domingo, 20 de junho de 2010

Protopoema - José Saramago


"Do novelo emaranhado da memória,
da escuridão dos nós cegos,
puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto,
de medo que se desfaça entre os dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,
e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas,
e de repente não sei se as águas nascem de mim,
ou para mim fluem.
Continuo a puxar,
não já memória apenas,
mas o próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos,
e sou também os barcos
e o céu que os cobre
e os altos choupos que vagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue
e oscilam entre suas águas
como os apelos imprecisos da memória.
Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim,
desce como um lento e firme pulsar do coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo
acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém,
o meu corpo despido brilha debaixo do sol,
entre o esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas da memória
e o vulto subitamente anunciado do futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei
e vai pousar calada sobre a proa rigorosa do barco.
Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul
e que as aves digam nos ramos por que são altos os choupos
e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem,
sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se juntarem às mãos.
Depois saberei tudo"

Poesia de José Saramago obtida no Jornal da Poesia disponível em http://www.revista.agulha.nom.br/1saramago1.html


José Saramago, um dos grandes mestres da lingua portuguesa, com seu estilo inconfundível, nos deixou um rico legado, com obras magistrais. Um novelo que ele soube como ninguém densenrolar e tecer de forma primorosa. Novelo que foi sua linha de vida e criação, um rio no qual navegou o barco de sua pena. Juntas suas mãos, saberá mais ainda agora como tecer a flor do láscio ou já sabia o que bastava? 
Por F@bio

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Profissões Exóticas - João do Rio

"O cigano aproximou-se do catraieiro. No céu, muito azul, o sol derramava toda a sua luz dourada. Do cais via-se para os lados do mar, cortado de lanchas, de velas brancas, o desenho multiforme das ilhas verdejantes, dos navios, das fortalezas. Pelos bulevares sucessivos que vão dar ao cais, a vida tumultuária da cidade vibrava num rumor de apoteose, e era ainda mais intensa, mais brutal, mais gritada, naquele trecho do Mercado, naquele pedaço da rampa, viscoso de imundícies e de vícios. O cigano, de fraque e chapéu mole, já falara a dois carroceiros moços e fortes, já se animara a entrar numa taberna de freguesia retumbante. Agora, pelos seus gestos duros, pelo brilho do olhar, bem se percebia que o catraieiro seria a vítima, a vítima definitiva, que ele talvez procurasse desde manhã, como um milhafre esfomeado.
...
Nos botequins, fonógrafos roufenhos esganiçavam canções picarescas; numa taberna escura com turcos e fuzileiros navais, dois vilões e um cavaquinho repinicavam. Pelas calçadas, paradas às esquinas, à beira do quiosque, meretrizes de galho de arruda atrás da orelha e chinelinho na ponta do pé, carregadores espapaçados, rapazes de camisa de meia e calça branca bombacha com o corpo flexível dos birbantes, marinheiros, bombeiros, túnicas vermelhas e fuzileiros - uma confusão, uma mistura de cores, de tipos, de vozes, onde a luxúria crescia."

Transcrito de "Pequenas Profissões" em "A Alma Encantadora das Ruas: Crônicas", de João do Rio (págs. 54 e 59). Org. Raúl Antelo. Crônica.  São Paulo : Companhia das Letras, 2008. (originalmente publicada com o título "Profissões Exóticas" na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 06/08/1904).


João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto (1881 - 1921), foi o grande cronista da cena carioca no início do Séc. XX. Com seu humor refinado retrata uma cidade em transformação. Assumindo-se republicana, a antiga capital da corte passa por intensa reforma urbanística. João do Rio foi um observador atento das ruas, das gentes, das coisas, da urbe. Um andarilho das ruas por excelência que relatou com picardia os hábitos e estilos de vida do carioca.
João descreve a região do porto do Rio, a Gamboa no início do século passado, destacando a cidade viva e pulsante (tumultuária e apoteótica).  Lança luz especial sobre os tipos que fazem da beira do cais seu habitat:  catraieiros (barqueiros), carroceiros, carregadores, marinheiros, fuzileiros, bombeiros e meretrizes. Desenha uma cena que permanece atual nas zonas degradas do cais do Rio (pedaço da rampa, viscoso de imundícies e de vícios), mas na qual o sol continua derramando sua luz dourada.

Por F@bio

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Montanha Mágica - Thomas Mann

"A úmida atmosfera da grande cidade marítima, mescla de vida farta e mercantilismo de envergadura mundial, esse que enchera de prazer a vida dos seus antepassados, Hans Castorp respirava-o com profunda aprovação, saboreando-o como uma coisa natural. Com olfato penetrado pelas emanações da água, da hulha e do alcatrão e pelos acres odores de montões de produtos coloniais, via como no cais do porto os enormes guindastes a vapor imitavam a calma, a inteligência e a gigantesca força dos elefantes a serviço do homem, transportando toneladas de sacos, fardos, caixas, barris e tambores, do bojo de transatlânticos ancorados até os armazéns das docas ou os vagões da via férrea. Via os comerciantes, com impermeáveis amarelos, tal qual o dele próprio, afluíam à Bolsa, por volta do meio-dia, onde, como ele sabia, se jogava alto, e facilmente acontecia que alguém se visse obrigado a distribuir convites apressados para um grande banquete, destinado a salvar-lhe o crédito. Via - e era o campo em que mais tarde se concentraram os seus interesses - a multidão que fervilhava nos estaleiros; via os corpos de mamute, de vapores regressados da Ásia ou da África, do dique seco, altos como torres, com as quilhas e as hélices no ar, escorados em pontaletes grossos como árvores, monstruosos na sua paralisia, invadidos por exércitos de operários que pareciam pigmeus, ocupados em raspar, martelar e pintar; via nos picadeiros cobertos erguerem-se, envoltos numa cerração fumosa, os esqueletos de navios em construção, enquanto engenheiros, com os planos de construção e as tabelas de zonchadura na mão, davam ordens aos capatazes..."


Em "A Montanha Mágica", de Thomas Mann, Romance. Págs. 49 e 50. Tradução de Herbert Caro - 2a. Ed. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

Thomas Mann é considerado um dos maiores romancistas da Alemanha, filho de pai alemão e mãe brasileira. A Montanha Mágica, escrita logo após a Primeira Guerra Mundial, publicada em 1924, retrata uma Europa enferma, a procura de uma unidade, afetada pelo seu próprio progresso mercantilista, tão bem retratado na cena portuária descrita por Mann.
A Europa não consegue curar sua insanidade no pós-guerra. A doença se alastra, a febre aumenta e explode o termômetro. O sanatório geral de enfermos entra em ebulição e desencadeia a Segunda Guerra Mundial, inicialmente, européia. A doença contagia todo o continente e depois o mundo.
Em A Montanha Mágica, Mann faz uma análise dessa contaminação que se espalha pelo Velho Continente, do doente que só ao se deparar com a morte, irá procurar recuperar sua sanidade.
por F@bio 

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ode Marítima - Fernando Pessoa

Ode marítima

"Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh'alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É - sinto-o em mim como o meu sangue –
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui...

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.
(...)"

.........

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). 1ª publ. in Orpheu, nº2. Lisboa: Abr.-Jun. 1915. Obtido em http://www.revista.agulha.nom.br/facam04.html



Fernando Pessoa o grande poeta da língua portuguesa constrói lindas imagens sobre o cais, o cais de Lisboa, braço de rio, onde chegam navios nostálgicos, marinheiros solitários que singram o mar com suas velas, que levam produtos nos porões de seus enormes barcos, deixando seu rastro em cada porto, sentimentos de tristeza, longas jornadas e despedidas demoradas, nostalgia, os que ficam e os que partem, saudades de pedra!
Por F@bio

sábado, 17 de abril de 2010

Jubiabá - Jorge Amado

"...Então é para o grande cais dos transatlânticos que se dirigem. Vão ver os homens que embarcam à noite, misteriosamente, levando sob o braço sobretudos e embrulhos; vão ver os homens que trabalham na descarga dos navios. São negros e parecem formigas que levassem enormes fardos. Andam curvos como se em vez de sacos de cacau carregassem sob as costas o seu próprio destino desgraçado. E os guindastes, como monstros gigantescos que rissem dos homens, levantam fardos incríveis que ficam balançando no ar. E rangem e gritam e andam sobre trilhos, guiados pelos homens de macacão que estão trepados dentro dos cérebros dos guindastes."

 




Do Livro "Jubiabá", de Jorge Amado, (pág. 76). Romance. São Paulo: Livraria Martins Editora, 27a. Edição, 1971. 


O livro foi escrito por Jorge Amado em 1935, ainda na fase juvenil do autor que tinha somente 23 anos. Trata da trajetória de Antonio Balduíno, menino pobre e favelado, cuja mãe enlouquece e é recolhida a um manicômio, onde acaba falecendo. Uma vizinha, com apoio de Jubiabá, pai-de-santo e guia espiritual da comunidade do Morro do Capa Negro, leva o menino para ser criado por uma família de classe média branca. Mas Balduíno foge após intriga que o incrimina de desejar a filha do dono da casa, Lindinalva. Torna-se um moleque de rua, lidera uma gangue, como os Capitães da Areia. Cresce e se torna boêmio, compositor de sambas de sucesso que vende para um intelectual. Vira boxeador e após uma derrota, foge novamente, indo trabalhar nas plantações de fumo. Lá se envolve em briga e foge de novo. Torna-se ator de circo mambembe, volta à vida boêmia, reencontra Lindinalva que se tornara prostituta após a falência e morte do pai. Lindinalva, que nunca saíra de suas fantasias sexuais, morre e faz um pedido para Balduíno, que cuide de seu filho. Balduíno torna-se estivador e líder de uma greve. A militância sindical passa a ser razão de sua vida.  
A idéia central do livro é mostrar o surgimento de um líder sindical, a partir do lento amadurecimento do protagonista, rumo à consciência política. É um romance popular característico do "realismo socialista", com elementos sensuais e apimentados da  cena baiana que Jorge Amado soube muito bem retratar. O livro podia se chamar Balduíno, mas o autor preferiu homenagear a cultura negra e seus símbolos tão presentes na Bahia, a quem chama "cidade religiosa" referindo-se à Salvador. 

 
No trecho transcrito, é descrito o cenário do Porto de Salvador dos anos 30 do século passado. O porto conta com personagens misteriosos, como nas novelas noir, mas também com trabalhadores sofridos que carregam fardos ou o "próprio destino desgraçado". Mas esses estão sendo  substituídos por guindastes gigantescos, que nos dias de hoje pareceriam brinquedos. Esses monstros "rangem e gritam e andam sobre trilhos, guiados pelos homens de macacão que estão trepados dentro dos cérebros dos guindastes", uma descrição a lá Tempos Modernos de Chaplin


Uma grande curiosidade da obra é o bar "Lanterna dos Afogados", reduto dos estivadores e boêmios, que inspirou a música de Herbert Viana (veja comentário na postagem abaixo).
Por F@bio

quarta-feira, 31 de março de 2010

Lanterna dos Afogados - Herbert Vianna

De: Herbert Vianna


"Quando tá escuro
E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você pode chorar


Há uma luz no túnel
Dos desesperados
Há um cais de porto
Pra quem precisa chegar


Eu estou na lanterna dos afogados
Eu estou te esperando
Vê se não vai demorar


Uma noite longa
Pra uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar


E são tantas marcas
Que já fazem parte
Do que eu sou agora
Mas ainda sei me virar


Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar


Uma noite longa
Pra uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar
Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar"


Letra obtida em http://vagalume.uol.com.br/paralamas-do-sucesso/lanterna-dos-afogados.html

Herbert provavelmente se inspirou no livro Jubiabá de Jorge Amado ("Jubiabá", romance. São Paulo, ed Martins, 27a. Ed., 1971) onde encontramos nas pags. 77 e 85 o seguinte:
"Certa noite no cais os homens pararam de repente o trabalho e correram para a borda onde o mar batia. Havia uma Lua clara e estrelas tão brilhantes que nem se via a luz da lâmpada de um botequim que se chamava 'Lanterna dos Afogados'...
Quando seu Antônio comprou o 'Lanterna dos Afogados' à viuva de um marinheiro que a montara há muitos anos, ela já tinha esse nome e, em cima da porta ostentava aquela tabuleta mal pintada, na qual uma sereia salva um afogado. O marinheiro que montara o botequim desembarcara um dia de um cargueiro e ancorara ali, naquela velha sala negra do sobrado.
Amara uma mulata escura que fazia arroz-doce para os frequeses e fornecia boia aos trabalhadores do cais do porto.
Porque chamara ao botequim de 'Lanterna dos Afogados' ninguém sabia. Sabiam porém que ele naufragara três vezes e que correra o mundo todo..."

Lanterna metafórica de um Herbert genial compositor e músico. Cais do porto dos desesperados e afogados na solidão, no desamor, na vida sem rumo. O botequim é o porto dos solitários, lugar para afogar as mágoas, ponto de encontro, cais. Mas há alguém que pode ajudar, que te espera no cais, seguro porto, ombro amigo, amor sincero. Vida curta, viajem longa, noite comprida, luz no túnel, farol pra quem precisa chegar, alguém pra te escutar, apoiar. Mas ninguém te ouve, dá vontade de chorar, sozinho no mundo, qual cargueiro em pleno mar. Mas a luz tênue do farol aponta o caminho, porisso não vá demorar, pois alguém está te esperando, iluminando o caminho,  candeiro na noite escura, estrela guia. Lanterna. Viva Herbert Paralama Vianna!
por F@bio 

terça-feira, 2 de março de 2010

Cais do porto - Capiba

"Cais do porto,
Eu estou sempre aqui
Seja noite estrelada ou não
Cais do porto,
Quero ver se encontro meu bem
Que daqui certo dia partiu
Não sei se sozinho ou com mais alguém
Cais do porto,
Tenha pena de mim
Já é dia, nem vestígio sequer
Não será, cais do porto, aquela luzinha?
Que lá longe apaga e acende
Fazendo um sinal, quem sabe, pra mim."


Letra obtida do site www.muitamusicacom.br e foto da contra-capa do disco "Viva Capiba" disponível no site http://www.guiapernambuco.com.br/persona/capiba.shtml


Capiba ou Lourenço da Fonseca Barbosa, um grande compositor pernambucando, muita musica, muitos frevos para alegrar nossas vidas, encantar nossos corações e carnavais!
O cais é frequentemente cantado em versos: saudade, um amor que se foi, um barco que partiu, a luz tênue, cascos e bandeiras, estivadores, marujos, malandros, prostitutas.
O cais, o porto, seguro? 
Docas escuras, sujas, guindastes, pó, poeira, fuligem. 
Lugar sinistro, noir, falcão maltês, vapor e vapores, fumo, fumaça...
Ponto de saída e de chegada, 
Âncora de vidas par-tidas!
por F@bio

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Rio das Flores - Miguel Sousa Tavares

"-Nós não vamos fazer negócios com Hitler. Acabaram-se as exportações para a Alemanha. Vamos fazer negócio com as nações que entrarem em guerra contra a Alemanha e com as que ficarem de fora. Com a Inglaterra e a França, seguramente.
- Com Portugal...
- Não sei onde é que Portugal ficará: se com a Inglaterra, se com Hitler, se em lado nenhum. Mas se ficar com os nazis, também não faremos negócios com Portugal.
   Aguinaldo olhou-o, impressionado: as coisas iam mudar. Será que para melhor?
- Bem, então, doutor, temos mesmo que pensar, não é?
- O que precisará uma Europa em guerra, Aguinaldo?
- Armas...
- Sim, armas, claro. Mas nem o Brasil as produz nem nós somos traficantes de armas. Esqueça tudo o que não é produzido aqui ou que não é essencial. O café, o açúcar, as frutas tropicais, nada disso é essencial. Se, de facto, houver guerra, como eu creio, a devastação na Europa vai ser tamanha, que as pessoas vão lutar desesperadamente apenas para viver com o essencial. E o que será então o essencial? Remédios e aparelhos clínicos para tratar os feridos, mas isso o Brasil não produz. Navios, comboios etc., é igual. O que resta?
   Aguinaldo coçou a cabeça preocupado: alguma coisa tinha de restar ou a Atlântica desapareceria nos escombros da anunciada guerra européia.
- Resta comida, senhor Aguinaldo!
- Sim, a comida. Imagine a Alemanha, a França, a Inglaterra, todos envolvidos na guerra, com todos os homens mobilizados e, se calhar, também as mulheres. Quem vai tratar da agricultura?
  Aguinaldo assentiu, impressionado com a inteligência do patrão.
- Comida, é claro! Como não pensei nisso!
- O Brasil não produz cereais como o trigo, o arroz, o milho, em quantidades suficientes e preços concorrenciais para podermos exportar. Mas produz outras coisas.
- Produz outras coisas... - Aguinaldo esforçava-se para se lembrar de alguma, antes que Diogo o dissesse, mas não conseguiu.
- Feijão e carne, senhor Aguinaldo! Feijão e carne.
- Feijão e carne! Caramba, feijão e carne!
  O rosto de Aguinaldo Baptista brilhava agora de felicidade. Feijão e carne, quem diria? Bendita guerra européia que aí vinha.
...
   Terminado o pequeno-almoço, descia até à porta do hotel, onde, às oito e trinta em ponto, 'seu' Aguinaldo vinha apanhá-lo para levar aos escritórios da Atlântica no centro, no Chevrolet azul-escuro que ele comprara para o serviço da empresa e que fizera Aguinaldo Baptista acreditar definitivamente que, agora sim, agora a firma estava em fase de investimento e expansão. E estava: Diogo pusera ordem e estratégia em todos os setores do negócio - fornecedores, armazenamento de produtos, fretação de carga em navios, expedição alfandegária, contratos e pagamentos dos clientes no destino, relações com bancos, escrituração e contabilidade. Cada empregado tinha agora tarefas claras estabelecidas e sabia exactamente o que fazer e que resultados se esperavam de si. O negócio de exportação de 'gado de corte', como diziam os brasileiros, era agora a grande aposta de Diogo. Para isso, era absolutamente indispensável que os fornecedores não falhassem - nem no prazo, nem na quantidade, nem no preço, nem na qualidade."

Transcrito de "Rio das Flores" (pág. 342 a 344 e 394 a 395). Romance. Autor: Miguel Sousa Tavares. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Em Rio das Flores, Miguel Sousa Tavares constrói um romance que retrata o interior dum Portugal republicano, no entre-guerras, e o antagonismo das opções políticas e de vida de dois irmãos fazendeiros. Fatos reais misturam-se à saga ficcional de uma família de fazendeiros alentejanos, numa misto de jornalísmo e ficção. Após desentender-se com o irmão e com os rumos políticos adotados pelo regime de Salazar, Diogo muda-se para o Rio de Janeiro, em plena ditadura Vargas, para resgatar a empresa de exportação que havia constituído com um sócio alemão que tivera que retornar à Alemanha nazista. Ao chegar ao Rio, Diogo encanta-se com a cidade e exercíta com sucesso sua habilidade para os negócios, a exemplo do que fizeram os inúmeros portugueses que pra cá vieram. Uma impressionante leva de lusos que emigraram para o Brasil e "que agora procuravam na antiga colónia um futuro negado na pátria exangue que haviam deixado para trás"(pág. 376). Na sequência de Equador, Sousa Tavares conta um pouco da história de Portugal e do Brasil, na qual o comércio exterior aparece mais uma vez e acima apresento um breve recorte. Curioso é perceber que no texto ele inverte a situação presente nas piadas contadas em nosso país, colocando o brasileiro como o parvo ou pouco inteligente. 
por F@bio

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Poema ao Cais e aos Navios - J.G. de Araújo Jorge

"Às vezes gosto de flanar à toa pela beira dos cais,
nas horas de descanso ou pela noite a dentro
quando tudo está em paz...
- nos cais onde há guindastes curvos, pensativos,
e navios parados que descansam, quietos,
e navios que partem, fumegantes, vivos...

(Onde há navios parados que descansam, quietos
sobre o mar,
- deixando nas chaminés suaves restos de fumo
como as volutas azuis de um cigarro
abandonado a se queimar...

Navios dionisíacos que partem num desafio
em cada viagem,
indiferentes aos ventos que cantam nos conveses
e ao choque das procelas,
- navios que lá se vão, dias, semanas e meses,
herdeiros das tradições de arrojo e de coragem
que vem de muito longe no bojo das caravelas!

E guindastes monstruosos de esqueletos de aço
recurvos e humildes diante do mar,
- parecem multidões de escravos, em fila,
e que dormissem de pé
cansados de trabalhar...)
..............
Há uma floresta flutuante ao longo de todo o cais,
floresta de mastros nus, de velas enroladas
no bojo dos veleiros que flutuam em paz
e parecem mortos...
- suas sombras se alongam, em fantásticas sombras
nas águas sujas e oleosas, nas águas tristes dos portos...

Que coisas terão visto os olhos daquele marujo
displicente
a enrolar grossos cabos no convés?
- que sóis terão tostado a sua fronte de cobre?
- que chãos terão pisado os seus enormes pés?

(... esse estranho marujo de enormes pés inchados
e um ar paradoxal
de rudeza e abstração,
é preciso que o declare:
- parece que fugiu de algum painel mural
de Portinari...)

Mania essa que eu tenho de andar atrás dos navios
procurando em suas bandeiras multicores
as suas almas distantes,
- almas que vem e vão, nos olhos dos marinheiros
itinerantes!
- e às vezes ficam conosco, nos olhos nostálgicos
dos imigrantes!

Mania essa que eu tenho de acompanhar os navios
como as gaivotas,
elas no ar, em revoadas que se vão deixando
para trás,
- eu, a imaginar seus destinos e rotas
perambulando sem rumo à beira dos longos cais!

Oh, a inveja que tenho desses rudes marujos
de olhos cismadores
que têm os braços tatuados de lembranças efêmeras
em figuras grotescas e infelizes,
- ob, a inveja dos marinheiros e dos pescadores,
que lá se vão mar além, a alma aberta nas quilhas!
aventureiros e sonhadores
de todos os países!
..............
Navio que vens de longe, de que lugares vens?
Navio que vais pra longe, afinal pra onde vais?
- Leva a mensagem de minha alma a um prisioneiro qualquer
que perambule à toa, tal como eu, a sonhar
à beira de outros cais!

   (Poema de J. G. de Araujo Jorge
extraído do livro Cânticos - 1941)


Obtido em http://www.jgaraujo.com.br/index.html


José Guilherme de Araujo Jorge (1914 - 1987), nasceu no Acre, mas fez carreira no Rio de Janeiro onde militou na política estudantil, no jornalismo, nas letras, no rádio e na política (foi deputado federal pela Guanabara). Conhecido como Poeta do Povo e da Mocidade. No "Poema ao Cais e aos Navios" aborda com grande lirismo o ambiente do cais e da navegação, naus de bandeiras coloridas que vão levando cargas e marujos pelo mundo, liberando seu fumo no ar, rasgando mares, flutuando oceanos, sonhos que a brisa faz perambular pelos portos do mundo, flâmulas flutuantes a procura de um cais. 
por F@bio 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Cais - Milton Nascimento

"Cais
Milton Nascimento e Ronaldo Bastos

Para quem quer se soltar invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Para quem quer me seguir eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar".

Esta canção remete ao cais, ao mar, ao se lançar, portanto não podia faltar no Cargueiro de letras. Criação inspirada de Milton e Ronaldo Bastos. Uma interpretação magistral de Milton, com Tulio Mourão e outros. Veja ainda Milton tocando teclado. Bons tempos do Clube da Esquina e do Festival de Jazz de Montreal. Gravação rara e sensacional, verdadeira obra prima.  Show!
por F@bio

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Rio de Janeiro - Laurentino Gomes

"A cidade que acolheu a família real portuguesa, em 1808, ... Era uma espécie de esquina do mundo, na qual praticamente todos os navios que partiam da Europa e dos Estados Unidos paravam antes de seguir para a Ásia, a África e as terras recém-descobertas do Pacífico Sul. Protegidas do vento e das tempestades pelas montanhas, as águas calmas da Baía de Guanabara serviam como abrigo ideal para reparo das embarcações e reabastecimento de água potável, charque, açúcar, cachaça, tabaco e lenha. 'Nenhum porto colonial no mundo está tão bem localizado para o comércio geral quanto o do Rio de Janeiro', ponderou o viajante John Mawe. 'Ele goza, mais do que qualquer outro, de iguais facilidades de intercâmbio com a Europa, a América, a África, as Índias Orientais e as ilhas dos Mares do Sul, e parece ter sido criado pela natureza para constituir o grande elo de união entre o comércio dessas grandes regiões do globo'."


Transcrito de "1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil" (pág. 153), de Laurentino Gomes. História. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

Imagem "Vista do Rio de Janeiro defronte à Igreja do Mosteiro de São Bento" entre 1820 e 1825, de autoria de Johann Moritz Rugendas obtido de http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeiro_(cidade)


Laurentino Gomes, jornalista paranaense, escreve com grande maestria um livro denso e rico de informações sobre a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasilo, a parte mais rica do reino. O texto é fluido e retrata com grande riqueza de detalhes o contexto geopolítico da vinda da corte para os trópicos. Mostra que o ato foi ousado e arriscado, ainda que com incentivo e proteção inglesa. A vinda da Família Real propiciou grande transformação da colônia e do Rio de Janeiro em particular.
por F@bio

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Aqui nos Encontramos - John Berger

"No domingo seguinte, eu estava no bairro da Baixa, atravessando a imensa praça do Comércio. A Baixa é o único bairro da cidade velha que é plano e baixo. Rodeado em três dos seus lados pelas famosas colinas, o quarto é o estuário do Tejo, conhecido como mar de Palha, porque suas águas, vistas sob certa luz, têm um reflexo dourado. Durante o século quinze, das suas plataformas de embarque e desembarque, os navegadores de Lisboa, comerciantes e mercadores de escravos partiram para a África, para o Oriente e, mais tarde, para o Brasil. Lisboa era na época a capital mais rica da Europa, negociando tudo que desafiasse o Atlântico: ouro, escravos do Congo, sedas, diamantes, especiarias."


Transcrito de "Lisboa" em "Aqui nos encontramos". Romance e narrativa ficcional de John Berger. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
Foto obtida de www.vertigomagazine.co.uk



Berger é considerado um dos mais importantes romancistas ingleses. De novo temos um texto sobre as epopéias portuguesas e a importância de Lisboa no Séc. XV, como centro de comércio, especialmente de produtos vindos de outros continentes. A riqueza de Portugal advinha do domínio dos mares. Tráfico de escravos e comércio internacional de mercadorias vindas da Ásia, África e Américas. Na linda construção de Berger: "negociando tudo que desafiasse o Atlântico."

sábado, 9 de janeiro de 2010

Mar português - Fernando Pessoa

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."

 
Em "Fernando Pessoa: Antologia Poética" (pág. 31). Organizada por Álvaro Cardoso Gomes. Poesia. São Paulo: Moderna, 1994.
Retrato de Fernando Pessoa por Almada Ribeiro em 1954 obtido de: http://www.ciencias.com.br/pagina_bedaque/pessoa/FP.htm
Desenho de nau de três mastros obtido de http://www.popa.com.br/docs/cronicas/navios-portugueses.htm

Considerado o maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa, nascido em 1888 e que veio a morrer precocemente em 1935, foi uma figura ímpar do modernismo em Portugal. Aliás, Pessoa na verdade não foi um, mas vários, pois adotou os heterônimos de Álvaro Campos, Alberto Caieiro e Ricardo Reis. Em Mar Português, Pessoa destaca o feito épico das navegações e responde a uma pergunta bastante relevante para seu tempo: "tantas perdas teriam valido a pena?" E responde com o seu versejar de poeta: "tudo vale a pena se a alma não é pequena".
O pionerismo ibérico permitiu que fosse dado grande impulso ao comércio exterior no Séc. XVI. Geoffrey Blainey no livro "Uma Breve Histórida do Mundo" (2a. Edição, São Paulo: Editora Fundamento Educacional, 2008) destaca dois aspectos muito relevantes das navegações: primeiro, as navegações alteraram a modalidade de transporte de marcadorias entre o oriente e o ocidente, suplantando a rota da seda ("Durante séculos, uma infinidade de produtos e plantas asiáticas atravessou toda a extensão da Ásia por terra, mas agora tudo fluía pelas rotas do mar"); e, em segundo, ampliaram de forma espetacular as trocas entre os continentes ("Nunca antes na história do mundo haviam sido transferidas tantas plantas valiosas de um continente ao outro").
Blainey (pág. 203) salienta que Portugal e Espanha foram pioneiros porque eram fortes nas navegações, mas depois foram suplantados por Inglaterra, Holanda e França. Diversos produtos agrícolas, minerais, manufaturados e animais foram levados para a Europa e sua valorização estimulou o comércio exterior e o surgimento de empresas especializadas em transporte naval e comércio internacional (as companhias das índias). Milho, batata, pau-brasil, tomate, ouro, cacau, prata, peru, abacaxi, tabaco, gemas vieram das Américas. Porcelana, almíscar, pimenta, cravo foram trazidos da Ásia. Indigo, metais, diamantes da África. Muitos pacotes, caixas, barris, ânforas chegavam aos armazéns europeus e eram considerados tão preciosos quanto o ouro.
Blainey (pág. 210) observa que as"viagens de Colombo, Vasco da Gama e outros navegadores europeus pelos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico promoveram uma revolução na agricultura do mundo. Junto com as cargas acondicionadas nos conveses ou trancadas no porão, havia pequenas remessas de sementes e mudas que eram eventualmente transportadas por uma série de acontecimentos premeditados ou casuais para todos os continentes. O café, o algodão, o açúcar e o índigo foram para as Américas para serem cultivados em larga escala, com suas colheitas sendo exportadas para a Europa."
Por
F@bio

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Equador - Miguel Sousa Tavares

"O Zaire fundeou na baía de Ana Chaves, de frente para a cidade, a cerca de quinhentos metros do molhe que defendia a avenida marginal das águas do Atlântico. Não havia porto nem sequer um cais de amarração na cidade de S.Tomé: carga e passageiros transladavam-se a terra em simples chatas a remos que, quando o mar estava batido, tornavam aquela curta travessia mais aventurosa do que a propria viagem através do vazio do oceano. 
Luís Bernardo estava, como todos os passageiros e tripulantes, encostado à amurada, contemplando a cidade e a agitação humana que se divisava junto à zona de desembarque.
O Zaire havia saudado terra com três apitos estridentes que se deviam ter escutado em toda a ilha, indicação tradicional de “governador a bordo”. De terra, tinham respondido com outros três apitos vindos da Capitania e uma salva de dezessete tiros disparados da fortaleza de S. Sebastião. De repente, parecia que toda a cidade começara a convergir para o molhe.


Transcrito de “Equador” (pág. 121). Autor Miguel Sousa Tavares. Romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.


A cena descrita por Miguel Sousa Tavares, da rica leva contemporânea de novos romancistas portugueses, é de um porto sem cais, bem no início do Séc. XX, em São Tomé, à época colônia lusitana produtora de cacau, situada na Costa da Guiné, África Ocidental. Um navio misto (meio cargueiro, meio de passageiros) chega à cidade. A chegada do navio vindo da metrópole já era motivo de alvoroço, que ganhou maior relevo por estar entre os passageiros o novo governador da província. Porto era baía, sem cais, sem deque, sem ponte de acesso à nau.
 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Mangue - Manuel Bandeira

"Mangue mais Veneza americana do que Recife
Cargueiros atracados nas docas do Canal Grande
O Morro do Pinto morre de espanto
Passam estivadores de torso nu suando facas de ponta
Café baixo
Trapiches alfandegados
Catraias de abacaxis e de bananas
A Light fazendo cruzvaldina com resíduo de coque
Há macumbas no piche
       Eh cagira mia pai
       Eh cagira
E o luar é uma coisa só..."

Primeira estrofe da poesia "Mangue" transcrito de "Melhores Poemas" (pág. 76). Autor: Manuel Bandeira. Seleção: Francisco de Assis Barbosa. Poesia. 14a. Edição. São Paulo: Global, 2001.
Caricatura de Manuel Bandeira de autoria de Carlos Drumond de Andrade.

Bandeira é poeta maior da literatura brasileira que transpôs para as letras a dor da doença que carregou consigo uma vida quase inteira, que não foi breve: 82 anos. Barbosa suspeita que "por extravagante que pareça, foi a morte que deu vida à poesia bandeiriana". Interessante antagonismo: morte e vida. O poema retrata o porto-mangue que, apesar das referências à Veneza e Recife, fica no Rio onde se enconatram o Canal do Mangue, o Morro do Pinto e a Light (companhia de eletricidade). Ao descrever a vida dura do trabalho portuário Bandeira, no seu particular versejar, constroi um texto rico de imagens e beleza poética. Como ele próprio se autodescreveu: "Não faço poesia quando quero e sim quando ela, poesia, quer". Ainda bem que ela quis muito.