessandro Atanes

De: Alessandro Atanes

"Duas coisas que devem ser ditas sobre esta pequena história dos portos como cenário na representação artística. A primeira é que o conteúdo histórico das obras não se restringe somente aos fatos: os temas e as formas também evoluem, dialogam com o tempo em que foram criadas e com os seguintes. Isso é o que talvez explique a semelhança temática entre cenas do romance "Navios Iluminados", do escritor Ranulpho Prata, e detalhes das pinturas de Quinquela Martin, sobre o porto de Buenos Aires.

A outra é que – de forma simplificada, mas válida – se o historiador do porto deve ler as estatísticas, é pela imersão no imaginário artistico que ele capta os temores dos indivíduos, ainda que os personagens do romance estejam no bairro do Macuco das décadas de 20 e 30 ou sejam trabalhadores sem rosto nas imagens da Boca, o bairro portuário de Buenos Aires, que no mesmo período foram pintados por Quinquela.

Essas imagens revelam desses objetos mecânicos imensos um aspecto monstruoso comum nos temas portuários de Quinquela, assim como em Mortona, do santista Athayde Lopes. Em Navios Iluminados, publicado em 1937 (portanto, contemporâneo de Quinquela), Ranulpho Prata descreve o primeiro dia de funcionamento de uma grab. A história se passa entre o final da década de 20 e início da seguinte, momento de expansão do porto.

O [guindaste] palmeira botou toda sua eletricidade, esticou o rabo possante e levantou a grab que lá se foi pelos ares, como uma aranha descomunal, em procura do porão do cargueiro inglês Amberton, que trazia carvão de Cardiff.

O barco vinha de barriga cheia, a carga beijando a boca da escotilha. A máquina escancarou as mandíbulas medonhas, enterrou os dentes na massa negra e derramou na galera três toneladas de carvão de uma so vez. Chegara recentemente e eram as primeiras experiências que faziam. O pessoal da turma [de estivadores] 65 espiava, curioso, o manejo da bicha.

As obras de Prata e Quinquela registram a mesma realidade. Para descrevê-lo, recorrem ao expressionismo da prosopopéia, aquela figura de linguagem dos seres inanimados – no caso, guindastes e navios – representados como animais. É no próprio campo da arte, no exagero das tintas e na distribuição das cores, que as obras conversam. Mais que cenário social, essa é a história que têm em comum.

Isolamento - As obras tamém se parecem pela forma como isolam o bairro portuário do resto da cidade, distanciando o cais e a vida urbana: físico, no caso da pintura tendo as fábricas urbanas como fundo; ou econômico, como as limitações de transporte do personagem do romance.

O protagonista de Navios Iluminados, José Severino de Jesus, só deixa o bairro portuário em situações especificas e sobre as quais a narrativa geralmente se encolhe em passagens bem ligeiras. Na obra de Prata, o bairro portuário é o exclusivo universo de Severino e de outros milhares de trabalhadores do porto que compartilham aquele bairro “de chalés de madeira muito parecidos uns com os outros, como gente da mesma familia”.

Ao concentrar a ação no Macuco, o autor estabelece uma oposição entre o bairro e o resto da cidade, desconhecido e inóspito. Em Santos não são longas as distâncias físicas e o restante da cidade – suas praias, seus cassinos, suas avenidas – não fazia parte da vida de Severino, totalmente voltada ao trabalho e à tentativa de deixar a miséria para trás.

O isolamento é semelhante nas pinturas de Quinquela. O resto de Buenos Aires só é indicado pelas chaminés no horizonte, cuspindo fumaça, também nos informando sobre o desconhecido e o inóspito.

Com as cores de suas pinturas na memória, a poeta Júlia Prilutzki Farny escreveu o seguinte sobre o bairro portuário e seu contraste com o resto da cidade no ensaio biográfico sobre o artista:

“Sim, claro que a Boca é diferente. Não só representa a melhor linhagem do nosso portismo [porteñismo], senão talvez – e sim talvez – o único lugar da cidade com vida própria. Com fascinação própria. Onde as cinzas que nivelam nossa visão citadina das coisas e dos homens se incendeiam em cores vibrantes e violentas: vermelho, verde, amarelo, azul. (...) A Boca é, talvez, nossa única esperança de cor. E de calor.”

O expressionismo da prosopopéia e o isolamento geográfico dessas duas representações artísticas são rastros que permitem um entendimento do espaço portuário além dos fatos. Se, como dizem alguns críticos, o horror é uma sensação própria do mundo atual, as obras de Prata e Quinquela contribuem de forma privilegiada para seu entendimento.

Quinquela

Quinquela Martin (1890-1977) é filho adotivo de um carvoeiro do bairro da Boca. Nos primeiros anos do século XX, chegou à adolescência no turbilhão político das greves do período. Passa a frequentar a Sociedade União da Boca, onde recebe aulas de desenho e pintura. Em 1916, já era assunto das resenhas críticas e das revistas de arte. Começa a expor pelo país e, em 1920, faz sua primeira exposição internacional, no Rio de Janeiro. Após anos de viagens, volta para o bairro portuário e dali não sairia mais. O amor e o sentimento de pertencer ao seu bairro foram materializados em doações de bens que construíram escolas e teatros, numa espécie de retribuição do pintor. Crepúsculo no Estaleiro, um óleo sobre tecido pintado em 1924, é a obra de que mais gostava e até hoje está na Boca. (Na reprodução ao lado, fragmento da tela Descarga de carbon con Grampas, de 1928)

Athayde

Nascido em Santos, Athayde Lopes tem hoje 74 anos. Desde o início de seus estudos, nos anos 40 e 50, o porto tem sido um tema recorrente em sua obra, mais conhecida fora da cidade e no exterior. Nova York, por exemplo. Conta que o porto era seu lugar favorito para armar o cavalete, “era tudo aberto, não havia restrições, a gente ia onde queria”. As cores, as dimensões dos aparelhos e navios, os guindastes laranjas, as massas escuras, os tons vigorosos do cais forjaram sua pintura — “são coisas que dão muitos elementos criativos, além de ser ambiente que está impregnado na alma dos santistas”. Apesar das exposições em salões, prêmios, muitas mostras individuais (ele inaugurou, por exemplo, a antiga galeria do Banco do Brasil) não vivia de pintura, o que só foi fazer após aposentar-se como publicitário. “Foi quando passei a lidar com marchands e exibir em galerias, o que sempre relutei em fazer no passado”, conta. E ainda sobra tempo para o pintor, que se considera um impressionista, dar aulas de pintura, “mas agora só para dez alunos, não mais que isso”. (A reprodução que abre a matéria é da tela Mortona, de 1999.)

Prata

Em 1937, quando publicou Navios Iluminados, Ranulpho Prata (1896-1942) já era um escritor experiente. Estudou medicina em Salvador e no Rio de Janeiro onde se torna amigo de Lima Barreto e Jackson de Figueiredo. Em 1927 Prata consegue uma vaga na Santa Casa de Santos e trabalha também na CDS. Considerava a literatura seu ofício e já tinha livros publicados reconhecidos. De sua experiência na cidade resultou Navios Iluminados, romance que marca o fim da literatura proletária com a emergência, em 1937, do Estado Novo. Premiado pela Academia Brasileira de Letras, Navios Iluminados foi traduzido para o espanhol (Vapores iluminados, 1940) e reeditado outras três vezes no Brasil: Clube do Livro (1946), Edições O Cruzeiro (1959) e Prefeitura de Santos com a editora Scritta (1996)."
 
Obtido de http://www.jornaldaorla.com.br/noticias_integra.asp?cd_noticia=2492
 
Estava buscando um texto que fizesse a ponte entre a literatura e as artes plásticas, eis que me deparei com a resenha de Alessandro Atanes, com o sugestivo título "Os belos horrores dos portos", publicada no Jornal da Orla, coluna Porto Cidade, em 27/07/2008. Alguns textos postados neste blog fazem uma descrição da realidade portuária com uma visão que remete a filme de horror: monstros devoradores gigantes e trabalhadores vergados pela pesada carga de trabalho. Algumas telas postadas também remetem a esse imaginário. Alessandro Atanes escreve uma bela crônica sobre dois grandes artistas plásticos, um portenho outro santista, e um escritor santista e nos desperta o desejo de conhecer mais de suas obras, além dos fragmentos que nos apresenta, aqui reproduzidos.
Leia entrevista com Alessandro Atanes em http://cinezencultural.com.br/site/2009/04/16/entrevista-alessandro-atanes/
Por
F@bio

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cais - J.G. de Araújo Jorge

De: J.G. de Araújo Jorge

                            Cid Silveira - 1910


"Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,


a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.


Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.


O ar empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.


E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.


Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.


Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heróica a existência dos homens do povo,
os trabalhadores das docas de Santos."

(Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )

Obtido de http://www.jgaraujo.com.br/antologia/ci_cais.htm


Para falar de JG de Araújo Jorge, além do que já escrevi na primeira postagem de 12 de fevereiro de 2010, recorro agora a uma crítica literária de Carlos de POVINA CAVALCANTI que diz: "José Guilherme de Araújo Jorge. 19 anos de idade. Tez pálida. Fronte larga. Olhar inquieto. Movimentos nervosos. Ar de abstração e de sonho.Com essa ficha, o adolescente autor deste livro ("Meu céu interiror" - 1a. edição- Setembro de 1934) seria identificado em qualquer porto literário, aonde os bons ventos da imaginação o levassem, velejando com a alma da poesia".
Cais é um poema que retrata a realidade dura do trabalho da estiva no porto de Santos, no terminal de enxofre, pó amarelo que tinge e corroi os homens, minério que simboliza o inferno, qual o cenário do porto apresentado por Jorge.
Por F@bio

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cais do Corpo - Mônica Salmaso

De: Mônica Salmaso

"Era uma rua estreita, barulhenta
com gente andando por todo canto
ele pensou sonhar estar num cais
no cais do porto de Santos


Luminosos em neon colorido
piscavam nos hotéis, bares
restaurantes, boates
dizendo nomes dos mares


Mas viu que era real
que as mulheres o chamavam
oferecendo o seu corpo
cais do porto, cais do porto


De repente a voz
de uma mulher, Maria
que parada à sua frente
uma mesma frase repetia


Maria fazia poesia sem pensar
ser poesia o que queria dizer
na cama para os fregueses
para si mesma sem querer


Maria inventava coisas lindas
com as quais encobria
o nome dos sexos
e o que se fazia com eles todos os dias


Ficou famosa por inventar
ser seu sexo um cais
o doce cais do seu corpo
onde o sexo dos machos podia vir atracar


Ela via naquele homem
com o olhar perdido
vagando, sem a ver
tanto pedido de prazer


E lhe dizia, e repetia
cais do corpo, cais do corpo


O encontro dos dois
apagou as ruas, os hotéis
calou os luminosos
as boates, os bordéis


Tudo vinha em ondas
arrepios, explodindo em gozo
um dentro do outro
no cais do corpo, no cais do corpo


Como vem do mar
o barco navegante
no cais do porto atracar


Vem vindo do amor
o barco do amante
no cais do corpo atracar."


Obtido de letras.com.br em 17 de novembro de 2010.



Cais do porto metaforico se transforma em cais do corpo. Monica Salmaso fala do porto dos amantes, dos bordeis, boates, dos encontros amorosos de marinheiros solitarios, sendentos do corpo feminino. Aconchego encontrado no corpo das mulheres da vida do cais. Mulheres-cais onde atracar o sexo, aplacar o desejo do gozo. Porto de amantes passageiros...
Monica Salmaso é cantora e tem discos com musicas de Baden e Vinicius, Tom e Vinicius, e muitos outros trabalhos que podem ser conhecidos no site: monicasalmaso.mus.br.
Por F@bio

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Marinheiro Só - Caetano Veloso

Marinheiro Só
(domínio público)

"Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da Bahia
Marinheiro só
De São Salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só


Todo de branco
Marinheiro só
Com seu bonezinho
Marinheiro só


Ô, marinheiro, marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só"



Essa música é do folclore popular, mas foi Caetano Veloso quem a resgatou e a fez conhecida de todos nós. Dia 13 de dezembro é o dia do Marinheiro e o Cargueiro de Letras não poderia deixar de registrar e prestar homenagem àqueles que se lançam no mar, em cargueiros mercantes, em transatlânticos de turismo ou em navios das marinhas. Enfrentando vagas enormes, ventos violentos, angústia, doenças do corpo e da mente, tempestades e raios, saudade, nostalgia, solidão,  incertezas da viagem, o desconhecido, o imprevisto, o Monstrengo dos mares, na figura criada por Fernando Pessoa.
A gravação de Caetano é muito vibrante, com um coro bem folclórico e belos solos de guitarras.
Por F@bio

domingo, 12 de dezembro de 2010

Um Homem no Cais - Manoel de Andrade

De: Manoel de Andrade

"Que saldo trago da vida?!
da existência escassa e vadia que vivi?!
que emoções puderam transfigurar meu coração de marinheiro
e desviar meus passos do caminho do cais?!
eu, que tornei meu corpo ambulante
a vagar de porto em porto em busca de um navio!
em busca de um destino qualquer que flutuasse
e me levasse pra bem longe e sem destino,
fazendo de mim um homem sem pátria e sem ninguém!


Ah, minha vida…
imenso cais deserto!
e eu a perambular pelas cidades portuárias
em busca de um capitão!
minha vida sem sal e sem sol!
sempre à sombra dos grandes cascos,
aspirando as emanações das coisas marítimas,
derivando pela atmosfera buliçosa dos portos!


Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais!
a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mercadorias!
                                                                                                      
e depois, cansado e com os pés doídos
sentar-me na calçada dos armazéns
para ver os estivadores e os guindastes em movimento
e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões.


Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas!
e com os que vivem para partir ao largo e ao distante!
ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes!
gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas!
gente de terra que entra e sai das docas,
vigias, conferentes, administradores do porto,  despachantes,  funcionários das capitanias,
homens dos rebocadores, dragas, barcaças,
dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras
oficiais de bordo, embarcadiços,
tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos navios


Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar!
ah, marinheiros debruçados nas amuradas
a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais!
a que distância estás da tua pátria?!
há quanto tempo não beijas tua amada?!


Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados!
olhando os navios que chegam e os navios que saem;
os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías;
os que vêm chegando com as manhãs de sol
e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem  iluminados
                                                                      
Ah, meu barco que nunca chega e que nunca parte!
enquanto te aguardo,  caminho pela areia colorida das praias
e pelo dorso dos planaltos!
e hoje,
depois de tanto andar
sem bússola
sem cansaço
e quase comovido com minha vida vagabunda
eu, com vinte e sete anos de idade,
conhecendo dezessete estados do meu país imenso
e mais três nações do continente americano
trago ainda meu sonho imaculado
e minhas retinas dilatadas para visões mais amplas e azuis.


De tantas cidades percorridas,
de tantos rios atravessados,
trago apenas
a nostalgia de terras que não vi
e a saudade do marinheiro que não fui!
Quantos anos vividos
ao lado e na distância do homem que me deixei num cais
sem barco e sem destino!
Ah, meu sonho!
minha vida naufragada.
Eu contemplo a mim mesmo
o rapaz que foi a pique numa tarde de novembro.


Tudo, ah, tudo em mim partiu pro mar!
e eu fiquei ausente
sempre algemado ao momento da partida
com um nó atravessado na garganta do meu sonho!


E agora
meu canto marítimo
chega ainda com a brisa dos oceanos
e na maré alta
banha meu sonho primeiro
e quem sabe, o derradeiro.


Nesse tempo de embarque
tudo esteve pronto e ainda está:
meu passaporte, meu diário em branco,
o violão e o poeta;
meu corpo sadio e forte para as tarefas de bordo
e a imaginação que escolheu as roupas de trabalho
e o traje para descer nos portos escalados:
camisa e sapatos brancos, o paletó azul-marinho
e a calça acinzentada;
a pele bronze, a barba bem crescida
e no peito tatuado qualquer nome de mulher
que eu diria ser o nome da mulher amada.


Vivendo deste sonho
eu fui partindo…
embarcava com os tripulantes
e estava no convés de tudo o que se fazia ao mar
e desaparecia na curva do horizonte.
eu também acenei para os que ficavam
eu acenei a mim mesmo.
Parti com os navios mercantes, vasos de guerra,
transatlânticos, escunas, veleiros…
fiz amigos e inimigos entre marinheiros,
aprendi a língua deles
trabalhei, ri, cantei, me embriaguei com eles.
desci em portos de países longínquos e misteriosos,
conheci outros continentes,
salguei meus olhos nas águas de todos os oceanos
e dos mares interiores,
senti meu coração seduzido pela beleza das baías e enseadas,
golfos e estreitos,
e tudo que eu vi…
ah, perdão!
tudo o que eu vi foi com a imaginação apenas!
eu nunca fui além do cais!
são estórias que ouvi de marinheiros!
de livros que li há muito tempo.


Mas ai de mim!
vivendo deste sonho
eu fui morrendo em tudo mais na minha vida.
e assim, o que de bom esteve ao meu alcance
e que poderia encher meu coração em terra firme
foi sempre provisório e desbotável.
O amor, o grande amor, não sei quem foi, não percebi…
os anos cresceram pesados e exigentes
e a única herança recebida
foi o imenso mar que se espraiou na minha infância.


Ah, meus dias foram outros!
e tudo o que de mim restou de belo,
está distante
está no mar
e nesta ânsia de cantar"

Curitiba, setembro – 1968 - Este poema consta do livro “CANTARES” editado por ESCRITURAS Editora.

Obtido em http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/05/26/um-homem-no-cais-poema-de-manoel-de-andrade/ em 11/12/2010

Encontrei esse poema do Manoel de Andrade meio por acaso e me encantei com beleza poética de "Um homem no cais". Me identifiquei particularmente com o trecho "a nostalgia de terras que não vi / e a saudade do marinheiro que não fui!". Em minha adolescência/juventude, passada em Niterói, um dos meus lugares preferidos era a ponte da ilha da Boa Viagem, onde contemplava o ir e vir dos navios, e em muitos momentos senti a nostalgia das terras em que não estive e a saudade de viajante que também nunca fui, mas sonhei ser.
Manoel de Andrade, um poeta e militante da luta pela liberdade, foi perseguido e teve que se exilar em países da América Latina. De volta ao Brasil, viveu na clandestinidade e desenvolveu uma vida de  sucesso em sua atividade profissional. A poesia foi retomada em 2007 com o lançamento de Cantares. Há uma interessante entrevista em que ele relata um pouco de seu percusso e de sua poesia em http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=114089&id_secao=11, mesmo site de onde obtive a foto.
Por F@bio

sábado, 20 de novembro de 2010

Mestre Sala dos Mares - João Bosco e Aldir Branc

De: João Bosco e Aldir Blanc


(palavras censuradas entre parenteses)

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro (marinheiro) 
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante (almirante) negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar (navegar) pelo mar na alegria das regatas (com seu bloco de fragatas) 
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas (negros pelas pontas das chibatas) 
Inundando o coração do pessoal do porão (de toda tripulação) 
Que a exemplo do feiticeiro (marinheiro) gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante (almirante) negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

Obtido de http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/revoltachibata.html em 20/11/2010



A dupla João Bosco e Aldir Blanc escreveu páginas brilhantes da história da música brasileira e musicou de modo singular a história da nação. Hoje, 20 de novembro, dia da consciência negra, se homenageia também João Cândido, o almirante negro, dia certo para eu postar no Cargueiro de Letras esse samba magistral. A Revolta da Chibata teve por motivos "o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais", que tinham sido abolidos no início do século, sendo depois reativados pela Marinha para "manter a disciplina a bordo". A revolta foi vitoriosa e negociada a anistia, que foi desrespeitada. Os revoltosos foram então deportados ou presos e barbaramente tratados. João Cândido foi expulso da Marinha e viveu muitos anos atormentado pela terrível experiência daquela prisão. Viveu até os 89 anos como peixeiro, vindo a falecer em 1969. No link de onde obtive a letra há um resumo da história de João Cândido. Viva o Almirante Negro! Viva Zumbi!
Por
F@bio

domingo, 14 de novembro de 2010

O Monstrengo - Fernando Pessoa



O Monstrengo
De: Fernando Pessoa
Voz: Paulo Autran


"O monstrengo que está no fim do mar,
Na noite de breu ergueu-se a voar ;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme, disse tremendo,
"El-Rei D. João Segundo!"

"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o monstrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse,
"El-Rei D. João Segundo!"

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o monstrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”


Esse vídeo une a poesia de Fernando Pessoa com a interpretação de Paulo Autran. A poética não está só no rico verso de Pessoa, mas também na forma intensa de Autran declamar a ode a D.João II. A interpretação de Autran valoriza o poema e nos permite conhecer ainda mais a intensidade do texto de Pessoa. O ator empresta sua voz ao poeta
Por F@bio

sábado, 13 de novembro de 2010

Os Argonautas - Caetano Veloso

De: Caetano Veloso

O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...

Navegar é preciso
Viver não é preciso...

Uma homenagem a Camões, a Pessoa, aos navegantes portugueses, que se lançaram mar adentro em seus barcos destemidos, navegar é preciso com a ciência de Sagres e na precisão do verso e da canção de Caetano. No vídeo a seguir Caetano lê a carta de Caminha e canta Os argonautas.
Por F@bio

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

As Mariposas Também Amam - Luiz Berto

De: Luiz Berto
...

"Certa noite na Boate Tabaris apareceu Pedrão, um marinheiro, ficou encantado com Djanira, morena dos olhos verdes da região de Porto Calvo, produto da miscigenação da colonização holandesa. O marinheiro gaúcho se apaixonou pela meiguice, o carinho, a ternura e a beleza da alagoana. Prometeu tudo para ficar só com ele.
Entretanto, Djanira era a mais disputada entre os clientes da pensão. Pedro se mordia de ciúme quando sua amada entrava no quarto com outro homem. O navio estava esperando atracação para carregar açúcar. Pedro, o marinheiro, ficou 15 dias em Maceió, curtindo sua paixão. Djanira se sentiu amada realmente pela primeira vez na vida, também se apaixonou.
Na despedida Pedrão prometeu voltar, Djanira acompanhou o navio cargueiro se afastar do cais levando seu amor, sua vida. As amigas bem diziam que rapariga não pode, não deve se enrabichar. Toda manhã ela descia à praia, contemplando o mar que levou Pedro, na esperança que um dia ele devolvesse seu grande amor.
O tempo passou, a paixão de Djanira nunca ..."

Cronica publicada por Luiz Berto em EPÍSTOLAS DO CARDEAL - Carlito Lima
Obtido de http://www.luizberto.com 


Marinheiros também amam poderia ter sido o título da cronica de Luiz Berto, pois eles costumam deixar amores em cada parada, em cada porto. Como aguentar os dias no mar se não for por amar alguém que ficou no cais, acenando para o amado que parte. Coração partido de quem fica. Espera longa, por um retorno incerto: será que volta? Sempre volta, pois a onda que leva o barco é a mesma que o traz de volta.
Por F@bio

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Santos - Ruy Ribeiro Couto

De: Ruy Ribeiro Couto

Sobre a cidade a tarde cai de manso.
Começam a acender-se luzes mortiças
Nos longos mastros dos transatlânticos ancorados.
Como é longo o cais envolvendo a cidade inteira
Com os chatos armazéns e os guindastes em fila
Como é longo o cais junto às águas oleosas!


Presos à amurada baloiçam botes vazios.
Vêm conversas confusas de marinheiros
Dentre vagões atulhados de carvão de pedra.


Nossa Senhora do Monte Serrat protege o comércio
A igrejinha branca está lá, no alto do morro,
Abençoando a fadiga dos homens suarentos.


Junto a estas águas oleosas nasci.
Nasci para sonhar o bem difícil das viagens,
O encanto triste dos amanhãs do exílio.
O apito longo das sereias, nas partidas,
Foi a música maravilhosa dos meus ouvidos de criança.


Ó transatlânticos com bandeiras enfeitadas,
Não é verdade que viestes para levar-me?

Obtido em http://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult006b.htm

Interessante que esta é a segunda poesia de Ribeiro Couto que publico no Cargueiro de Letras e que tem o mesmo nome, "Santos". O poeta é um nostálgico de sua terra natal. Por seguir carreira diplomática, viveu muitos anos no exterior, levado pelos "transatlânticos com bandeiras enfeitadas". Nas letras registrou não só o amor por sua terra, onde a "tarde cai de manso", mas também sua sina de viajante.
Em Niterói também sonhei "o bem difícil das viagens", mas não vivi o "encanto triste da manhãs no exílio", senão por parcos momentos, pois não cheguei a ser seduzido pelo "apito longo das sereias".
Por F@bio

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cemitério de Navios - Ledo Ivo

De: Ledo Ivo

Aqui os navios se escondem para morrer.


Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.


E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão nos beiços do tempo.


O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.


A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas


sob o vôo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.


Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho


que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.


E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,


um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.


Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos


varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!




Essa poesia me fez recordar o tempo em que vivia em Niterói e passava pela Estrada do Contorno onde ficava uma área conhecida como "cemitério de navios", por ironia próxima ao Cemintério do Maruí. Era uma área entre o Barreto e a Ilha da Conceição para a qual os navios eram levados para o desmonte, para virar sucata. Não sei se ainda é assim. Quem sabe veio daí a inspiração de Ledo Ivo, que vive no Rio de Janeiro.
Ali pude ver navios recolhidos para a morte, encalhados, sem apito, surdos e mudos. Quantas histórias guardam seus porões, talvez reveladas pelas cicatrizes no casco. Não mais o esplendor dos mundos mas a treva eterna.
Ledo Ivo é jornalista, romancista, cronista, tradutor, ensaísta e poeta. Membro da Academia Brasileira de Letras, esse alagoano de Maceió é também um memorialista de seus contemporâneos, vide a entrevista concedida para Geneton Moraes Neto (http://www.geneton.com.br/archives/000052.html).
Por
F@bio

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

São Jorge dos Ilhéus - Jorge Amado

"...transpôs também ele a larga porta central da casa exportadora ... A casa agora era um prédio de quatro andares, no mesmo local do sobradinho antigo, próximo ao porto. O andar térreo era depósito e ensacamento de cacau, dois salões imensos, cheios até o teto de caroços negros que emanavam um cheiro de chocolate. Subindo pelas montanhas de cacau, homens nus da cintura para cima ensacavam os caroços. Outros pesavam os sacos, ajustandos-os ao peso de sessenta quilos exatos e, depois, as mulheres cosiam, numa rapidez surpreendente, as bocas dos sacos já pesados. Um meninote de uns doze anos imprimia sobre cada um deles um carimbo em tinta vermelha:
ZUDE, IRMÃO & CIA.
Exportadores

     Os caminhões penetravam pelo fundo em marcha-à-ré, carregadores levavam os sacos às costas, iam dobrados com o peso. Os sacos caíam com um baque surdo nos caminhões, os choferes punham os motores em marcha, arrancavam pela rua, paravam no cais. Novamente vinham carregadores e novamente se curvavam suas costas sob o peso da carga. Corriam pela ponte, pareciam seres estranhos, negros de espantosas corcundas. O navio sueco, enorme e cinzento, engolia o cacau. Marinheiros atravessavam, bêbados, a ponte de desembarque e falavam uma língua estranha."


Transcrito de "São Jorge dos Ilhéus", de Jorge Amado, Págs. 17 e 18. Romance. Escrita iniciada em Montevidéu e terminada em Periperi, Bahia, janeiro1944. São Paulo: Martins, 12ª edição, 1966. Foto obtida em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Amado


Em 1982 comecei minha vida profissional no comércio exterior e logo em seguida fui atuar na área que cuidava das exportações de cacau na CACEX. Uma experiência rica, que me permitiu acompanhar histórias como essa de Jorge Amado, grande escritor brasileiro, mas que podemos chamar de o grande romancista do cacau e da Bahia. São Jorge dos Ilhéus retrata um período (anos trinta) do desenvolvimento da cultura do cacau no sul da Bahia, com disputas entre fazendeiros, exportadores e importadores de cacau. Nesse contexto, pode-se entender um pouco do comércio de uma commodity que já teve um importante ciclo econômico para o Brasil e para a Bahia em particular. Períodos de altas e baixas de suas cotações no mercado internacional, que trouxeram riqueza e opulência em certos momentos, decadência e desgraça em outros, mas sempre com um fundo de pobreza e miséria do trabalho, quase escravo, nas fazendas de cacau e no porto de Ilhéus. Jorge Amado é um escritor que nunca deixou de apresentar o constraste e a desigualdade social, mas também a miscigenação e o sincretismo que tanto caracterizam  o nosso país. Em São Jorge dos Ilhéus esse cenário aparece de forma muito clara, carregado de lutas e paixões, como um bom romance requer.
Por F@bio

domingo, 5 de setembro de 2010

Atravessa Esta Paisagem o Meu sonho - Fernando Pessoa

De: Fernando Pessoa

"Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma..."

Poesia obtida em http://www.lovers-poems.com/poesia-fernando-pessoa-atravessa-esta-paisagem.html
Imagem obtida em http://www2.ilch.uminho.pt/portaldealunos/Estudos/EP/AH/TCH/P1/Ines/fernando.html

Navergar pelos versos de Fernando Pessoa, singrar cada poema, cada estrofe, cada frase, cada palavra. Passar para o outro lado e descobrir imagens, sons, cheiros e sabores, no texto sensível do poeta maior da língua portuguesa. Pessoa é o grande porto da poesia lusa, esta é a verdadeira ode. 
Por F@bio 

domingo, 15 de agosto de 2010

Santos - Ruy Ribeiro Couto

Nasci junto do porto ouvindo o barulho dos embarques.
0s pesados carretões de café
Sacudiam as ruas, faziam trepidar o meu berço.

Cresci junto do porto, vendo a azáfama dos embarques.
O apito triste dos cargueiros que partiam
Deixava longas ressonâncias na minha rua.

Brinquei de pegador entre os vagões das docas.
Os grãos de café, perdidos no lajedo,
Eram pedrinhas que eu atirava noutros meninos.

As grades de ferro dos armazéns, fechados à noite,
Faziam sonhar (tantas mercadorias!)
E me ensinavam a poesia do comércio.

Sou também teu filho, ó cidade marítima,
Tenho no sangue o instinto da partida,
O amor dos estrangeiros e das nações.

Oh, não me esqueças nunca, ó cidade marítima,
Que eu te trago comigo por todos os climas
E o cheiro do café me dá tua presença.


De Ruy Ribeiro Couto obtido de http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/ribeiro_couto.html


Jornalista, magistrado, diplomata, poeta, contista e romancista, Ribeiro Couto nasceu em Santos - SP (1898) e faleceu em Paris - França (1963). Foi membro da Academia Brasileira de Letras e colaborador do Jornal do Brasil e O Globo, ambos do Rio de Janeiro, e de A Província, de Pernambuco. Em "Santos" o que aparece são as reminicências de menino crescido na cidade porto, ouvindo o "triste apito" da partida dos cargueiros, abarrotados de café. O ar marinho era impregnado pelo cheiro do café. Diplomata, Ribeiro Couto correu mundo, como os cargueiros, e cultivou o "amor dos estrangeiros e das nações". Sua poesia ficou para nos inspirar, deixando "longas ressonâncias" em nossas vidas.
Nasci numa fazenda de café e cresci junto ao mar. No poema de Ribeiro Couto também pude resgatar minhas reminiscências de menino.
Por F@bio