terça-feira, 15 de maio de 2018

Café - André Diniz e Leonídio Paulo Ferreira

Almanaque do Carnaval de André Diniz 
"Café
A marchinha 'Tipo sete', cujo tema era o mercado do café, faz alusão ao principal produto de exportação brasileiro no período colonial, depois da cana-de-açúcar. O café veio parar no Brasil devido a um romance proibido. Reza a história que o militar português Francisco de Mello Palheta, ao chegar em missão na Guiana Francesa, logo se apaixonou pela esposa do governador, a linda marquesinha d'Orvillers. Correspondido, Palheta ganhava de presente sementes e mudas de café, que por proibição das autoridades coloniais francesas não podiam sair da região.
No Brasil, o café tornou-se o principal produto de exportação durante a Regência. Décadas depois, sua venda geraria muitos dividendos. O país passou a ter superavit na balança comercial, ou seja, exportava mais do que importava, ficando com lucro nas transações internacionais. Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha eram nossos principais compradores.
Sustentando toda a política da República Velha, as fazendas de café espalharam-se pelo Rio de Janeiro e por Minas Gerais, mas foi em São Paulo que esse cultivo teve maior produtividade, sobretudo pela qualidade dos plantio. A riqueza oriunda das milhões de sacas do produto vendidas criaram as condições para o desenvolvimento do capitalismo em terras paulistas."





Transcritos do livro "Almanaque do Carnaval: a história do carnaval, o que ouvir, o que ler, onde curtir", pág. 94.  Autor: André Diniz. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2008.


André Diniz da Silva, nascido em Niterói - RJ,  é escritor, pesquisador de música popular brasileira, historiador, professor e político brasileiro. Graduado em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e doutorando em geografia pela UFF. André Diniz publicou diversos livros e artigos publicados sobre música popular brasileira, tendo proferido palestras sobre música, história e cultura brasileira em praticamente todos os Estados do país. Professor de ensino superior e ensino médio, e militante político-partidário nos movimentos de juventude, no final dos anos 80, André participou da consolidação do Partido dos Trabalhadores na cidade e da reorganização do Diretório Acadêmico do curso de História da UFF. Foi candidato (derrotado) a vereador em Niterói (1992), assessor político, subsecretário municipal de cultura, vereador e líder da bancada petista na câmara, além de presidente da Comissão de Educação e Cultura. Em 2005, tornou-se presidente do diretório municipal do PT de Niterói. Em março de 2007, licenciou-se da Câmara Municipal para assumir a função de Secretário Municipal de Cultura, que exerceu até abril de 2008. Reeleito vereador, assumiu em 2011 a Chefia da Representação dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, no Ministério da Cultura. Em 2013 assumiu a presidência da Fundação de Artes de Niterói, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Cultura.

No Almanaque do Carnaval apresenta não só a história da maior festa popular do país, perpassando pelos diversos gêneros musicais relacionados a essa festa, como o samba, a marchinha, o frevo e o axé. Traçando um vasto panorama cultural e da formação do povo brasileiro, apresenta também breves perfis de compositores e intérpretes, detalhando a história de cada gênero musical, canções e casos pitorescos. Tudo isso contextualizado e ilustrado para deleite dos amantes da música e da literatura.

A marchinha "Tipo Sete" a que se refere André Diniz foi composta por Alberto Ribeiro e Antônio Nássara e imortalizada na voz de Francisco Alves. Segue a letra completa que, como era uma marca das marchinhas, tem um duplo sentido, aludindo aos tipos de café e de garotas (pelo aspecto biológico):

"Tipo Sete

O tipo louro
Vale um tesouro
Mas perto do moreno
É café pequeno

Enquanto eu tiver
Olhos pra enxergar
Boca pra gritar
Hei de ter opinião
Não é qualquer mulher
Que consegue dominar
Meu coração

O tipo escuro
Não dá futuro
É capital parado
Que não rende juro

O tipo claro,
É muito raro,
Mas vende muito pouco,
Porque custa caro".


Sobre o café e outras culturas agrícolas, tráfico e globalização, segue o interessante artigo de Leonídio Paulo Ferreira, publicado no Diário de Notícias (www.dn.pt), em 19/09/2012, com o título "Descubra o galã Palheta que deu o café ao Brasil.
Se o Brasil é o maior produtor mundial de café deve-o a Francisco de Melo Palheta. Nascido em Belém do Pará e filho de um português de Serpa, o militar feito diplomata foi em 1727 até Caiena, na Guiana francesa, para resolver uma disputa fronteiriça. Mas se essa era a sua missão oficial, na realidade o que Palheta procurava era grãos de café, tesouro de origem etíope que nas Américas do início do século XVIII poucos possuíam. Galã antes de época, terá seduzido a mulher do governador da colónia francesa, que na despedida lhe ofereceu um ramo de flores com sementes escondidas.

O episódio que imortalizou Palheta é só nota de rodapé num brilhante livro que a Casa das Letras acaba de publicar. Mas confirma ser o génio dos homens, mais o acaso da história, aquilo que explica o planeta onde vivemos, afinal a tese de 1493 - A Descoberta do Novo Mundo Que Cristóvão Colombo Criou, de Charles C. Mann.

Há muitos portugueses, luso-brasileiros e brasileiros citados ao longo das 600 páginas do livro do jornalista americano. Justíssimo, porque desde a chegada do tabaco à China em 1549, até à febre da borracha na Amazónia do século XIX, passando pela transferência da vila de Mazagão de Marrocos para o Brasil em 1770, as gentes de língua portuguesa competem com as de fala espanhola, inglesa, holandesa e francesa no esforço de globalização que as Descobertas desencadearam.

E não faltam outros episódios surpreendentes no livro de Charles C. Mann, mesmo sem intervenção portuguesa. Como o papel decisivo dos mosquitos (da malária) na derrota dos britânicos na Guerra da Independência Americana ou os fornecedores de ossos para as fábricas de adubo a vasculharem os campos de batalha de Waterloo e de Austerlitz.

Mas voltemos a Palheta, que do seu mérito se sabe tudo (o Brasil colhe por ano três vezes mais café do que o Vietname, segundo país produtor), mas da sua vida pouco, alimentando o mito. Já se escreveu muito sobre a personagem, até existe um documentário luso-brasileiro (claro!) intitulado Sementes de Ouro Negro, mas nunca é de mais homenagear a forma galante como o diplomata serviu a sua causa.

Vasco da Gama usou o terror para se apoderar do comércio das especiarias, ficando com a fama de cortar narizes e orelhas aos indianos. Já o britânico Henry Wickham traiu os brasileiros que o acolheram ao roubar as sementes da seringueira e fazendo assim a árvore-da-borracha expandir-se pelo Sudeste asiático então pertença da coroa inglesa. Mas Palheta (e aqui o mito vale tudo) serviu-se da paixão para benefício económico da sua pátria.

O Brasil é já a sexta potência económica. Produz hoje tudo, de petróleo a aviões, mas a agricultura continua a contar muito para a riqueza nacional. E graças às artes de um luso-brasileiro que viveu há três séculos, hoje esse país com 200 milhões de pessoas é o rei do café. E isso não é uma nota de rodapé. É um marco da globalização."

História, economia, tráfico e trapaça, mito e globalização muito antes do Século XXI. Mas, romance e paixões temperam as narrativas e tornam as histórias muito mais interessantes.
Por F@bio

segunda-feira, 7 de maio de 2018

A Noite da Espera - Milton Hatoum

"Andamos pelas ruas do Macuco até o canal. As catraias estavam encostadas nas margens, a passagem do canal para o estuário formava um meio círculo escuro, parecia a entrada de um túnel tenebroso. Os vagões de carga estavam inertes na linha do trem; mais longe, os guindastes, empilhadeiras e armazéns eram formas quase indistintas. A ausência de marinheiros e de estivadores e a iluminação fraca no canal e no cais adensavam o silêncio no porto do Macuco, como se o mar tivesse secado na noite natalina. Contornamos a outra margem e, na travessia da pequena ponte sobre o canal, vimos dois corpos deitados numa catraia que oscilava na margem."

Transcrito de A Noite da Espera, de Milton Hatoum (pag. 20/21). 1ª ed. São Paulo : Companhia das Letras, 2017.

O romance do escritor Milton Hatoum é o primeiro volume da série O Lugar Mais Sombrio, em que o protagonista, o jovem Martim, após a separação dos genitores, muda-se para Brasilia com o pai, onde trava novas amizades e cursa arquitetura na UnB. As descobertas amorosas, culturais e políticas ocorrem no ambiente pesado dos anos de chumbo da ditadura militar.

Milton Hatoum nasceu em Manaus, morou em Brasilia e São Paulo onde formou-se em arquitetura pela USP. Trabalhou como jornalista e foi professor de história da Arquitetura. Em 1980 viajou como bolsista para a Espanha, onde morou em Madri e Barcelona. Depois passou três anos em Paris, onde estudou literatura comparada na Sorbonne (Paris III).  Professor em universidades dos EUA e autor de quatro romances premiados, sua obra foi traduzida em doze línguas e publicada em catorze países. Atualmente reside em São Paulo e é colunista de importantes jornais de SP e RJ.

Mestre na escrita, neste romance Hatoum transita entre o pessoal e o social, numa Brasilia barrenta e cinzenta, drama muito bem construído com a estrutura semelhante a um diário. Leitura imperdível. Por F@bio